Italiano, doutor em sociologia pela Sorbonne, professor na Universidade de Montpellier, Vincenzo Susca é autor de livros e textos que captam como poucos o ar do tempo, entre eles Pornocultura, viagem ao fim da carne (Sulina) e Tecnomagia, estasi, totem e incantesimi nella cultura digitale (Edizioni Mimesis). Professor convidado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS, ele está em Porto Alegre para falar de paisagens midiáticas e imaginário. Nesta entrevista, ele dá uma mostra de suas ideias.
O que é a tecnomagia?
Vincenzo Susca – É a condição na qual a relação entre os seres humanos e a tecnologia muda completamente. Desde o Renascimento que a tecnologia era um dispositivo a serviço dos seres humanos para gerir o mundo, governá-lo, controlá-lo, enfim, de modo racional. Nos últimos séculos, perdemos o controle da tecnologia. Passamos a ser dominados por ela. Já não utilizamos a tecnologia fundamentalmente por razões racionais, pragmáticas, funcionais ou ideológicas, mas nos deixamos possuir por ela. A tecnomagia é o retorno da lógica do totem, encantamento dependente da técnica em meios outrora governados supostamente pela razão.
A inteligência artificial fortalece a tecnomagia ou representa uma ameaça para o ser humano?
Susca – O ser humano perdeu o centro do mundo. Deu um passo atrás em relação à tecnologia, mas também em relação à natureza. É curioso e até mesmo paradoxal ver que estamos sendo superados pela tecnologia e também pela natureza. Se pensamos na covid-19 e no aquecimento global, vemos o quanto temos sido atropelados pela natureza e pela técnica. A inteligência artificial faz parte de todas essas dimensões que ultrapassam o Homem. Já não somos pensadores, mas pensados. Somos, como dizia McLuhan, os reprodutores da tecnologia. Precisamos aprender a viver com isso e a ter um papel a desempenhar. O interessante nisso tudo do ponto de vista da tecnomagia é que não se trata apenas de um passo atrás, mas de um passo de dança. Abandonamos a marcha do progresso e buscamos novo equilíbrio. A dança implica dependência e capacidade de interagir e jogar com o outro. Essa dança, para mim, é uma espécie de êxtase no coração da distopia.
A pandemia de covid-19 acelerou a midiatização da vida?
Susca – A pandemia radicalizou o fato de que nossa vida já estava sendo midiatizada, que vivíamos nas telas e para as telas. A pandemia nos levou a uma imersão total na dimensão midiática. Ao final, percebemos que o físico, o presencial, a praça pública, nossos corpos são a continuidade daquilo que vivemos na mídia, nas redes sociais, nas séries de televisão. Mesmo o nosso corpo agora parece se adaptar às nossas identidades digitais. Pensemos no uso das operações plásticas, no poliamor e na fluidez sexual. Todas essas dimensões remetem a uma mudança de pele, ao desejo de ser diferentes, múltiplos, tudo o que vem da cultural digital. Estamos tão acostumados a mudar a foto do perfil, trocar de avatar e de nickname que levamos essa lógica para o nosso próprio corpo.
Estamos na era da pornocultura?
Susca – A pornocultura, característica da nossa época, está aquém e além do sexo, que obviamente nunca esteve tão visível e acessível. Significa que estamos sempre em contato com o outro, entremeados, uns nas mãos dos outros. Georges Bataille tinha esta bela definição a propósito da dimensão erótica, dizia que perdemos o controle de nós mesmos. A pornocultura é este estágio em que a intimidade, a vida privada, está exposta, nas mãos dos outros, com ou sem a questão sexual. A porneia, na Grécia, era a prostituta. Somos agora todos de certo modo prostituídos, não por nos vendermos, mas por estarmos à disposição dos outros.
O que o Brasil te diz?
Susca – O Brasil, como Michel Maffesoli disse um dia, é um laboratório da carnavalização da existência, com essa grande capacidade de, apesar de tudo, viver o êxtase, a festa e o dia a dia, mesmo em momentos trágicos. O que nos resta, nestes tempos neoliberais de enormes desigualdades sociais, é aprender com os brasileiros a arte e a tática da resistência.
*Jornalista. Escritor. Prof. Universitário
Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/tecnomagia-segundo-vincenzo-susca/?swcfpc=1
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