Juremir Machado da Silva*
Adoto a tese de que a vida de uma pessoa nos tempos que correm
pode ser dividida em quatro quartos de 20 anos. Um modelo simples: até
os 20 anos, nascimento, crescimento e entrada na vida adulta. De 21 a 40
anos, vida adulta. De 41 a 60, começo do processo de envelhecimento. De
61 a 80 anos, velhice e morte. Alguns furam a fila e ficam pelo
caminho. Outros, agarram-se à vida e superam as metas.
Na média, fica por aí. A expectativa de vida chegando aos cem anos,
como parece se encaminhar, aparecem mais 20 anos para cada um
administrar.
Pela tabela vigente quem chegou aos 60 entrou no último quarto. Uma
luz acende. Não se trata de pânico nem de obsessão, mas de uma nova
realidade. Aos 20, a pessoa pensa em como será a sua profissão, ou qual,
quantos amores terá, quantos filhos, que grandes acontecimentos viverá e
que bifurcações encontrará pela estrada. Aos 40, se nada de
extraordinariamente ruim ou bom tiver ocorrido, o sujeito anda envolvido
com sua consolidação. Há quem chegue à presidência do seu país com essa
idade e há quem se sinta desorientado. Em geral, os trilhos enquadram
os vagões por essa etapa do percurso. Aos 60, aposentado ou contando
dias e anos para escapar das reformas que sempre despontam, é hora de
ajustar o foco e saltar.
Encontrei Josué. Ele fez 60 em 29 de janeiro de 2018. É do mesmo dia
que eu, com meus 56. Josué descansava à sombra de uma mangueira.
Conversamos. Ele sonha com um grande amor, quer abraçar uma nova
profissão, pretende viver mais 40 anos, sonha em viajar muito e especula
sobre as curvas que a sua vida poderá encontrar. Tudo para ele está em
aberto. Questiono que caminhos pretende trilhar. Ele pensa, sorri, coça a
cabeça, ri alto, diz “rapaz” e então responde:
– Penso até em ser presidente da República.
– Mesmo?
– A política é bom jogo para quem já se aposentou – diz.
– Por quê?
– Rapaz, vou te dizer com sinceridade: dá sensação de importância,
alguma coisa para fazer, certa utilidade social e mata o tempo.
– Ah, é isso?
– Como sou honesto, tenho algo para dar.
– Não corre perigo de também cair na vala comum?
– Não caí até agora.
– E se não der a presidência?
– Posso ser síndico do meu prédio ou porteiro de boate.
– Futuro garantido então?
– Tudo em aberto. Uma nova vida está começando.
Sorrio. Josué percebe o meu ceticismo.
Espero que ele reflita. Sei que vai me dizer alguma coisa. Ele não
tem pressa. Espera que eu compreenda por conta própria. Não me adianto.
Ele ainda matuta o que vai afirmar. Há uma aura de generosidade no seu
rosto luminoso e franco. Finalmente, com um sorriso suave, ele está para
pronto:
– Se pensar o amanhã com cabeça de ontem, rapaz, não passa de hoje.
Nada como estar vivo para ver uma escola de samba, a Paraíso do
Tuiuti, escrever a história na avenida e botar chope na água das
críticas políticas genéricas como as feitas pela Beija-Flor do sistema.
Viver é um grande desafio. Sempre tem surpresa.
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Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/02/10617/quatro-quartos-da-vida/
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