Roberto Naime*
A ecologia profunda é uma concepção filosófica proposta no início da
década de 70 do século passado pelo pensador e filósofo norueguês Arne
Naess. Sua evolução é atribuída a uma reação dos indivíduos à visão
hegemônica, então dominante sobre a maximização de utilização dos
recursos naturais.
A ecologia profunda possui influência do pensamento de Mahatma
Gandhi, Henry David Thoreau, Jean Jacques Rousseau, Aldo Leopoldo na
“ética da terra” e de muitos outros. Arne Naess era também estudioso do
budismo e de filosofias orientais, influências marcantes no modo de agir
do ecologista profundo e até hoje relevantes no movimento
ambientalista, conforme comprovam as intervenções de Fritjof Capra. É
sensível a influência que a filosofia do taoísmo exerceu sobre todo o
movimento ecológico.
Esta corrente de apropriação da realidade, com forma de pensar e agir
muito singulares, desde sua origem se caracteriza por adotar premissas e
paradigmas próprios e diferenciados. Frequentemente se registra e se
associa as ações e ideias do professor José Lutzemberger, que
desencadeou o movimento ecológico brasileiro ao fundar a Associação
Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), na mesma época.
O movimento de ecologia profunda estabelece, de forma inédita,
algumas proposições que permanecem e são cada vez mais evidentes. É
preciso substituir a visão antropocêntrica e iluminista de que a espécie
humana veio “dominar” o planeta, pela visão de conviver harmoniosamente
com a natureza e o planeta. O ambiente natural não tem apenas um valor
funcional ou contábil para os seres humanos. A natureza tem um valor
intrínseco, ou seja, em si própria, que é intangível.
Desaparece aquela visão teológica que estabelece que seres humanos,
concebidos à imagem de deuses, são superiores. Todas as formas de vida
são igualmente importantes e relevantes dentro de equilíbrios e
funcionalidades homeostáticos nos ecossistemas e biomas. Outro paradigma
que sofre questionamento definitivo é que o desenvolvimento justifica
tudo. As evoluções são apenas instrumentos de autorrealização dos
indivíduos considerados.
Também é substituída a visão de recursos naturais infinitos, pelas
concepções realistas que determinam a finitude dos recursos. Se faz
proposições que a tecnologia não seja a substituta da divindade e seja
relegada para as necessidades e não se torne um outro dogma
escravizador.
A autopoiese sistêmica dominante necessita ser alterada. Pois hoje só
o consumismo garante a manutenção dos círculos virtuosos da sociedade.
Aumento de consumo gera maiores tributos, maior capacidade de
intervenção estatal, maior lucratividade organizacional e manutenção das
taxas de geração de ocupação e renda. Dentro da visão da ecologia
profunda, o consumismo precisa ser substituído pela ideia de satisfazer
as necessidades dentro de ciclos.
Por fim, já como reação aos movimentos de globalização, surge a
concepção de extremo respeito às comunidades locais e suas tradições
culturais e tradicionais. Se propõe ideias que viabilizem a alteração da
autonomia de comunidades centralizadas, por bio-regiões ou
geobiossistemas com estrito e radical reconhecimento das chamadas
minorias.
Como inspiração histórica a ecologia profunda resgata a famosa
manifestação do chefe Seattle, em sua carta ao presidente Franklin
Pierce. Este personagem quase mitológico, ficou mais conhecido como
“Chefe Sealth”. Mas se tratava de Ts’ial-la-kum, ou ainda Sealth,
“Seathle”, Seathl ou See-ahth. Nasceu por volta do ano de 1786 perto das
ilhas Blake, Washington, e faleceu em 1866. Assim como Saelth; seu pai
também foi líder da tribos Suquamish e Duwamish, no território que hoje é
o estado americano de Washington.
Se registram partes de sua manifestação. “Sabemos que o homem
branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra
é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da
terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e
depois de exauri-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai
sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os
antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e
deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os
olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho
um selvagem que nada compreende”.
Prossegue o chefe Seattle, “Se te vendermos a nossa terra, ama-a
como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça
como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu
poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a
como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo
Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar
o nosso destino comum.” Qualquer semelhança observada é mera coincidência. Ou ao contrário, não é mera coincidência.
Enquanto a ecologia é o estudo das interações entre os seres vivos e
destes com o ambiente, a Ecologia Profunda é uma alteração de paradigma,
de forma de pensar e agir, dentro da ecologia ou de qualquer outra
atividade.
É relevante também que diversas sociedades humanas, especialmente
indígenas, praticavam uma vida de acordo com este modo de ver e agir a
respeito da biosfera. A definição mais recorrente de Ecologia Profunda
ocorre justamente por meio do discurso do índio norte-americano
conhecido como Chefe Seattle.
O manifesto resumia e asseverava que “de uma coisa sabemos. A terra
não pertence, ao homem. É o homem que pertence à terra. Todas as coisas
estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo quanto
agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a
trama da vida, ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à
trama, a si próprio fará”.
Pelo lado do conhecimento e da ciência, existe grande influência de
novas descobertas científicas, como a teoria da complexidade e a teoria
do caos. Baseia-se em novas formas científicas de pensar, conhecidas
como pensamento sistêmico.
Nas observações de Fritjof Capra, “o ambientalismo superficial é
antropocêntrico. Vê o homem acima ou fora da natureza, como fonte de
todo valor, e atribui a natureza um valor apenas instrumental ou de uso.
A Ecologia Profunda não o separa do ambiente natural nem qualquer outro
ser. Vê o mundo como uma teia de fenômenos essencialmente
inter-relacionados e interdependentes. Ela reconhece que estamos todos
inseridos nos processos cíclicos da natureza e somos dependentes deles“. Se acrescentaria, conjuntamente ou de forma solidária.
---------------------------Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
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FONTE: https://www.ecodebate.com.br/2017/03/09/ecologia-profunda-artigo-de-roberto-naime/
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