Havia um sonho no início da internet: o sonho de
uma humanidade mais unida. Com mais facilidade de comunicação, pessoas
de lugares distantes interagiriam mais e derrubariam muros. Com um mar
de informações disponível a um clique, quaisquer discordâncias seriam
facilmente resolvidas. A tecnologia abria as portas para um mundo da
união universal pautada pela ciência.
Infelizmente, não foi o que
aconteceu. O contato entre pessoas distantes permitiu que aqueles que
pensam igual troquem mais figurinhas e articulem ações conjuntas. Ao
mesmo tempo, a abundância de informações permitiu que cada narrativa se
servisse de dados e exemplos para reforçá-la e aumentar seu poder de
persuasão junto a ouvintes indefesos.
Hoje, aquele sonho de internet (um espaço amplo, aberto e
descentralizado) se foi; vivemos no enorme condomínio fechado do
Facebook, que acelera a polarização.
No início dos anos 2000, alguns poucos aficionados por política e
cultura discutiam entre desconhecidos em fóruns online sob identidades
anônimas. Hoje, as coisas se misturaram: seu manifesto político na rede
te dá reputação (ou ódio) entre pessoas que te conhecem.
O
Facebook se apresenta como uma plataforma neutra, na qual o sucesso de
cada post depende apenas do interesse que ele gera nos usuários. Quanto
ao conteúdo ideológico (e excetuando uma política rígida de excluir
nudez e possíveis ofensas a algum grupo), ele realmente não faz nenhum
tipo de filtro ou controle do que é publicado.
Se mentiras
sensacionalistas capturam melhor a atenção dos leitores do que
reportagens ponderadas, o que se há de fazer? É a natureza humana. É uma
surpresa que o resultado dos megafones nas mãos dos indivíduos não seja
imparcialidade e profundidade, e sim barulho e tribalismo?
Para
quem se dispõe a ser protagonista da própria busca por conhecimento, a
internet foi uma das maiores dádivas da história. Entre jornais e
revistas do mundo todo, sites especializados, Wikipedia, blogs com
análise de alta qualidade (que jamais teriam espaço na mídia
tradicional), interlocutores inteligentes e proximidade com formadores
de opinião, a vida melhorou muito. Agora, para quem adota uma postura
passiva (infelizmente, a maioria), ficou mais fácil ser enganado e,
pior, aumentou a propensão a se fechar dentro de uma bolha ideológica.
Por
mais que seja neutra em sua proposta, a plataforma do Facebook, como
qualquer outra, pode ser manipulada. Foi o que a Rússia fez (via a
"Internet Research Agency", IRA, que serve aos interesses do governo
russo), com milhares de usuários falsos e a criação de páginas e posts
—compartilhados milhões de vezes— para desestabilizar o debate público americano em 2016.
As
páginas criadas pela IRA ocupavam ambos os extremos do espectro
ideológico: de ativismo negro a campanha anti-imigração de latinos. A
finalidade era sempre a mesma: aumentar o caos para enfraquecer o país
internamente.
Não está claro o tamanho da influência russa. Eu
acredito que o processo natural de interação nas redes já leve a esse
resultado, com a interferência de agentes externos sendo apenas um
acessório.
No Brasil, nada indica que o governo russo interfira
no debate público. Contudo, é curioso notar que, em sua luta sincera
pelo que acreditam ser o bem do Brasil, cidadãos convictos e grupos de
ativismo político se comportem exatamente da maneira que um inimigo
gostaria de incentivar para destruir a nação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário