O leitor sabe o quanto penso que vivemos num
mundo ridículo. Mas esse ridículo toca notas mais profundas em nós,
penso eu, do que um mero ridículo para risadas baratas. Notas sombrias.
Gosto de filmes e histórias de terror. Há algum tempo, vi um filme em
que uma mulher aceitava um emprego de babá. Babá de um boneco. Ao longo
da história, um namorado violento descobre o endereço da casa em que
ela trabalha e acaba por quebrar o boneco.
A partir dai, uma "versão" fantasmagórica do boneco, no tamanho de um
menino verdadeiro, surge para matar todo mundo. Resumo da ópera: o
boneco menino cumpria lá uma missão. A missão de conter o espírito
atormentado do verdadeiro menino.
A moda "reborn" é uma nova moda. A redundância aqui visa o ridículo.
Reborn são bonecos e bonecas (para respeitar os gêneros) que,
"hiper-realistas", muitas vezes, ocupam o lugar de crianças verdadeiras
para mulheres adultas (para meninas também, mas isso costumava ser
"normal").
Imagino que também, de repente, os outros 170 gêneros sexuais humanos
se sintam excluídos se eu não escrever que não só mulheres "têm o
direito de" serem mães de bonecos e bonecas reborn.
Coloquei o "têm o direito de" entre aspas porque a expressão hoje se
assemelha a "energia" ou "cabala" na sua desgraça semântica, ou seja,
expressões que, de tanto uso, perderam a dignidade semântica. "Ética" é a
próxima da fila.
Perder a dignidade semântica quer dizer que perderam qualquer
significado de fato. Tipo: você "tem o direito de" dizer "cabala" para
se referir a uma brisa sua de que você na vida passada foi uma bruxa
queimada porque era muito inteligente e gostosa, e homens opressores,
que detestam mulheres inteligentes e gostosas, queimaram você. E você
descobriu isso tudo numa terapia quântica.
Dado o exemplo, voltemos à realidade. "Direito" você tem até de se
declarar samambaia. Se você se sentir uma samambaia, eu acho que você
deve "ter o direito de" se declarar uma samambaia.
Samambaias felizes compõem o cenário do futuro humano "cyborg". Se
existirem samambaias competentes, logo bancos descolados as empregarão.
Coworkings também terão startups com samambaias empoderadas.
Voltemos ao termo "cyborg". Em 1985, Donna Haraway publicou "A
Manifesto for Cyborgs". Aqui o termo não significa unicamente os seres
robóticos dos filmes. "Cyborg", aqui, significa o rompimento de
fronteiras claras entre humanos e animais ou humanos e máquinas.
O "Manifesto" (adoro gente que escreve manifestos) visa refletir
sobre a dissolução das fronteiras ontológicas entre natural e artificial
ou a das fronteiras entre o que é gente e o que não é. A reflexão é
séria. Não vou entrar nela.
Interessa-me aqui o frisson presente na ideia de "manifesto". A
propósito, também existe o "Manifesto Coworking" (adoro gente que
escreve manifestos, desde o Comunista).
Proponho o "Reborn Manifesto". Defenderei que as pessoas "têm o
direito de" dar banhos em "reborn babies" e dar comida pra eles.
Comprar roupas em lojas descoladas que compram o frisson do meu
"Manifesto". Amá-los profundamente. Comprar remédios naturais para eles
porque a indústria farmacêutica quer nos transformar em seus escravos
viciados em drogas. Beijá-los. Sim, beijá-los. Por que não? Claro, não
na boca, porque mesmo o "Reborn Manifesto" não aceita pedofilia.
Levá-los à escola? Sim! Vejo logo os coletivos de mães reborn
perguntando: "Por que meus filhos, filhas e filhxs não têm o direito de
frequentar as escolas?". Mas não as escolas para crianças "especiais"!
Escolas para crianças "normais"! "Comuns"? Perco-me no que é "direito"
ou não escrever.
Então suas crianças reborn frequentarão as aulas, com os mesmos
"direitos" das outras crianças, e políticas contra o bullying de
crianças reborn serão criadas por especialistas em diversidade reborn.
Logo a discussão tocará o tema dos 171 gêneros sexuais humanos em
matéria reborn. Um "Transreborn Manifesto" será escrito. "Reborn
babies" terão cotas nas escolas!
Pergunto-me: qual é o fantasma que esses "reborn babies" escondem nessas "reborn mommies"?
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