Escritor japonês, que está lançado ‘A Cidade e Seus Muros Incertos’, diz que a pandemia da covid-19 e a invasão da Ucrânia se combinaram e mudaram drasticamente o mundo
AP - O escritor japonês Haruki Murakami disse que cada vez mais muros estão sendo construídos e dividindo pessoas e países depois que a invasão russa da Ucrânia e a pandemia da covid-19 alimentaram o medo e o ceticismo.
“Com sentimentos de suspeita que substituem a confiança mútua, muros são continuamente erguidos ao nosso redor”, disse Murakami no final de abril em um discurso intitulado Escrever ficção em tempos de pandemia e guerra, que ele proferiu no Wellesley College, nos Estados Unidos e que foi publicado na semana passada na revista literária The Shincho Monthly.
“Todos parecem se deparar com uma escolha: se esconder atrás dos muros, preservando a segurança e o status quo ou, conhecendo os riscos, emergir para além dos muros em busca de um sistema de valores mais livre”, disse ele.
O mesmo acontece com o protagonista de seu romance mais recente.
A Cidade e Seus Muros Incertos (em japonês Machi to sono futashikana kabe) foi publicado no Japão em abril, e as traduções para outros idiomas são aguardadas para o próximo ano.
O protagonista, conforme descrito por Murakami, se depara com uma difícil escolha entre dois mundos: uma cidade murada tranquila e isolada, na qual não há desejo ou sofrimento, ou o mundo real além dos muros, cheio de dor, desejo e contradições.
O romance de mais de 600 páginas é baseado em uma história que ele escreveu para uma revista pouco depois de se tornar romancista, mas que nunca foi publicada em forma de livro. Murakami disse que sabia que a história tinha ideias importantes e a deixou de lado porque queria reescrevê-la.
Cerca de 40 anos depois, ele descobriu que “essa história se encaixa perfeitamente na era em que vivemos agora”.
Ele começou a reescrever o livro em março de 2020, logo após o coronavirus começar a se espalhar pelo mundo, e o terminou dois anos depois, quando a guerra na Ucrânia ultrapassou a marca de um ano.
“Os dois grandes eventos se combinaram e mudaram o mundo de maneira dramática”, disse ele.
A sensação de segurança que veio com uma crença comum na globalização e na mútua dependência econômica e cultural “caiu com a invasão repentina da Rússia na Ucrânia”, disse Murakami, espalhando temores de invasões semelhantes em outros lugares.
Como a guerra continua sem fim à vista, o mesmo acontece com os altos muros sendo construídos em torno das pessoas, entre países e indivíduos, disse Murakami. “Parece-me que a condição psíquica de que se alguém não é seu aliado é seu inimigo continua a se espalhar.”
“Poderá nossa confiança mútua voltar a superar mais uma vez nossas suspeitas? A sabedoria pode vencer o medo? As respostas para essas perguntas estão em nossas mãos. E em vez de uma resposta imediata, somos obrigados a passar por uma investigação profunda que levará tempo”, disse Murakami.
O poder da literatura
Murakami, que foi recentemente anunciado como o vencedor do Prêmio Princesa de Astúrias de Literatura de 2023, diz que, embora não haja muito que um romancista possa fazer, “espero sinceramente que romances e histórias possam emprestar seu poder a essa investigação. É algo que nós, romancistas, desejamos muito.”
O autor fez outros esforços para encorajar as pessoas a pensar, lutar contra o medo ou derrubar muros. Ele apresentou o programa de rádio Música para acabar com a guerra um mês depois que a Rússia invadiu a Ucrânia. Sua tradução japonesa de The Last Flower, uma parábola de guerra e paz de 1939 do humorista americano e ex-cartunista de Nova York James Thurber, será publicada no final deste mês pela Poplar Sha.
O protagonista ficou dentro dos muros? “Por favor, tentem ler o livro por si mesmos”, disse Murakami. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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