Eles bagunçarão sua cabeça. Tudo aquilo que você encarava como prioridade absoluta cairá automaticamente. Tudo o que você disse que não faria se tivesse filhos, em algum momento, você acabará fazendo.
Serei polêmica nesse texto. Direi aqui o que quase ninguém tem coragem de dizer em lugar nenhum. Não tenham filhos. Simples assim. Não tenham filhos. Façam outra coisa: cultivem um jardim, invistam na bolsa de valores, treinem algum esporte olímpico. Mas não tenham filhos.
Eles farão você perder o bom senso. Você olhará para aquelas pequenas criaturas e terá a mais absoluta certeza de que são mais bonitos do que todas as coisas bonitas que você viu na sua vida – somadas e elevadas à quinta potência. Você ficará convicto de que nada do mundo pode ser mais belo do que aquela carinha – mesmo que ela seja parecida com um joelho com retenção de líquido.
Eles farão você perder o rumo. Todas as suas manhãs eram organizadas. Levantar às 6:30, fazer exercício, comer um pãozinho com queijo e um iogurte, ler as notícias, tomar banho, ir trabalhar. De repente uma pequena pessoa se coloca no meio do caminho. E você vai decidir que o exercício esperará. E as notícias também. Quiçá o próprio banho. E você ficará brincando, cantando, rindo, completamente sem rumo.
Eles farão com que você perca seu poder de análise. Você achará aquela carinha mil vezes mais perfeita do que os traços da Mona Lisa. Você achará aquele sorriso banguela mil vezes mais bonito que o da Julia Roberts. Você achará o cheirinho daquele pescoço mil vezes melhor do que qualquer perfume da Chanel. Você achará aquela barriguinha mil vezes mais deslumbrante do que a do Jason Momoa.
Eles farão com que todas as verdades absolutas sejam relativizadas. Ir à praia é melhor do que ficar em casa. Um jantar num restaurante elegante é melhor do que ficar de pijama no sofá. Acordar tarde é melhor do que acordar cedo. Nenhuma premissa básica permanecerá intacta. Eles abalarão todas as certezas seculares.
Eles bagunçarão a casa. Cadeirinhas, carrinhos, brinquedos, latas de leite, fraldas, banheiras, sapatinhos. O sofá nunca mais ficará livre de trambolhos. A mesa da sala nunca voltará a ter apenas um vaso no centro. A bancada da cozinha nunca mais ficará totalmente ordenada. Sempre haverá uma dose de caos, por mais que você se esforce para arrumar as coisas.
Eles bagunçarão sua cabeça. Tudo aquilo que você encarava como prioridade absoluta cairá automaticamente para um segundo lugar. Talvez terceiro. Ou quarto. Ou trigésimo oitavo. Tudo o que você disse que não faria se tivesse filhos, em algum momento, você acabará fazendo. Tudo o que um dia você julgou ridículo ou estapafúrdio, poderá perfeitamente te parecer algo plausível.
Não tenham filhos se vocês quiserem se manter fiéis às suas palavras. Se quiserem manter a casa impecável. Se quiserem continuar com uma escala clara de beleza e perfeição. Se quiserem manter a mente em ordem e o sofá da sala também. Mas se vocês quiserem mergulhar no caos, então podem cogitar essa hipótese. O caos mais fabuloso que o universo já criou.
* Nasci em São Paulo em 1988, sou advogada, professora universitária e escritora. Vivo entre Lisboa e o Brasil. Me formei em Direito na Pontifícia Universidade de São Paulo, onde me pós graduei em Processo do Trabalho e cursei meu mestrado. Vivi em Paris e em Roma, onde cursei minha pós graduação em Direito Sindical. Em Portugal, fiz uma pós graduação em Direito Europeu e agora finalizo o doutoramento em Direito Internacional, ambos na Clássica. Sou professora de Direito do Trabalho e Direito Internacional. Escrevo no Observador desde 2016. Tenho 7 livros publicados. Apaixonada por Portugal e pelo Brasil desde sempre.
Fonte: https://observador.pt/opiniao/nao-tenham-filhos/ 17/06/2023
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário