Li o livro de Rosa Montero, “A boa sorte” (Todavia), e não gostei. Os apaixonados dirão que não entendi. É um argumento irrefutável. Por ele, tenho passado a vida sem entender o que quer que seja. A autora é uma das convidadas do ano no Fronteiras do Pensamento. Está na moda. O romance não é ruim. Funciona como um bom entretenimento com pegada politicamente correta. Mas força a barra. Tem doses gigantescas de artificialidade, no estilo oficina literária, para se encaixar num suposto ar do tempo. Uma cadelinha fedorenta entra na história só para dar uma dimensão fofa ao relato cru.
Não contarei a história, pois o leitor atual acredita em segredo de obra publicada. Direi apenas que a narrativa, interessada em ser comovente e cheia de bons sentimentos, passa a ideia de que a pobreza só pode ser infeliz. Um arquiteto famoso abandona tudo para viver numa cidadezinha de periferia triste, feia, pobre, medíocre e quente. A boa sorte consistirá em ser salvo de tudo isso pela mão do homem rico, que em troca também será salvo de si mesmo e do seu carreirismo sem futuro nem humanidade. Quem são os personagens dessa tristeza infinita? Caixas de supermercado e outros trabalhadores assim. Como pano de fundo, toneladas de desgraça, traumas, crimes, lembranças negativas, filhos desamparados, maníacos sexuais, a página policial inteira.
A vida não é assim mesmo? Certamente. A generalização implícita e inevitável do relato transforma a existência de pessoas simples em puro calvário. É como se a cada página o leitor tivesse de responder a uma pergunta nada retórica: pode uma caixa de supermercado de uma cidadezinha mequetrefe, à beira de uma ferrovia, ser feliz? A protagonista é bonita, mas não tem um olho. Um ar de mistério é necessário para dar um tom de tensão à história. Algo terrível acontece no andar de cima. Por vezes, vira romance policial. O final, longe desse lugar horroroso habitado por gente controlada pelo implacável RH da firma, será feliz. Acho que estou descumprindo minha promessa de nada adiantar. Por outro lado, minha opinião negativa poderá levar três ou quatro pessoas a ler o livro para me contrariar.
Quem quiser um efeito de comparação, faça o seguinte: leia em sequência “A promessa”, de Damon Galgut, e “A boa sorte”, de Rosa Montero. A minha opinião não prevalecerá. No Brasil, um livro não sai pela Cia das Letras ou na Todavia por ser bom, mas é bom por ter saído na Cia das Letras ou na Todavia. Ressentimento? Outro argumento incontornável. A prova? Galgut é da Record. Se eu quisesse pegar pesado, diria que a mensagem da história é: pai ausente pode produzir psicopatas. Há, porém, uma leitura positiva, generosa e esperançosa: a história seria mais uma demonstração do triunfo do amor. Por que não? O amor entre dois caixas de supermercado, pelo jeito, não seria cult.
Conclusão: recomendo o livro. É muito melhor do que BBB.
*Jornalista. Escritor. Prof. Universitário
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