domingo, 11 de junho de 2023

Desigualdade racial nas eleições brasileiras

Alysson Portella*

 

 desigualdade racial nas eleições

Paper

Desigualdade racial nas eleições brasileiras

Racial Inequality in Brazilian Elections

autores

Sergio Firpo, Michael França, Leila Pereira, Alysson Portella e Rafael Tavares

Área e sub-área

Ciência política, Representação política

Publicado em

Social Science Research Network em 19/05/2022

Link para o original

Este artigo, disponível no Social Science Research Network, discute qual o nível de equidade racial na representação política no Brasil por meio da análise da composição racial da Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas, avaliando tanto candidatos como representantes eleitos, além de comparar partidos de esquerda, centro e direita nos anos de 2014 e 2018.

Além de responder essa pergunta empírica, o trabalho também faz uma contribuição metodológica. Nele, é apresentado um novo método de mensurar equilíbrios em representação a partir do Índice de Representação Descritiva.

A qual pergunta a pesquisa responde?

A principal pergunta que a pesquisa busca responder é: qual o nível de equidade racial na representação política no Brasil? O estudo olha para a composição racial da Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas, avaliando tanto candidatos como representantes eleitos, além de comparar partidos de esquerda, centro e direita nos anos de 2014 e 2018. Além de responder essa pergunta empírica, o trabalho também faz uma contribuição metodológica. Nele é apresentado um novo método de mensurar equilíbrios em representação a partir do Índice de Representação Descritiva. O trabalho avalia em que medida esse novo índice é adequado ou não para o objetivo proposto e se ele tem desempenho melhor que alternativas utilizadas na literatura.

Por que isso é relevante?

Filósofos e cientistas políticos discutem há décadas a importância da representação de minorias nas democracias contemporâneas. Em O Conceito da Representação, Hanna Pitkin estabelece quatro dimensões da representação: formal, substantiva, simbólica e descritiva. Essa última está relacionada às similaridades dos representantes e representados em relação a gênero, raça, classe social ou qualquer outro atributo socialmente relevante. Estudos seguintes mostraram a importância da equidade na representação descritiva, que contribui para maior participação política de minorias, além de possibilitar uma melhor representação desses grupos ao facilitar a defesa de interesses próprios dessas minorias. Finalmente, há a importância da equidade na representação descritiva por ela mesma. Isto é, em que medida uma sociedade é de fato democrática se não vê em seus representantes um reflexo dela mesma? Em função disso, é essencial mensurar rotineiramente a equidade da representação na política, em especial no Brasil, um país marcado por um histórico de escravidão e discriminação contra negros.

Resumo da pesquisa

A pesquisa está dividida em duas partes. Na primeira parte ela apresenta o Índice de Representação Descritiva, enquanto na segunda parte ela usa este índice para avaliar o grau de equilíbrio racial na Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas no Brasil.

O Índice de Representação Descritiva é um índice que varia de -1 a 1. O valor de -1 corresponde a uma situação em que não há nenhuma minoria entre representantes e o índice 1 corresponde a uma situação em que há apenas minorias entre eles. O valor zero indica que a proporção da minoria entre representantes é exatamente igual a sua proporção entre representados. Assim, valores negativos indicam que a minoria está sub-representada politicamente, enquanto valores positivos indicam que ela está sobre representada. O índice é uma adaptação do índice desenvolvido por Ransom & Sutch, utilizado para avaliar a paridade na ocupação de brancos e negros no contexto do pós-emancipação dos EUA. Em seu formato original, ele também foi utilizado no Brasil na tese de doutorado de Lucas Rodrigues e por pesquisadores do Neri.

Do ponto de vista empírico, a pesquisa mostra haver grande sub-representação de negros nos legislativos nacional e estaduais. Tanto em 2014, quanto em 2018, a proporção de negros entre representantes eleitos e candidatos é menor que a sua presença no eleitorado.

Os desequilíbrios na representação são maiores entre representantes eleitos que entre candidatos, indicando haver barreiras para negros participarem de eleições, mas também desvantagens na obtenção de votos caso decidam participar. No Brasil como um todo, o desequilíbrio racial entre candidatos em 2018 foi de -0,28 para a Câmara de Deputados e -0,19 para as Assembleias Legislativas. Já para candidatos eleitos esses valores foram respectivamente -0,62 e -0,58, números bastante elevados.

Porém, há grande heterogeneidade entre os estados. Em raríssimos casos é possível falar em equidade na representação, como por exemplo no Acre. Na maioria deles, porém, há desequilíbrio na representação que favorece candidatos brancos. Em alguns casos, a sub-representação é moderada. Por exemplo, entre os deputados federais eleitos pelo Rio de Janeiro em 2018, 35% eram negros, enquanto sua presença na população foi de 54%, resultando num índice de representação descritiva de -0,38. Já em outros casos, há sub-representação extrema. No mesmo ano, o Rio Grande do Sul não elegeu nenhum deputado federal negro, logo seu índice de representação descritiva foi de -1.

Comparando partidos de direita e esquerda, foi possível observar que embora partidos de esquerda sejam mais equilibrados em termos de candidaturas, quando restringimos a análise aos deputados eleitos, os resultados são muito similares. Isso indica que embora minorias tenham mais espaço para se candidatar em partidos de esquerda, seu sucesso eleitoral é maior em partidos de direita.

Quais foram as conclusões?

O Brasil ainda está longe de ser uma “democracia racial”. Tanto em relação a proporção de candidatos negros, quanto em relação a proporção de deputados eleitos, os números estão muito abaixo do que seria esperado se não houvesse viés na representação descritiva no Brasil. As diferenças nos índices de representação entre candidatos e representantes eleitos mostram que há barreiras tanto para minorias se candidatarem como na hora de obterem votos. Políticas públicas que busquem equilibrar a representação devem não apenas incentivar a participação nos pleitos, como garantir que candidatos negros concorram em termos de igualdade, assegurando uma justa repartição dos recursos públicos que partidos têm disponíveis, incluíndo fundo eleitoral e tempo de TV.

Quem deveria conhecer os seus resultados?

De modo geral, todo brasileiro deveria conhecer os resultados da pesquisa, pois ela toca em dois temas centrais para nosso país: (falta de) representação política e desigualdade racial.

Há, porém, dois públicos principais: estudiosos que buscam mensurar desequilíbrios na representação irão se beneficiar do acesso a mais uma ferramenta para medir em que medida certos grupos estão adequadamente representados nas diversas dimensões da vida pública. Vale salientar que esse índice pode ser aplicado em diversos contextos, como mercado de trabalho, educação, saúde, etc, não apenas na representação política.

Em segundo lugar, o trabalho também deve ser lido por pesquisadores interessados no funcionamento de eleições legislativas e por pesquisadores voltados para o estudo das desigualdades raciais.

Referências

Pitkin, H. (1967). The Concept of Representation. Campus (Berkeley, Calif.). University of California Press.

Mansbridge, J. (1999). Should Blacks Represent Blacks and Women Represent Women? A Contingent yes”. The Journal of Politics, 61(3):628–657.

Bueno, N. S. and Dunning, T. (2017). Race, Resources, and Representation: Evidence from Brazilian Politicians. World Politics, 69(2):327–365.

Campos, L. A. and Machado, C. (2015). A cor dos eleitos: determinantes da sub-representação política dos não brancos no Brasil. Revista Brasileira de Ciência Política, pgs. 121–151.

Janusz, A. (2018). Candidate Race and Electoral Outcomes: Evidence from Brazil. Politics, Groups, and Identities, 6(4):702–724.

Alysson Portella é pesquisador no Insper e membro do Neri (Núcleo de Estudos Raciais do Insper). Tem doutorado em economia dos negócios pela mesma instituição, com períodos como pesquisador visitante na United Nations University World Institute for Development Economics Research e no Institute of Latin American Studies na Universidade de Columbia. Possui mestrado em economia pela UFMG e graduação em economia pela UFRGS. Sua pesquisa está focada nos temas de educação, mercado de trabalho e discriminação racial.

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