Luiz Felipe Pondé*
Se você anda pela cidade e presta atenção nas
coisas, especialmente no movimento do mercado, e lê sobre isso,
perceberá três fenômenos, aparentemente sem relação uns com os outros,
mas que falam diretamente do futuro. Ao mesmo tempo que cresce o número
de pet shops, cai o de maternidades, no mesmo passo que sobe o número de
casas de repouso pra idosos. Qual a relação entre os três fenômenos?
O aumento de pet shops indica a opção de afeto que os mais jovens
estão fazendo: melhor cachorros do que filhos, estes duram muito e
custam muito mais caro. A falência das maternidades é fruto direto dessa
racionalização por parte dos casais mais jovens: ter filhos é um mau
negócio. Não ter filhos é índice de autonomia e emancipação, só mulher
sem "opção" teria filhos. O terceiro, por sua vez, aponta para o
envelhecimento da população, acompanhado pela solidão derivada da
atomização das famílias. Os idosos viverão muito, mas abandonados em
depósito para idosos.
O que fazer com esse efeito colateral da longevidade? O mercado, na
sua "infinita sabedoria", percebe que a tendência é a gradual
substituição dos vínculos afetivos por serviços que esses vínculos
garantiam no passado. Serviços que visam preencher o vácuo das famílias
serão um grande negócio no futuro.
É interessante perceber que ao lado da decisão de reduzir a quase
zero a reprodução humana, o grau de atenção neurótica sobre os poucos
rebentos que caminham sobre o mundo cresce. Coitados desses jovens que
viverão na condição de espécie em extinção. Pais que querem ganhar o
prêmio de mais divertidos, participativos e atenciosos beiram o ridículo
nos espaços de lazer para esses seres em extinção, as crianças. Os
pais, então, competindo com as mães, buscando o direito de serem
reconhecidos como portadores de um "útero social", são patéticos.
A proporção entre você ser um pai neuras ou uma mãe neuras e ter
"projetos" sobre a educação dos seus filhos é quase direta. Quanto mais
você tiver "certeza" que a escola deve formar seu filho para ser uma
pessoa melhor, pior será o grau de ansiedade dele ao virar adolescente.
Filhos, hoje, quando existem, são projetos narcísicos dos pais, que, no
fundo, prefeririam não tê-los.
De onde surgiu essa ideia idiota de que pais devem ser pais 24 horas
por dia? Neuróticos que usam câmeras de vídeo pra vigiar a respiração
dos rebentos a distância. Esse "excesso" de cuidado é sintoma do desejo
de que os filhos não existissem.
Há uma relação direta entre melhorar de vida e recusar a maternidade.
A vida sem filhos é mais segura, mais autônoma, mais barata. Quando
você decide que para você é melhor não ter filhos, e isso atinge impacto
estatístico, você não está consciente desse impacto. A relação entre
riqueza e não ter filhos é direta.
Há aquelas pessoas que agem assim simplesmente porque acham que tem
gente demais no mundo. Um argumento falsamente social, mas de teor
radicalmente individualista. Arriscaria dizer que quanto mais você se vê
como alguém que quer "salvar o mundo", maior a chance dessa intenção
estar assentada na mais pura natureza narcísica. A revolução moral
moderna (o egoísmo) condena a condição de pai e mãe a obstáculo contra
competitividade. O mundo corporativo diz que não, mas mente.
À medida que os filhos se tornarem mais raros, a condição de
precariedade psíquica deles se radicalizará. Como toda espécie em
extinção, o blábláblá sobre a importância deles crescerá à sombra da sua
inexistência real. Se já sabemos que os jovens hoje são mais ansiosos,
inseguros e incapazes de viverem vínculos afetivos consistentes, é
porque os efeitos colaterais da extinção já estão em curso. A ampliação
"oficial" da adolescência até os 24 anos de idade, determinada no Reino
Unido, indica a incapacidade do amadurecimento, agora já na forma da
lei.
Assim como especialistas em macacos em extinção, especialistas em
jovens serão profissionais que estudarão, ainda que negando, esse
processo inexorável. O futuro pertence a idosos solitários cheios de
aplicativos para divertimento em seus dias vazios.
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