Por Leonor Riso
"Nos países islâmicos, temos militares e temos ditadores e temos pessoas que querem o poder e que não o querem deixar. Quando há uma pequena abertura para a possibilidade de haver um governo civil, há sempre golpes de Estado. Este é o mundo islâmico atual, em que a democracia não entra. Isto é assim, mesmo que a pessoa queira [mudar], não dura muito", argumentou.
O imã da Mesquita Central de Lisboa, xeque David Munir, admitiu à agência Lusa que tem "muita dificuldade" em ver um país islâmico exemplar, sobretudo no domínio dos direitos humanos, afinal, um dos pilares do Islão.
"Na teoria, o regime islâmico é baseado na tolerância, na misericórdia e na igualdade. [...] Mas a questão que se coloca é que, no Islão, à partida, para dizer a verdade, eu tenho muita dificuldade de ver um país Islâmico exemplar. Em tudo. Nos direitos humanos e, acima de tudo, em valorizar o próximo", afirmou o xeque Munir.
Numa entrevista à agência Lusa, o imã, que sábado foi um dos oradores de
uma conferência subordinada ao tema "A Reforma no Islão", organizada
pela Comunidade Islâmica de Lisboa (CIL), Observatório do Mundo Islâmico
(OMI) e Centro Cultural Colinas do Cruzeiro (CCCC), frisou, porém, que o
regime islâmico tem consagrado os direitos de igualdade, liberdade de
expressão, liberdade de crença e tolerância.
"Cabe ao califa, que já não existe, ao emir, implementar. Tem de estar
disposto a ouvir várias opiniões (...) na assembleia de pessoas, dos
sábios ou dos mais entendidos ou dos líderes, os que têm a liberdade de
dar a sua opinião", explicou.
David Munir deu como exemplo o caso da democracia, quando, em eleições,
um partido ganha eleições democraticamente com maioria absoluta, que lhe
permite "fazer e desfazer", sem dar hipóteses às restantes forças
políticas representadas no Parlamento.
"Nos países islâmicos, temos militares e temos ditadores e temos pessoas
que querem o poder e que não o querem deixar. Quando há uma pequena
abertura para a possibilidade de haver um governo civil, há sempre
golpes de Estado. Este é o mundo islâmico atual, em que a democracia não
entra. Isto é assim, mesmo que a pessoa queira [mudar], não dura
muito", argumentou.
Para o xeque Munir, atualmente no Islão qualquer pessoa que levante a
voz contra o regime, passa a ser considerado não islâmico, situação que
lamenta.
"As opiniões das pessoas são válidas até a pessoa conseguir provar que
não vai contra os princípios básicos do Islão. Mas, do outro lado, o que
acontece nos dias de hoje, em termos gerais, qualquer pessoa que dê uma
opinião diferente da do líder ou do partido que está no poder, não tem
hipótese", defendeu.
"Se for um país um pouco mais pacífico, tudo bem, tem o seu espaço, mas
há pessoas que passam por represálias, põem a sua vida em risco, não se
pode dizer nada, não se pode falar nada. Isto não tem nada a ver com o
Islão", acrescentou, admitindo que foi assim que surgiram movimentos
extremistas, como o grupo Estado Islâmico, os Talibã ou o Al Shabbab.
"A falta de conhecimento, o querer o poder a todo custo, alguma
influência também do Ocidente para criar uma certa instabilidade, enfim,
se misturarmos tudo isto, temos uma boa refeição. No mundo Islâmico, ou
em alguns países islâmicos, quando alguém sofre política, social e
economicamente, quando se perde tudo, não tem razão de viver, então
vai-se criando psicologicamente uma certa raiva, um certo ódio contra
aqueles que estão no poder. Do outro lado, vem um grupo que usa o Islão e
diz que vai manter a justiça ou igualdade. Dão alguma esperança à
pessoa que perdeu quase tudo e esta acaba por se alinhar com alguma
esperança. Mas depois, também acaba por ver que também não são
diferentes dos outros", explicou.
No entanto, na opinião de Munir, quem mais sofre com os grupos terroristas islâmicos "são os próprios muçulmanos".
"A vida é sagrada para todos nós. Mas como há muçulmanos que não
compactuam com a ideia deles e com a filosofia deles, passaram a ser
inimigos também", afirma.
"Temos, infelizmente, vários grupos, vários 'lobos solitários' à solta
e, quando um grupo é detido, desfeito, cada um faz aquilo que puder, na
medida do possível, para manter a política, a filosofia, a ideia, a
ideologia do grupo, e muitas vezes vai tentando influenciar o outro",
afirmou o imã da Mesquita Central de Lisboa.
"A falta de conhecimento faz com que as pessoas adiram sem saber porquê.
E quando começam a estudar, quando começam a ler, abrem a mente e
descobrem que, afinal, não é bem assim. E, ao abrirem a mente, quando
começam a confrontar o líder, ou os líderes, são postos do lado",
justificou.
Questionado pela Lusa sobre quais os países muçulmanos que convivem num
regime democrático, o xeque Munir admitiu ter "alguma dificuldade em
responder", uma vez que, apesar de já ter vivido em muitos países, não
residiu em nenhum Estado muçulmano, pois sempre morou em Portugal, "no
Ocidente".
"O que eu sei sobre os países islâmicos é aquilo que sabemos das
notícias. No entanto, os países que eu visitei, que não foram poucos,
foram muitos, na prática não notei aquilo que eu gostava de notar. A
justiça, a igualdade, a parte económica e social. Temos pessoas muito,
muito ricas ou temos os muito, muito, muito pobres. Um dos pilares do
Islão é a caridade obrigatória, 12,5%. Se todos dessem, iríamos melhorar
muito a situação dos mais carenciados. Mas os ricos querem ficar mais
ricos e os pobres vão ficar mais pobres. Esta desigualdade é social, mas
também é islâmica", explicou.
Admitindo que há ainda muito a fazer para pacificar o Islão no seu todo,
o xeque Munir lembrou que "os grupinhos, grupos, líderes e
congregações" que querem impor o radicalismo porque a leitura que fazem
do Islão é muito limitada, não estão abertos a dialogar com os outros,
mesmo sendo muçulmanos.
"Isso obriga a que o processo avance lentamente. Nalguns casos deram-se
passos à frente e depois para trás e isso é um bocado complicado",
concluiu.
Fonte: https://www.sabado.pt/vida/detalhe/xeque-munir-tenho-muita-dificuldade-em-ver-um-pais-muculmano-exemplar-nos-direitos-humanos
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