por Luiz Antônio Araujo*
John Shipton, pai do fundador do WikiLeaks que está preso no Reino Unido, esteve em Porto Alegre para lançar documentário
Preso desde 2019 na penitenciária de segurança máxima de Belmarsh, no Reino Unido, o ativista e editor Julian Assange tem sua liberdade exigida por personalidades dos quatro cantos do globo. O motivo de seu encarceramento – a divulgação, por meio da plataforma WikiLeaks, em 2006, de um conjunto de documentos secretos dos Estados Unidos sobre as guerras do Afeganistão e do Iraque, entre outras operações – é reconhecido como decisivo para que a opinião pública global pudesse contemplar as motivações soberbas e mesquinhas da chamada “guerra global ao terror”. A campanha pela libertação de Assange ganhou fôlego em 2021 com o lançamento do documentário Ithaka: a luta de Assange, com direção do britânico Ben Lawrence e produção do irmão de Assange, Gabriel Shipton.
Para divulgar o filme no Brasil, o pai de Assange, John Shipton, esteve em Porto Alegre na quinta-feira, 24, e na sexta, 25. Procedente de Brasília, Shipton tinha passagens agendadas por Rio, São Paulo e Recife. Na quinta, horas antes da primeira sessão de exibição do filme, ele conversou por alguns minutos com a Parêntese. A seguir, uma síntese:
Parêntese – Quem é Julian Assange?
John Shipton – (Risos.) Bem, essa é uma pergunta para a qual eu gostaria de ter uma resposta também. (Risos.) Julian é um matemático australiano que se tornou também especialista em computação e editor. Ele uniu duas ideias. Uma é que a essência do conhecimento é a informação. A outra é que, com o computador e a internet, todos podem ter acesso ao conhecimento. Todos. Em consequência disso, você pode criar fóruns, trocar informações com outras pessoas e construir uma massa de conhecimento. Obviamente, como você sabe, o conhecimento não está nunca completo, você está sempre construindo um pouco mais e mais. Usando fóruns na internet, você pode manter seu conhecimento em expansão. Isso é realmente importante no caso da família, do autodesenvolvimento, de sua comunidade e de seu país. Eu gostaria de enfatizar a compreensão de que todo gênio emerge do povo. Ele não desce do gabinete presidencial. Ele emerge de nós para o gabinete presidencial. A formulação de políticas e as linhas mestras daqueles que estão comprometidos a estabelecer essas políticas está baseada no entendimento de que a capacidade de resposta humana e inteligência nasce do interior dos corações, do espírito e do corpo do povo de um país. É preciso sempre fazer essa observação porque status e poder dão a ilusão de ser a origem das coisas. Julian veio do povo. Ele não veio do gabinete presidencial. Conhecimento, gênio, invenção, criação ascendem do coração e do corpo do povo de um país. Devemos cuidar do povo, não chamá-lo de turba nem desprezá-lo porque o povo somos nós.
Parêntese – O sr. expôs ideias muito marcantes. Em que medida esses valores influenciaram a formação de Assange?
Shipton – Ele foi criado por sua mãe. Creio que formou sua visão de mundo por influência de sua mãe, como muitas crianças fazem, mas no caso de Julian, com uma forte relação com sua mãe. Sua atenção ao detalhe, à precisão, ou, se você quiser, seu perfeccionismo, levaram-no a se aproximar da verdade. Creio que essa expressão é adequada por similitude. Você se aproxima da verdade. Obviamente, você nunca chega à verdade, mas você se aproxima mais e mais dela. Isso é parte de sua natureza. Ele é dono de si. Não pensa e age de acordo com sua mãe nem com seu pai, seu irmão ou sua irmã. Ele é criação de si mesmo. Creio que podemos chamá-lo de homem que se fez pelo próprio esforço.
Parêntese – Quando o sr. viu Assange pela última vez? Qual era o aspecto de seu filho?
Shipton – Vi-o em outubro passado. Ele estava magro. Estava bem, dadas as circunstâncias. As circunstâncias não são boas, você sabe. São 14 anos, dos quais cinco em uma prisão de segurança máxima (Assange esteve na mira das autoridades britânicas e chegou a ser preso e libertado sob fiança entre 2010 e 2012, quando ingressou como refugiado na embaixada do Equador, em Londres). (Silêncio.) Dadas as circunstâncias, estava bem. Do ponto de vista geral, afinal, as circunstâncias são terríveis. Você não pode evitar algum custo depois de um encarceramento de 14 anos, dos quais cinco em uma prisão de segurança máxima. Isso tem um custo. Eu não gosto de pensar no que esse custo representa para Julian, se você me permite.
Parêntese – Qual é a contribuição de seu filho para o debate político atual, especialmente em relação a questões como informação, Estado e poder?
Shipton – Não sei o que Julian pensa. Não posso falar por ele. Mas a evidência de seu pensamento é seu amor incondicional pela internet. A profunda e única evidência do pensamento de Julian é o WikiLeaks. Essa é a evidência. Mas não sei o que ele pensa. Seria deselegante de minha parte.
Parêntese – Ele se arrepende de algo?
Shipton – (Risos.) Julian é um ser humano. Qual ser humano não tem arrependimentos? Há somente um, penso eu, chamado Jesus Cristo. E mesmo ele, na cruz, disse: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Mesmo o homem perfeito tem alguns arrependimentos. Não sei quais são os dele (Assange). Imagino que ele possa pensar que deveria ter feito algo de forma diferente. Arrependimentos são usualmente inúteis. Mas nós os temos.
Parêntese – “Liberdade para Julian Assange”: a que distância estamos de concretizar esse objetivo?
Shipton – Eu creio, tenho uma impressão… O presidente do Brasil (Luiz Inácio Lula da Silva) está apoiando (essa causa). O Brasil é o quinto maior país do mundo, e, creio, a sétima maior economia. É importante que esse homem apoie (essa causa). O presidente do México, (Andrés Manuel López) Obrador, está apoiando pública e privadamente. O México tem operações comerciais de US$ 500 bilhões com os Estados Unidos, aproximadamente o mesmo que a China, e isso é importante. O primeiro-ministro da Austrália, o líder da oposição e 88% da população está apoiando. De volta à América Latina, (Gustavo) Petro, da Colômbia, (Gabriel) Boric, do Chile, e (Alberto) Fernández, da Argentina (apoiam Assange). É uma boa lista, não? Em todos os parlamentos ocidentais, há um grupo pró-Assange. Em alguns, como nos da Grécia e da Austrália, um terço dos parlamentares apoiam Assange. Creio que o caso está se encaminhando para uma conclusão. Julian será libertado. Mais importante é que voltemos ao início e compreendamos que todos esses parlamentares, políticos e instituições de Estado apoiam Assange por uma única razão: o povo assim o deseja. Essa é a única razão. Bem, não, não a única razão: obviamente, há a integridade moral. Mas eles também devem nos ouvir. Se você ouve o presidente Lula dizendo isso, você compreende que, no Brasil, o apoio a Julian Assange é muito, muito forte. O mesmo vale para o México. A dívida do México em relação às publicações do WikiLeaks é tremenda desde 2010, porque criou a possibilidade de um governo decente. Li que (o presidente Jair) Bolsonaro vendeu a estatal de energia (Eletrobrás). Que estúpido. Mas, no México, Obrador reestatizou as usinas de energia elétrica. Imagino que o mesmo possa acontecer no Brasil. Você não pode ter essas pessoas (os empresários do setor elétrico) controlando as unidades de geração de energia de um país inteiro.
Parêntese – O sr. teria alguma consideração final?
Shipton – O grupo dos Brics agora é Brics+5. A maioria dos produtores de energia do mundo agora está nos Brics: Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Rússia. Extraordinário, não? Os produtores de energia do mundo estão nos Brics. Um dos criadores do Brics foi o presidente Lula. Por outro lado, China e Índia, dois grandes consumidores de energia, estão nos Brics. O Brics+5 agora exclui os Estados Unidos, a Europa e o Reino Unido. Dos produtores mundiais de energia, 65% estão nos Brics, assim como 90% dos consumidores. Isso é importante para se entender que, ao se medir o pulso do poder, você não olha para o Norte, e sim para Brasília e, obviamente, Moscou, Pequim, Nova Délhi. Você não olha para o Norte. Isso é muito importante.
* Jornalista, escritor, professor e pesquisador de Jornalismo brasileiro. Reside em Porto Alegre. Recebeu o Prêmio ARI de Jornalismo e o Prêmio RBS de Jornalismo. Foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura
Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/parentese/entrevista/shipton-pai-julian-assange/?swcfpc=1
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