José de Souza Martins*
O Brasil
tem hoje uma pressa econômica e tecnológica que não corresponde às
possibilidades e ao ritmo de incorporação das novas gerações ao mercado de
trabalho. Ao mesmo tempo, neste cinquentenário da rebelião dos jovens de classe
média, convém refletir sobre os episódios de 1968 nas universidades.
A retórica era anticapitalista, sem dúvida, alimentada, porém, pelas frustrações de inserção social num momento de modernização da economia, que, naquela época, como agora, estava voltada sobretudo para a redução dos custos do trabalho. Mudanças econômicas foram feitas para que mais gente trabalhasse pela mesma massa de salários. Agora é mais gente procurando trabalho do que trabalho procurando gente.
A retórica era anticapitalista, sem dúvida, alimentada, porém, pelas frustrações de inserção social num momento de modernização da economia, que, naquela época, como agora, estava voltada sobretudo para a redução dos custos do trabalho. Mudanças econômicas foram feitas para que mais gente trabalhasse pela mesma massa de salários. Agora é mais gente procurando trabalho do que trabalho procurando gente.
Não são
acidentes relacionados apenas com a cegueira e as orientações equivocadas deste
ou daquele governo nas políticas econômicas desgrudadas de políticas sociais.
Remendos como o Bolsa Família não emancipam as pessoas nem nelas fazem renascer
a esperança do pertencimento. Ao contrário.
São consequências da desativação interesseira dos mecanismos sociais de integração das novas gerações ao sistema econômico. Aos poucos, neste meio século, essas mudanças atingiram seriamente a mentalidade popular fundada na esperança de reconhecer em quem trabalha o legítimo direito de fazer parte da sociedade. Essa esperança vem sendo cada vez mais negada, aos jovens, sem dúvida, mas também aos que acima dos 50 anos de idade são mais alcançados pelo desemprego e pelas condições adversas de vida. Vivem mais que seus avós, porém sem a esperança que seus avós tiveram.
São consequências da desativação interesseira dos mecanismos sociais de integração das novas gerações ao sistema econômico. Aos poucos, neste meio século, essas mudanças atingiram seriamente a mentalidade popular fundada na esperança de reconhecer em quem trabalha o legítimo direito de fazer parte da sociedade. Essa esperança vem sendo cada vez mais negada, aos jovens, sem dúvida, mas também aos que acima dos 50 anos de idade são mais alcançados pelo desemprego e pelas condições adversas de vida. Vivem mais que seus avós, porém sem a esperança que seus avós tiveram.
Nesse
sentido, para compreensão do problema, pode ser útil rever sumariamente a
história das oportunidades de ascensão social no Brasil. O Brasil já teve, no
empresariado, inteligências capazes de conceber estratégias econômicas de
significativos efeitos sociais e mesmo políticos, como foi o caso de Antonio da
Silva Prado, entre o fim da escravatura e a Revolução de Outubro de 1930, e foi
o caso de Roberto Cochrane Simonsen, entre o fim da Revolução de 1932 e o período da redemocratização após a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945).
A
invenção e a viabilização de mecanismos sociais de integração na economia
sempre envolveram talento e criatividade econômica e social, competência para
mover-se no âmbito do socialmente possível. Não fosse essa criatividade o
Brasil teria afundado com a crise e o fim da escravidão. Teria se tornado uma
republiqueta.
Há quatro
gerações, a distância entre bisavós e seus filhos era abrandada por uma
lentidão correspondente ao tempo necessário para que um jovem de então chegasse
naturalmente a seus dias de maturidade, os da constituição de sua própria
família conjugal e ao início da procriação. Em geral, em situação melhor do que
a de seu pai. O filho progredia o suficiente para do pai se diferençar. Já seu
filho chegaria ao mesmo estágio em situação melhor do que a do pai e bem melhor
do que a do avô.
Os
bisnetos desses avós antigos, brasileiros de quarta geração, no Sudeste e no
Sul majoritariamente descendentes de imigrantes estrangeiros, não raro italianos,
espanhóis, alemães, japoneses, poloneses, russos, chegaram ao momento de sua
inserção autônoma na sociedade aí pelos anos 1950-1960. O intervalo entre cada
geração fora vivido com a paciência necessária à preparação para a etapa
seguinte da vida. Havia a certeza de que chegada a hora da maturidade, a
oportunidade estaria lá, o emprego do filho melhor que o do pai. Numa simples
reunião de família, três gerações podiam constatar os efeitos do esforço de
todos e de cada um. Hoje, numa reunião de família, felizes os que podem
constatar que continuam no mesmo lugar.
Até
então, cumprira-se o projeto histórico de Antonio da Silva Prado, o maior
fazendeiro de café do mundo e grande empresário - diretor da melhor ferrovia
brasileira, a Companhia Paulista, industrial, grande comerciante de exportação
de café, banqueiro. E político: foi o primeiro prefeito de São Paulo, o que
transformou a cidade de um povoado de casas de pau a pique numa cidade de
cimento e pedra e de padrão europeu.
Num
discurso célebre no Senado do Império, em 1888, foi ele quem definiu a fórmula
da ideologia da ascensão social pelo trabalho: se o trabalhador fosse
morigerado, sóbrio e laborioso, formaria pecúlio, poderia comprar, então, a
terra do seu trabalho, tornar-se proprietário e senhor dos frutos de seu labor.
Era a versão brasileira da ética capitalista do trabalho pois nela a
propriedade da terra e a renda fundiária tornam-se mediações não capitalistas
da consolidação da economia capitalista.
Os 13
milhões de desempregados mostram que o ciclo virtuoso da ascensão social pelo
trabalho está no fim.
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* José de Souza Martins é sociólogo. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de O Coração da Pauliceia Ainda Bate (Ed. Unesp/Imprensa Oficial).
Fonte: http://www.valor.com.br/cultura/5300807/ascensao-social-em-crise 02/02/2018
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* José de Souza Martins é sociólogo. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de O Coração da Pauliceia Ainda Bate (Ed. Unesp/Imprensa Oficial).
Fonte: http://www.valor.com.br/cultura/5300807/ascensao-social-em-crise 02/02/2018
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