Lya Luft*
Esta vai ser mais uma coluna sem grande aprovação: os apaixonados por Carnaval vão torcer o nariz e passar adiante.
Não desgosto de Carnaval. Quando mocinha, fui a bailes de clube e
achava muito divertido, fantasia de holandesa, que combinava comigo, ou
de odalisca, que não tinha naaaada a ver.
Éramos adolescentes
meio inocentes do Interior, mas, estranhamente, todo mundo usava
lança-perfume, hoje condenado. As mães só recomendavam para não aspirar
direto nem cheirar lenço molhado com o produto, cujo cheiro aliás eu
adorava, lembrava alegria e descontração.
Não havia quase
Carnaval de rua, nada parecido com os blocos de hoje, as multidões
suadas e não muito vestidas, num aperto meio indigno de não haver onde
fazer xixi nem o resto, gente de porre vomitando é quase normal, peitos e
bundas oferecidos com generosidade absoluta.
Acho que éramos
cheios de manias naquele tempo. Carnaval era mais alegria do que
deboche. Talvez ainda fôssemos moralistas ou bobos.
Hoje me
entristece um pouco: não a alegria, a diversão, a catarse de um povo
explorado e sofrido, mas a capacidade meio desesperada de por vários
dias e noites esquecer a situação do país - que beira o dramático ou
trágico - pulando, requebrando, chacoalhando numa felicidade ímpar.
Por um breve tempo de ilusão, esquecem-se as contas atrasadas, a comida
cara, a condução desconfortável, o pagamento atrasado, o terror da
violência tão habitual, o temor de adoecer e não ter hospital nem
remédio.
Talvez esses dias de total alienação - estranha para
quem não participa - sejam um intervalo necessário e misericordioso num
país em tamanhas dificuldades. A imagem que fica é a de um povo rico,
saudável, despreocupado, bem empregado e feliz, não dando a menor bola
para os chatos que, como esta colunista, assistem com um vago espanto às
sucessivas e intermináveis (e incansáveis) ondas de corpos suados,
caras desfeitas, risos abertos e copos sempre cheios que por dias e dias
e dias e dias enchem ruas e avenidas numa alegria atroz.
Quem
sabe hoje escreve aqui uma bruxa nem tão boa, nem tão divertida, mas com
certeza um bocado preocupada e atenta ao que fazem conosco e com este
país que a gente ama.
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* Escritora. Tradutora. Colunista da ZH
Imagem da Internet
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=73619c7b11b447e069e92d80914bc329 17/02/2018
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