Geraldo AlckminVice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Governador de São Paulo em 2013, atual vice-presidente refuta qualquer comparação entre aqueles protestos e os atos antidemocráticos de 8 de janeiro
ENTREVISTA
BRASÍLIA – O vice-presidente Geraldo Alckmin estava à frente do Palácio dos Bandeirantes quando os protestos de junho de 2013 tomaram conta das ruas. Governador de São Paulo à época, Alckmin deu ordem para que sua equipe sempre atendesse o então prefeito Fernando Haddad (PT).
O aumento das passagens de ônibus havia sido adiado em janeiro daquele ano, a pedido da presidente Dilma Rousseff e a contragosto de Haddad, sob o argumento de que era preciso evitar o repique na inflação. Alckmin concordou, então, em segurar a tarifa do metrô e dos trens. Cinco meses depois, os dois decidiram, juntos, aumentar o preço do transporte público em R$ 0,20 – de R$ 3 para R$ 3,20. E aí veio a revolta.
“As jornadas de junho foram um grande aprendizado para a sociedade e para a classe política”, afirmou o vice-presidente ao Estadão. “Aqueles movimentos começaram pela esquerda e acabaram desaguando em agendas de direita, inclusive com oposição à democracia representativa.”
Alckmin e Haddad recuaram do aumento dezessete dias após terem anunciado os R$ 0,20 a mais – preço que, ainda assim, estava abaixo da inflação. “Faço o que o senhor quiser. Se quiser manter a tarifa, eu mantenho. Se quiser voltar atrás, também volto. Estamos juntos”, dizia o governador ao prefeito.
Quase uma década depois, foi Haddad quem apadrinhou a aliança entre o ex-tucano e Luiz Inácio Lula da Silva, selando o acordo mais improvável da cena política. Hoje no PSB, Alckmin apoiou o impeachment de Dilma, embora sempre tenha mantido relação cordial com ela. Haddad foi contra, mas as conversas com a companheira de partido nunca foram descontraídas.
Na sua avaliação, o que provocou os protestos de junho de 2013? Qual foi o momento mais tenso que o sr. viveu naquele período?
Vários fatores. Havia naquele momento, inclusive, questões externas ao Brasil, como os movimentos populares que vinham acontecendo em outros lugares do mundo na primeira década deste século. Mas é óbvio que a reivindicação pela redução dos preços dos bilhetes do transporte público levou às ruas outras demandas reprimidas da sociedade, como a melhoria dos serviços públicos de um modo geral. Um governante, ao menos um governante que tenha vocação para cuidar das pessoas e do Estado, precisa estar sempre atento às inquietações da sociedade. Eu diria que o mais difícil foi manter o equilíbrio entre o direito do povo de se manifestar livremente e a garantia da lei e da ordem, de forma que o Estado não fosse paralisado ou capturado pelos que usavam métodos violentos e até criminosos de reivindicação. Acho que conseguimos.
Mas a Polícia Militar foi criticada tanto por cometer excessos como por cruzar os braços. O então prefeito Fernando Haddad chegou a pedir a demissão do comandante-geral. Como o sr. responde?
O comandante foi mantido e o tempo mostrou o acerto da nossa decisão.
Quais as consequências das jornadas de junho para o País?
Olhando em retrospectiva, elas foram um grande aprendizado para a sociedade e para a classe política. Como sempre busquei o diálogo do início ao fim daquele processo, entendo que uma das consequências foi mostrar que é preciso a união de todos os entes para tentar compreender as demandas da população. No meu caso, posso dizer que reforcei minha convicção na importância do diálogo e da escuta às demandas dos cidadãos, que muitas vezes não têm como nem onde se expressar.
O ex-presidente Fernando Henrique foi consultado à época pelo governo Dilma sobre a possibilidade de apoiar uma proposta de reforma política. O sr. conversou com ele sobre o assunto?
O presidente Fernando Henrique Cardoso sempre teve uma postura republicana e democrática, e, também, sempre foi conhecido por ser um reformista. Na ocasião, ele considerou o momento oportuno para debater a reforma política, ainda que não tivesse participado da discussão sobre os termos com que a reforma seria feita.
Há quem diga que a explosão de descontentamento de 2013 foi o ‘ovo da serpente’. Aqueles movimentos impulsionaram a extrema-direita e deram origem ao bolsonarismo no País?
Em termos ideológicos, entendo que aqueles movimentos começaram pela esquerda e acabaram desaguando em agendas da direita, inclusive com oposição à democracia representativa, viabilizando partidos e políticos. Difícil dizer se eles deram origem ao bolsonarismo. Acho que o mais correto seria dizer que inauguraram um período novo no jeito como os brasileiros decidiram manifestar algumas de suas convicções, que era indo às ruas para protestar, às vezes com uma dose de contundência um tanto exagerada, mas legítima quando feita de maneira civilizada e pacífica.
Foi a partir daquela época que o sr. se aproximou de Haddad, que, anos depois, teve a ideia de uma aliança sua com o atual presidente Lula?
A relação entre a Prefeitura de São Paulo e o governo estadual é inevitável. Estão na Grande São Paulo 20 milhões de habitantes, sendo que, na cidade, mais de 12 milhões, ou seja, um quarto da população do Estado. Nós temos parcerias nas áreas de mobilidade, saneamento, educação, mas, claro, a crise criou um momento de solidariedade, que favoreceu a construção de uma resposta conjunta. E foi o que aconteceu. O interesse dos brasileiros deve ser maior do que as desavenças partidárias. Foi com esse mesmo interesse, de garantir a democracia e reconstruir o País, que surgiu a aliança com o presidente Lula.
O sr. vê alguma semelhança entre os protestos de 2013 e os ataques de 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes?
Nem em forma nem em conteúdo. Como as investigações estão indicando, os ataques de 8 de janeiro foram orquestrados e financiados por gente que despreza a democracia e não aceita o resultado das urnas. Em nenhum momento do que ocorreu neste ano houve qualquer apelo democrático. Em 2013, aconteceram episódios de violência, que, sempre é bom dizer, deve ser repudiada, de direita, de esquerda ou de centro. Mas eles, geralmente, ocorriam no final das manifestações, promovidos por grupos minoritários e longe de expressar a vontade da maioria. Já em 8 de janeiro o que pretendiam os participantes era a prática de crimes contra o Estado brasileiro.
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