História curta e ritmada do autor russo revela sua incrível capacidade de criar histórias complexas
Mítia é um estudante de 15 anos que deve 6 rublos a um colega de turma. Ao receber um ultimato do seu credor, ele decide recorrer ao pai que, no entanto, nega qualquer ajuda ao filho.
Aflito, sem saber o que fazer para salvar a própria reputação, Mítia pede socorro a Mákhin, um estudante mais velho e barbado, que aconselha o menino a alterar o valor do cupom da sua mesada: "Dá para empenhar o relógio, mas dá para fazer algo ainda melhor (...) Ponha o número um antes de dois rublos e cinquenta, assim terá doze rublos e cinquenta".
Para demonstrar que o seu plano é infalível, Mákhin leva Mítia até uma loja de fotografia, onde, a pretexto de adquirir uma moldura, troca o cupom falsificado por dinheiro. Quando o dono do estabelecimento descobre a fraude, rapidamente se desfaz do cupom, dando-o a um mujique em troca de lenha.
Este, por sua vez, é preso em flagrante ao tentar usar o cupom e, embora proteste ter sido vítima de um golpe, acaba incriminado pelo falso testemunho de um zelador.
Fascinado pela vantagem que obteve ao agir desonestamente, o zelador aplica um golpe no dono da loja. Por sua vez, Ivan, o mujique que havia sido preso, se transforma em um ladrão de cavalos e termina assassinado por Stepan, que, ao capturá-lo, tem um acesso de raiva e atira uma pedra em sua cabeça.
A narrativa avança em meio a transgressões e desgraças até que Stepan, recém-liberado da prisão onde cumpria pena pela morte do mujique, comete dois novos crimes, sendo o último deles ainda mais brutal do que os anteriores.
Ele rouba e mata a viúva Maria Semiônovna, alguém perfeitamente inocente, que ao ser atacada não oferece qualquer resistência e que, momentos antes de morrer, ainda se compadece do assassino: "Oh, grande pecado! O que é isso? Tenha piedade de si. A alma é do outro, mas a perdição é sua...".
As palavras da viúva fazem com que Stepan finalmente perceba a assustadora dimensão de todo o mal que ele havia praticado, interrompendo, assim, a cadeia de crimes e infortúnios que teve início com a falsificação do cupom.
Em seu posfácio, Priscila Marques, tradutora e estudiosa da obra de Tolstói, comenta que a fala de Maria Semiônovna é representativa da cosmovisão do próprio romancista, pois, inspirado na doutrina cristã, ele costumava argumentar que apenas a não resistência é capaz de cessar todo o mal.
Tenho certa dificuldade em aceitar todos os elementos da visão de mundo de Tolstói. Para dizer a verdade, não compartilho de seus ideais políticos e religiosos, nem concordo com muita coisa que ele escreveu sobre literatura, principalmente sobre Shakespeare, a respeito de quem costumava dizer alguns absurdos. No entanto, gosto de Tolstói e de como ele escreve, pois são raríssimos os autores que sabem contar uma história tão bem quanto ele.
"O Cupom Falso" é um magnífico exemplo dessa capacidade de produzir histórias de tramas complexas, ricas em questionamentos filosóficos, com uma multidão de personagens e, ao mesmo tempo, curtinhas! (Pois Tolstói não é somente autor de grandes tomos como "Anna Kariênina" e "Guerra e Paz", ele também escreveu novelas e contos excepcionais, como "A Sonata a Kreutzer" e as narrativas reunidas em "O Diabo e Outras Histórias.")
O que mais me impressionou durante a leitura de "O Cupom Falso" foi o ritmo que Tolstói conseguiu emprestar ao texto, dando-nos a sensação de estarmos acompanhando o desenrolar de um filme. Assim, não me surpreendi ao saber que a novela teria servido de base para o filme "O Dinheiro" (1983), último longa de Robert Bresson.
Surpreendente mesmo foi descobrir, por meio do texto da tradutora Priscila Marques, que o ritmo cinematográfico da novela talvez não seja por acaso, pois Tolstói aparentava ser um entusiasta da sétima arte, como deixa clara esta sua citação de 1908:
"A mudança rápida de cenas, as transições dos estados de espírito, a cascata de vivências, isso é muito melhor do que o passo arrastado e monótono dos enredos [literários]. Se quiser, é mais próximo da vida. Também na vida as mudanças e transições faíscam e voam, as vivências da alma são como um turbilhão. O cinema decifrou o mistério do movimento. E isso é grandioso".
De minha parte, acho fantástico notar o quanto ainda podemos aprender com os grandes autores de quem discordamos, pois, assim como a visão de cinema defendida por Tolstói, eles também estão mais próximos da vida e nos ajudam a encontrar uma solução para os enigmas que envolvem a nossa humanidade.
* Escritora, doutora em filosofia e literatura alemã pela University College Cork e mestre em filosofia pela Universidade de Tel Aviv.
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