segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Saudações intelectuais

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Saudações intelectuais

 A alegria me obriga a compartilhar com meus leitores as manifestações de pensadores, professores e pesquisadores que admiro sobre a homenagem que recebi em Montpellier na última quinta-feira: Philippe Joron, Michel Maffesoli, Edgar Morin, Michel Houellebecq, Jean-Bruno Renard, Patrick Tacussel, Gilles Lipovetsky, Dominique Wolton, Pierre Lévy, Régis Debray e Moisés Lemos Martins.

Joron saúda

Philippe Joron (em seu discurso de saudação)

“Não vou repetir aqui a apresentação acadêmica de Juremir Machado da Silva, que já escrevi e publiquei, mas sim compartilhar com vocês alguns momentos passados, às vezes difíceis, mas sempre felizes nas adversidades.

[…] Penso em particular no primeiro episódio da temível pandemia de Covid-19, que os afetou profundamente em meados de março de 2020. Eu estava então em Porto Alegre como professor visitante quando tudo estourou. Tive que pegar o último avião para a França. No dia seguinte à minha chegada a Montpellier, recebi uma mensagem do nosso colega e amigo Jacques Weinberg perguntando-me se eu não estava com Covid, pois você estava. Tínhamos nos encontrado pela última vez um dia antes em um programa de rádio. Hospitalização, cuidados intensivos, ansiedade. Mas você está entre nós, conosco, graças à sua energia e à da Cláudia e aos seus amigos que continuam acompanhando você.

Estou pensando também no governo de Jair Bolsonaro no Brasil. Você pagou o preço, pagou o alto preço pelo seu trabalho como jornalista, pela sua independência de espírito e suas convicções […] As redes bolsonaristas, em suas versões evangélica, detentoras de meios de comunicação, em coordenação com outros importantes interesses lobistas, foram acionadas, em ordem unida, prontas para apertar o gatilho…

[…] Você é um bom homem. Você é uma “ bela pessoa”, mesmo que a expressão possa parecer ultrapassada, embora compartilhada por muitas de nossas culturas. Você é profundo em sua total simplicidade, sua generosidade e seu humor. Um intelectual estratosférico que vivencia o cotidiano como se fosse um monte de pedras preciosas, atento às provações dos seus concidadãos, dos seus, daqueles que são da sua veia ou que ainda não sabem disso. Você ama a terra, a do seu pai, que ele não possuía, os escombros, possíveis fontes de pepitas, as pessoas que labutam, no suor e no odor do trabalho, mesmo que sejam poucos os ganhos ou não haja gema na mina ou a colheita esperada nos campos. Humilde, diplomático e ao mesmo tempo rebelde, distante dos caprichos com que outros evaporam sonolentamente os seus desejos de ser, suplicantes para tentar ainda existir a todo custo, em vez de simplesmente ser, neste mundo de excessos midiáticos, a despeito do fato de que não se é ingênuo para acreditar nesses discursos.”

Michel Maffesoli

“Foi em 1995 que Juremir Machado da Silva defendeu, na Sorbonne, uma tese feita sob minha orientação: “Os anjos da perdição: futuro e presente na cultura brasileira”. Quando menciono esse título, penso na veracidade de um ditado conhecido: “o profeta é aquele que se lembra do futuro”. Posteriormente, ao longo de sua carreira, ainda em andamento, ele soube combinar diversas contribuições da sociologia, da comunicação, da literatura e da história. Os seus livros publicados em França (“Brasil, país do presente”, “As tecnologias do imaginário” e “Na Patagônia com Michel Houellebecq”, são uma boa lembrança do que é a nossa “UNIVERSITAS”, uma conjunção do “quadrivium” e o “trivium” de  antiga memória. Lembro que, ao escrever seu livro sobre Getúlio Vargas, Juremir Machado da Silva destacou a importância das raízes para pensar o presente.

É normal, portanto, em referência ao que Nicolas de Cusa chamou de “coincidência oppositorum”, que a Universidade Paul Valéry lhe tenha concedido o doutorado “Honoris causa”, fortalecendo assim a ligação entre essa instituição e a PUC de Porto Alegre.”

Edgar Morin

“Lamento muito não estar presente à solenidade de Doutor honoris Causa concedido pela Universidade Paul Valéry a Juremir Machado da Silva; aprecio sua magnífica atividade educativa na Universidade em Porto Alegre, li seus importantes textos, nos quais integrou de modo original o trabalho de pensadores franceses, inclusive o meu. Juremir é um grande elo entre a cultura brasileira e a cultura francesa. Eu o parabenizo de todo o coração.”

Michel Houellebecq

“As relações intelectuais e, de modo mais geral, culturais entre a França e o Brasil provavelmente foram muito mais fortes no passado. Sem conhecer os detalhes da história, embora eu seja leitor de Auguste Comte, só posso ficar impressionado com o fato de o Brasil ser o único país do mundo a exibir em sua bandeira um lema, Ordem e progresso, traduzido diretamente de um filósofo francês.

As razões pelas quais estas relações se tornaram tensas também são desconhecidas para mim. O que sei, porém, é que Juremir Machado de Silva, entre todos os intelectuais brasileiros, é sem dúvida quem mais tem feito para renová-las.

Eu próprio fui um beneficiário dos seus esforços. No meu caso, ele chegou ao ponto de escrever um livro sobre a nossa viagem à Patagônia, que consegue a estranha proeza de ser encantador, engraçado e profundo ao mesmo tempo – ao passo que, se às vezes sou profundo, raramente sou engraçado, e encantador quase nunca.

Outros autores franceses foram introduzidos no Brasil graças ao seu trabalho obra e à sua atividade incessante. Às vezes é quase um pouco embaraçoso. Será que vale a pena dedicar tanta energia ao estado da nossa literatura para torná-la conhecida? Não sei, mas o que tenho certeza é que Juremir Machado de Silva, por todo o seu trabalho e ação, mereceu plenamente que uma universidade francesa lhe concedesse um doutorado honoris causa.”

Jean-Bruno Renard (Universidade Paul Valéry 3)

“Nossos encontros em Porto Alegre e Montpellier, sejam acadêmicos ou pessoais, são para mim momentos inesquecíveis de calorosa amizade, alegria e partilha cultural. Professor numa universidade dita “pontifícia”, Juremir tem sido para nós um verdadeiro pontífice, um “construtor de pontes”, entre o Brasil e a França. Muito obrigado por tudo isto e é com o maior prazer que o parabenizo por este merecido Doutorado Honoris Causa. Parabéns, bravo, caro colega!”

Patrick Tacussel (Universidade Paul Valéry)

“Durante minha longa aventura intelectual, que não se confunde com uma jornada e uma carreira universitária iniciada em 1980, há encontros selados em uma amizade impecável: minha relação com Juremir Machado da Silva é desta ordem. Para além das inegáveis ​​qualidades científicas pelas quais os seus trabalhos (livros, artigos, conferências) são hoje objeto de reconhecimento pela nossa universidade, gostaria de sublinhar o papel essencial que desempenhou durante várias décadas na introdução da originalidade da sociologia de Montpellier no Brasil, mesmo para além de sua instituição, e com reciprocidade não menos exigente, o panorama das ciências humanas e sociais, em particular dos estudos sobre comunicação, realizados em seu país com nossos colegas e estudantes. Mesmo que a sua modéstia tenha sofrido com isso, a sua liberdade de espírito concretizou-se sobretudo nas suas colunas no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, pelas quais pagou o preço após a ascensão de Jair Bolsonaro à presidência do Brasil. A nossa universidade homenageia um intelectual que ofereceu à França (penso nas inúmeras traduções de autores franceses, incluindo Houellebecq, entre outros) tudo o que tornou melhor a sua frequentação a todos aqueles que tiveram o privilégio de o conhecer. »

Gilles Lipovetsky

“Foi em 1997 que conheci Juremir Machado da Silva. Ainda não tínhamos Web: então foi muito “classicamente” por telefone que ele me contatou para me convidar a dar uma palestra em Porto Alegre, na sua universidade. O que aceitei imediatamente com o maior prazer.

Esse encontro foi o início de uma amizade que já dura 25 anos. Durante esses anos Juremir me convidou cinco ou seis vezes ou um pouco mais para ir a Porto Alegre ministrar seminários sobre moda, luxo, ética, individualismo. E fez a tradução de um dos meus livros: Metamorfoses da Cultura Liberal.

Neste dia em que se homenageia Juremir, gostaria de destacar três traços de sua personalidade que me marcam particularmente.

Em primeiro lugar, o profundo amor que ele tem pela cultura francesa: não só fez a sua tese de doutoramento em Paris, sob a orientação de Michel Maffesoli, mas também conheceu os pensadores franceses mais influentes em Paris, traduziu muitos ensaios e romances franceses, convidou muitos professores franceses e intelectuais ao Brasil, organizou conferências em parceria com universidades francesas.

Numa época em que a língua inglesa continua a ampliar a sua hegemonia, ele se mostrou o incansável defensor da importância e centralidade da França na vida das ideias. É um amigo fiel, sólido e inteligente da nossa cultura.

Depois, a sua abertura de espírito, os seus múltiplos interesses e a sua curiosidade intelectual, como evidenciam os seus numerosos ensaios sobre temas extremamente variados, bem como os seus romances. Mas também as suas crônicas diárias nos meios de comunicação social e na web. Juremir se interessa pela vida cotidiana e pelo seu imaginário em todas as suas formas. Homem de cultura e de comunicação, nada do presente lhe é indiferente, dos grandes acontecimentos cosmopolíticos aos “pequenos” fatos da vida social e mediática. Sociólogo e jornalista, busca compreender o mundo como ele é em todas as suas reviravoltas

Finalmente o seu humor. Longe de todo espírito dogmático, de seriedade pomposa, de toda arrogância, Juremir lança um olhar divertido e distanciado sobre as falhas dos homens e o curso das coisas. Para ele, pensar e rir não se opõem e, cada vez que nos encontramos, ele sabe combinar leveza e questionamentos intelectuais, piadas e análises críticas do mundo. Através deste humor sem ódio nem ressentimento, ele se mostra um intelectual e um professor de que o nosso tempo necessita ferozmente, num momento em que surgem novos sectarismos, novas formas de militância fanática e de radicalismo intolerante nas universidades e no corpo social.

O humor para ele é sinal de liberdade e de luta contra os processos de arregimentação ideológica. Obrigado, Juremir por nos oferecer sua liberdade intelectual, sua divertida amenidade, seu belo compromisso com a cultura em todas as suas formas.

E obrigado à Universidade de Montpellier que, ao conceder-lhe o título de Doutor Honoris Causa, reconhece o grande valor do seu trabalho e é fiel à sua tradição de liberdade de espírito.”

Dominique Wolton

“Conheço o professor Machado da Silva (Juremir) há muitos anos. Eu o encontrei durante minha primeira visita ao Brasil, há mais de 20 anos. Ele me convidou para dar palestras sobre o lugar da televisão e o papel dos jornalistas no espaço público, a comunicação política entre a ditadura e a democracia. Foi também por ocasião de uma das minhas primeiras traduções para português do livro “Elogio do grande público” e isso deu-nos a oportunidade de estabelecer uma longa colaboração para a revista Hermès.

As boas-vindas foram imediatamente calorosas e a compreensão intelectual, humana e humorística foi perfeita. Juremir é engraçado, pessimista, crítico, gentil e curioso. Ele é um excelente falante de francês, conhece muito bem as atribulações políticas e democráticas da América Latina e, claro, do Brasil. Aprendemos muito quando ele escreveu sobre Getúlio Vargas. Ele é um daqueles intelectuais que é muito bom professor; fez jornalismo sem nunca abandonar a missão de professor.

Eu o tenho visto muitas vezes em discussões amigáveis ​​e bem-humoradas com os seus alunos e gosto dessa atmosfera da América Latina onde relações professor-aluno são muito mais tranquilas do que na França.

Ele também gosta muito de literatura e de Houellebecq.  Interessa-se pela situação política na Europa e na França, o que é extremamente raro. Eu o vi resistir com muita coragem aos anos difíceis de Bolsonaro. Em suma, é um intelectual brilhante, extremamente modesto, cujo humor é uma das manifestações da sua inteligência. Estou muito feliz que uma universidade francesa (como a Universidade de Montpellier) lhe conceda este merecido título. Juremir está no centro de pesquisas sobre informação, política, cultura e comunicação. Minhas amizades…

Pierre Lévy

“Fico muito feliz em ter notícias tuas, especialmente quando são boas. Parabéns por esse merecido doutorado Honoris Causa. Tua extraordinária atividade de tradução e publicação deveria ser ainda mais reconhecida do que é hoje!

Atenciosamente do Canadá 🇨🇦”

Régis Debray

“Caro amigo, eu me alegro muito com essa homenagem.”

Moisés Lemos Martins

“Serás doutor Honoris Causa, em Montpellier. Tenho pena de não poder estar presente. O Philippe convidou-me em junho passado. Eu acabei por lhe agradecer o convite, mas lamento não poder estar presente.

É o começo do ano e eu dirijo, agora, uma Faculdade na Universidade Lusófona, no Porto. O ano letivo está a começar e aquilo dá-me água pela barba. Nada me daria mais alegria do que acompanhar-te nessa celebração de reconhecimento do teu valor académico.

É pena não poder estar presente, mas é a vida.”

Obrigado a todos.

 
*Jornalista. Escritor. Professor Univeristário.
Fonte:  https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/intelectuais-sobre-meu-doutorado-honoris-causa/?utm_source=Assinantes&utm_campaign=104aba9734-EMAIL_CAMPAIGN_2023_09_15_10_44_COPY_01&utm_medium=email&utm_term=0_-0f195c6712-%5BLIST_EMAIL_ID%5D&mc_cid=104aba9734&mc_eid=02eb3e5cec

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