domingo, 18 de fevereiro de 2018

Byung-Chul Han: Nós somos o ‘Big Brother’

Nós somos o ‘Big Brother’: o que Byung-Chul Han escreve sobre as redes sociais

Byung-Chul Han escreve sobre as redes sociais

Indignação digital não serve para nada, porque preferimos teclar em vez de agir

“Hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização.” Com esta frase o EL PAÍS intitulou sua reportagem sobre a conferência do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han em Barcelona. Não se trata de uma frase provocadora, pensada para chamar a atenção da plateia, e sim de uma ideia que se repete em seus livros.

Byung-Chul Han, radicado na Alemanha, já publicou uma dezena de títulos centrados na sociedade atual e nos efeitos da tecnologia. O último é Die Austreibung des Anderen (“a expulsão do diferente”). Todos eles são breves, densos, mas não difíceis, e com muitas ideias em comum.

Um dos temas que trata com frequência é o das redes sociais, com as quais é muito crítico. Quando fala desses assuntos, “Han não se interessa tanto pela análise das causas, e sim pela mudança que produziram em nossas vidas, com o que é muito fácil que o leitor se identifique imediatamente”, diz Manuel Cruz, catedrático de Filosofia e diretor da coleção Pensamento, da editoria Herder, que publicou os livros de Han em espanhol.

Assim, em A Sociedade da Transparência (editora Vozes), ele fala sobre a inclinação a nos expormos nas redes, um hábito que Han compara à pornografia e que é “contagioso e fictício”. Porque essa transparência na verdade é enganosa. Alinhado com a teoria do filtro-bolha de Eli Pariser, Han recorda que as redes só se dispõem a nos apresentar aquelas partes do mundo que nos agradam. Ou seja, essa interconexão digital, afinal, não facilita o contato com outros, pois serve apenas “para encontrar pessoas iguais e que pensam igual, nos fazendo passar longe dos desconhecidos e de quem é diferente de nós”, escreve em A Expulsão do Diferente. A consequência é que nosso horizonte de experiências “se torna cada vez mais estreito”.

Vigiamo-nos mutuamente

Outro efeito dessa exposição constante é que criamos um panóptico digital. Com seu panóptico, Jeremy Bentham propôs um modelo de prisão em que o vigilante sempre podia observar todos os detentos. Em sua versão digital, todos somos ao mesmo tempo vigilantes e vigiados: “O Grande Irmão digital transfere seu trabalho aos reclusos”.

As redes “geram um efeito de conformidade, como se cada um vigiasse o outro, e isso previamente a qualquer vigilância e controle por serviços secretos”, escreve em Psychopolitik (“psicopolítica”). Não necessitamos da Agência de Segurança Nacional dos EUA para procurar e expor tuítes alheios que nos pareçam inadequados e submetê-los ao que, na sua opinião, é o “autêntico fenômeno da comunicação digital”: os linchamentos.

A indignação sem discurso

Essa vigilância acaba gerando ondas de indignação que “são muito eficientes para mobilizar e aglutinar a atenção”. Mas que também são “muito incontroláveis, incalculáveis, instáveis, efêmeras e amorfas” para “configurar o discurso público”, escreve em Im Schwarm (“no enxame”).

Nesta mobilização não há comunicação real nem nenhuma identificação com a comunidade. Tampouco se desenvolve “nenhuma força poderosa de ação”. Gera muito ruído, mas nenhuma voz, nenhum público articulado. As multidões indignadas são fugazes e dispersas, “enxames de unidades simples”.

A indignação não dá em nada, porque “o novo homem tecla em vez de agir”. Somos consumidores e, perante a política ou os movimentos sociais, só reagimos de forma passiva. E, como se de qualquer serviço ou produto se tratasse, nos limitamos a resmungar e a nos queixar, sem ir além.

Uma sucessão de instantes

Compartilhamos todo tipo de informação nas redes: nossas opiniões, nossas fotos, nosso currículo… “Sem saber quem, nem o que, nem quando, nem em que lugar se sabe de nós”, recorda em Psicopolítica. Tudo o que publicamos é passível de ser empacotado e vendido em forma de dados. Ou seja, somos explorados não só durante o tempo de trabalho; o que cedemos é “toda a pessoa, a atenção total, inclusive a própria vida”. Fazemos isso, além do mais, de forma voluntária e gratuita.

O big data pode ser até pior que o big brother, pois não esquece nada. Qualquer erro ou indiscrição continuará aparecendo no Google daqui a décadas.

Talvez não pensemos no que ocorrerá dentro de décadas porque também mudou a forma de vivenciarmos o tempo. Não é que tenha se acelerado, como às vezes se diz, e sim que se trata de um tempo atomizado, no qual “todos os momentos são iguais entre si” e “destrói-se a experiência da continuidade”, explica em Ein Duft der Zeit (“um aroma do tempo”). Vivemos em um “choque do presente”, como apontava o ensaísta Douglas Rushkoff: nosso dia a dia se organiza em torno das notificações do celular, sem nos permitir nem um só momento vazio.

Nossos tuítes não narram “nenhuma história de vida, nenhuma biografia”. É só adição sem narração. O mesmo acontece com tudo o que acumulamos no Facebook: fotos, publicações, comentários... Essa memória digital se parece com um armário onde amontoamos tudo o que não usamos, nem jogamos fora. Ou seja, afinal de contas não somos capazes nem de esquecer nem de recordar.

Esses instantes não têm nenhum elemento em comum, “nenhum processo vital além da busca pela excitação contínua”, diz Cruz. E daí procede o ritmo nervoso que caracteriza a vida atual. Volta-se repetidamente a começar, zapeia-se entre as “opções vitais”. Temos pressa em passar de um presente a outro sem aprender com o vivido nem planejar o futuro. “Assim é como o indivíduo envelhece sem acumular idade”, escreve Han. E acrescenta, para concluir, “por isso a morte, hoje em dia, é mais difícil”.

Embora Han não seja muito otimista, ele oferece uma solução: a contemplação, o silêncio. Mas não se refere a distanciar-se do mundo nem recuar a uma sociedade pré-moderna, esclarece Cruz, “e sim parar para pensar, para olhar”, para assim poder refletir a respeito de nossas vidas e lhes dar esse sentido, essa narrativa que se corre o risco de perder. E, também, para evitar incorrer em erros, como quando confundimos a autoexploração com a realização pessoal, ou quando esquecemos que o trabalho é só um meio e não um fim em si mesmo.
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Fonte:  https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/09/cultura/1518186464_156425.html

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