Serão necessários gestores da complexidade capazes de habitar as
fronteiras entre os saberes, buscando oportunidades. Entrevista com Piero Dominici, Professor de Comunicação Pública e Atividades de Inteligência na Universidade degli Studi de Perugia, publicada por Morning Future, 16-02-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
O futuro será das "figuras híbridas", os "gerentes da complexidade",
de quem saberá "habitar o que hoje consideramos como os limites e
limitações entre os saberes".
Professor universitário e formador profissional, Piero Dominici ensina Comunicação Pública e Atividades de Inteligência na Universidade degli Studi de Perugia.
Há vinte anos está envolvido com as complexidades e a teoria dos
sistemas, com referência específica às organizações complexas e as
temáticas relativas à educação, inovação, cidadania, democracia e ética
pública. É Diretor Científico do Complexity Education Project, coordena
um blog sobre Nova em Il Sole 24 Ore, intitulado "Fora do Prisma".
Aqui estão os seus conselhos sobre o que os jovens deveriam esperar
das escolas, universidades e, em geral, das instituições de educação e
formação. Começando por aqueles que estudam ciências da comunicação.
Eis a entrevista.
O Fórum Econômico Mundial afirma isso há tempo, mas agora o
conceito tornou-se dominante: 65% das crianças que estão no primário,
"quando crescerem" estarão envolvidos em algum trabalho que hoje não só
não existe, mas que nem sequer podemos imaginar. Neste cenário, no qual
as competências e os conhecimentos rapidamente tornam-se obsoletos, o
que devem buscar os jovens para sua formação?
A reflexão básica é que os jovens deveriam primeiro encontrar, descobrir e viver suas paixões. Não dos seus interesses, mas realmente das suas paixões,
daquilo que aquece o coração, aquilo que quando você fica trabalhando
até tarde te faz sentir bem e quase não te causa cansaço. Devemos ter a
coragem de ir além da visão enganosa que nos impulsiona a sempre ter que
encontrar a utilidade em tudo o que fazemos, mesmo no que diz respeito
ao nosso crescimento e amadurecimento pessoal e intelectual. As paixões
precisam ser descobertas, estimuladas, suscitadas e afloradas com um
percurso educacional que deve começar nos primeiros anos escolares, que
saiba como vincular razão e imaginação, pensamento e emoções, muitas
vezes removidos dos trajetos educacionais e de formação. Tudo isso
implica naquela que é - em minha opinião - uma questão de crucial
importância, embora muito subestimada: redescobrir o valor da
autenticidade e voltar para uma educação da autenticidade. Podem parecer
dimensões desvinculadas com o tema do trabalho, mas é exatamente o oposto.
Por que este discurso pode parecer à primeira vista um tanto
genérico ou de valores, mas é crucial em relação ao tema do trabalho?
Porque nós somos pessoas, ou seja, sujeitos de relação antes que
trabalhadores, cidadãos e consumidores. Na base de todo o nosso
discurso, existe a necessidade urgente de recuperar as dimensões
(complexas) da complexidade educacional, na perspectiva sistêmica de uma
educação sócio-emocional. Sobre esse ponto, teríamos
muito a falar, inclusive sobre a ausência de uma "verdadeira" orientação
e de políticas de orientação, capazes de acompanhar os nossos jovens na
transição da escola para a universidade. Em segundo lugar, para dar uma
tradução operacional para o que foi dito, é necessário focar em
percursos de formação que sejam cada vez mais construídos e projetados
com uma ótica interdisciplinar e multidisciplinar, em condições de
deixar para trás as velhas lógicas de separação, como, por exemplo,
aquela bem conhecida entre as chamadas "duas culturas". Aquelas que hoje
são consideradas fronteiras e limites - entre os saberes, entre os
conhecimentos e as competências, entre a racionalidade e a criatividade -
devem tornar-se brechas, aberturas, percursos e oportunidades.
Precisamos cada vez mais de figuras híbridas, de perfis curriculares que possam manter juntas imaginação e racionalidade, criatividade e rigor metodológico, o humano e o tecnológico.
É a complexidade da mudança que está ocorrendo, a sua ambivalência,
velocidade e imprevisibilidade que nos mostra a inadequação de processos
educacionais e de formação atuais, mas também a inconsistência das
explicações reducionistas e dos tradicionais modelos interpretativos
lineares.
Para tanto como as escolas, universidades, instituições de ensino e formação deveriam mudar?
O discurso sobre os interesses, as paixões, que é capaz de emocionar e
estimular a criatividade comporta em repensar sobre os processos
educacionais e de formação, no sentido da redescoberta da construção
social da pessoa e não apenas do indivíduo. Isso teria repercussões
importantes sobre a existência dos jovens,
não só no aspecto de trabalho e profissional. Pelo contrário,
continuamos a alimentar aquelas que muitos anos atrás eu chamava de
"falsas dicotomias", inclusive aquela entre pensamento e emoção: sobre
elas continuamos a impostar a educação e a formação, baseando-as sobre
uma determinada ideia da racionalidade e da utilidade do saber. Hoje,
como nunca antes, é necessário recuperar as dimensões complexas da
complexidade educacional: a empatia, o pensamento crítico, uma visão
sistêmica dos fenômenos, a educação para a comunicação, além das
dimensões que temos deliberadamente removidos, como o imaginário e a
criatividade. Isso significa repensar o espaço relacional e de
comunicação dentro das instituições educacionais e de formação,
revitalizar a educação na perspectiva sistêmica de uma educação que só
pode ser sócio-emocional. O "grande equívoco" da educação na civilização hipertecnológica
é justamente aquele de pensar que sejam necessárias uma educação e uma
formação de natureza especificamente técnica e/ou tecnológica; isso é
exatamente o oposto do que temos e teremos desesperadamente necessidade.
Então, quais são os melhores percursos sobre os quais apostar?
Os melhores percursos (não ideais), como resultado, serão aqueles que
buscam uma interdisciplinar e multidisciplinaridade. Aqueles, em outras
palavras, mais adequados para preparar as pessoas para viver a
complexidade atual e futura, aqueles que irão formar, em todos os
níveis, mentes críticas elásticas, figuras híbridas,
abertas às contaminações entre os saberes e as competências. Figuras e
perfis sempre prontos para ver as fronteiras e os limites, seja qual for
a sua natureza, como uma oportunidade para crescer e experimentar.
Em seus estudos, você destaca que "na sociedade hiper
complexa não são mais suficientes o ‘saber’ ou o ‘saber fazer’:
precisamos ‘saber’, precisamos ‘saber fazer’, mas também precisamos
‘saber como comunicar o saber e saber comunicar o saber fazer’”. O
quanto é importante a comunicação nos novos paradigmas do trabalho?
E, acima de tudo, qual comunicação? A comunicação importa muito, é
quase banal dizer. A nova viralidade da comunicação, entre outras
coisas, é um dos elementos que determinou a passagem da complexidade
para a hipercomplexidade. A comunicação sempre foi estratégica para a
sobrevivência dos sistemas sociais e das organizações, mas hoje é ainda
mais porque a sua nova viralidade (que só em parte está relacionada com o
aspecto digital) trouxe para fora da "torre de marfim" os saberes, os
conhecimentos, as questões que antes eram de domínio exclusivo dos
cientistas, dos estudiosos e dos especialistas, destacando a importância
estratégica de questões relacionadas com a representação e a percepção
dos fenômenos. Temas de fundamental importância para a própria
manutenção das modernas democracias. O problema é não ter consciência da
importância da comunicação, o problema é reconhecer que a comunicação,
ou melhor, uma determinada ideia/concepção/visão de comunicação, deve
ser repensada e redefinida, tomando cuidado para não confundi-la com o
marketing e muito menos com a conexão.
Basicamente aqui, a comunicação é mais do que apenas uma técnica ...
A comunicação é um processo social complexo de compartilhamento de
conhecimentos, não só onde o conhecimento é equivalente a poder (questão
muito antiga), uma vez que a comunicação tem a ver com a criação de
vínculos de confiança, com o fortalecimento das conexões entre os
sistemas e os ecossistemas. Portanto, é importante estar ciente de que
os conhecimentos e as competências no campo da comunicação
não devem ser ligados exclusivamente com a habilidade técnica de
governar instrumentos de comunicação ou de conexão; o problema é tentar
governar a complexidade social e organizacional e, ao mesmo tempo,
aprender a comunicar as suas numerosas implicações. Isso requer uma
atenção especial à dimensão metodológica e àquela de cultura
organizacional. Em vez disso, existe o risco muito concreto de que a
nossa oferta de formação universitária, no que diz respeito ao papel do
comunicador, venha a coincidir substancialmente com a formação de um
vendedor ou um formador de opinião, mais ou menos oculto. O ponto
principal, em minha opinião, é que não se deve apenas formar para a comunicação, mas também educar para a comunicação.
Você falou acima de figuras híbridas como protagonistas do
próximo futuro. Também escreveu que "não podemos mais nos dar ao luxo de
formar apenas técnicos e isso justamente porque estamos em uma
civilização hipertecnológica": não é um paradoxo?
Não é apenas um paradoxo, é o "grande equívoco" da civilização
tecnológica. Precisamos formar cada vez mais "gestores da complexidade",
que é uma complexidade social, relacional, organizacional, uma
complexidade não passível de objetivação por nenhuma fórmula, capaz de
escapar a qualquer processo de redução. As organizações em que vão e
irão trabalhar os jovens, são sistemas sociais, nós precisamos
educá-los, formá-los e atualizá-los para isso, para viver essa
complexidade, que nunca é previsível até o fundo. Ao nível do discurso
público, em vez disso se continua a repetir que são necessários (apenas)
engenheiros, profissionais das ciências exatas, algumas figuras e não
outras; ainda se está pensando em termos de "duas culturas", sobre a
falsa dicotomia entre educação humanista e formação científica, algo inacreditável. Precisamos obrigatoriamente superar tais dicotomias.
Qual é o risco de permanecer presos no antigo dualismo entre cultura humanista e técnico-científica?
Continuar a pensar que, para essa civilização hipertecnológica, só
sirvam figuras muito preparados para "saber fazer", para "saber como
usar", no âmbito de uma dimensão altamente técnica e tecnológica,
responde a uma impostação míope que vai nos manter em um estado de
perene atraso cultural. Como eu sempre repito, continuaremos a nos
contar que a tecnologia é mais rápida que a cultura, como se a primeira
fosse algo externo à segunda. Repito: precisamos de figuras híbridas, de
gestores da complexidade (uso tal fórmula por conveniência e por
síntese), que saibam enxergar oportunidades no que hoje definimos e
reconhecemos como riscos, vulnerabilidades, variáveis de uma perigosa
desordem, capazes de tornar ainda mais instáveis e inseguros os sistemas
e a vida social. Para outros temas e questões muitas vezes se recorre à
metáfora das "pontes, não muros", uma metáfora que podemos empregar
também nesses contextos. É hora de facilitar a construção de pontes
entre os saberes, entre as competências, entre o natural e o artificial
(ultrapassando fronteiras), entre os saberes e a vida, entre o humano e o
tecnológico. Habitar a hipercomplexidade, não só saber
gerenciar/controlar as tecnologias, explorando todo o seu potencial: e
há muito mais.
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Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/576411-a-sociedade-hipertecnologica-nao-precisa-de-tecnicos-mas-de-hibridos 27/02/2018
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