Por
Querido Lorca,
Quando traduzo um dos seus poemas e encontro palavras que não entendo, sempre adivinho seus significados. E acerto, sem erro. Um poema realmente perfeito (ninguém ainda escreveu uma porra dessas) poderia ser perfeitamente traduzido por uma pessoa que não conheça uma só palavra da língua em que foi escrito. Um poema realmente perfeito tem um vocabulário infinitamente pequeno.
É difícil pacas. Queremos transferir o objeto imediato, a emoção imediata para o poema — e mesmo assim o imediato sempre tem centenas de palavras próprias agarradas a ele, curtas e tenazes como cracas. E é errado raspá-las e substituí-las por outras. Um poeta é um mecânico do tempo, não um embalsamador. As palavras ao redor do imediato murcham e apodrecem como a carne ao redor do corpo. Nenhum trapo de múmia da tradição pode ser usado para interromper o processo. Objetos, palavras, devem ser conduzidas através do tempo e não preservadas contra ele.
Eu grito “Merda” da beira de um penhasco no oceano. Mesmo na minha vida, o imediatismo dessa palavra desaparecerá. Será morto como “Alas”. Mas se eu colocar o penhasco real e o oceano real no poema, a palavra “Merda” os acompanhará, viajará na máquina do tempo até que os penhascos e oceanos desapareçam.
A maioria dos meus amigos gosta muito de palavras. Eles as arranjam sob a luz ofuscante do poema e tentam extrair de cada uma delas todas as conotações possíveis, todos os trocadilhos de ocasião, todas as conexões diretas ou indiretas — como se uma palavra pudesse se tornar um objeto pela mera adição de consequências. Outros pegam palavras das ruas, dos bares, dos escritórios e as exibem orgulhosamente nos seus poemas como se estivessem gritando: “Veja o que colhi da língua americana. Olhe para minhas borboletas, meus selos, meus sapatos velhos!” O que fazer com essa porcariada toda?
As palavras são o que adere ao real. Nós as usamos para empurrar o real, para arrastar o real para dentro do poema. Elas são aquilo que mantemos, nada mais. São tão valiosas em si mesmas quanto uma corda sem nada para ser amarrado.
Repito — o poema perfeito tem um vocabulário infinitamente pequeno.
Com amor,
Jack (ou Joca)
(Tradução JRT)
Imagem da Internet
Fonte: https://jocareinersterron.wordpress.com/2023/09/18/depois-de-lorca-de-jack-spicer/
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