(Jay L. Clendenin/Los Angeles Times/Contour/Getty Images)
Autora de
livros barulhentos, colunista canadense diz que a única alternativa para
salvar o planeta é a adoção de uma espécie de anticapitalismo ecológico
Nos cinco livros que já
publicou, a jornalista canadense Naomi Klein, de 47 anos, faz críticas
ácidas ao capitalismo e, em especial, ao que julga ser o poder abusivo
das marcas, a cultura do consumo e os impactos socioambientais. Em seu
maior best-seller, Isso Muda Tudo: Capitalismo x Clima (2014),
traduzido para 25 idiomas, mas ainda inédito no Brasil, ela diz que o
neoliberalismo impede as reformas necessárias para conter o aquecimento
global. Já em sua última obra, Não Basta Dizer Não, que chegou
às livrarias americanas em junho e ao Brasil em novembro, pela Record,
Naomi argumenta que Donald Trump se apoiou em sua marca pessoal, calcada
no discurso do ódio, para se eleger presidente dos EUA. Como se vê, a
jornalista, que escreve para veículos como os americanos The Intercept e The New York Times,
não é de meias palavras. Mas, mesmo diante de cenários que considera
desencorajadores, ela sustenta que há esperança — implantando-se o que
poderia ser chamado de “ecossocialismo”, modelo econômico e político que
seria capaz de corrigir desigualdades e proteger o planeta. Por
telefone, Naomi concedeu a seguinte entrevista a VEJA.
Por que a senhora, em seu recente livro, afirma que dizer “não” é insuficiente para que se consiga mudar o cenário global? Quando comecei a escrever Não Basta Dizer Não,
estava confirmada a vitória de Donald Trump, por isso se formava um
quadro de oposição composto de uma faixa da sociedade. Porém, minha
preocupação — que após a eleição se provou justificada — era que uma
política puramente oposicionista a figuras e agendas perigosas seria
insuficiente para conter o surgimento da onda radical. Isso porque é
preciso apresentar também soluções para as muitas pessoas que estão
sofrendo — e que, mais que mera oposição, esperam propostas concretas
para melhorar sua vida. Esse foi o erro de Hillary Clinton. Na campanha
de 2016, ela levantou o “não” ao rival, sem inspirar os eleitores a
votar. Já Trump soube se vender. Friso que ele nem precisou conquistar
uma massa de pessoas para se eleger.
Como ele se elegeu então? Trump era
derrotável. Por isso, digo que foram os democratas que perderam, com
Hillary, ao adotar uma tática equivocada. A consequência é que 90
milhões de americanos nem foram às urnas, o que é um vexame. Poucos
eleitores democratas se propuseram a sair de casa para votar em Hillary,
pois não estavam animados com ela. Assim, o resultado foi mais uma
derrota de Hillary que uma vitória republicana.
Trump conseguirá governar com eficiência sem o apoio de tantos americanos? A
verdade é que ele não recebe o devido crédito. Sim, Trump ainda não
teve uma vitória arrebatadora no cargo, a não ser, talvez, a aprovação
do pacote de impostos que propôs, com incentivos monstruosos à indústria
da energia suja. Só que, além disso, ele tem agido em áreas nas quais
não precisa de aprovação no Congresso. Por exemplo, desregulou questões
ambientais fundamentais ao sair do Acordo de Paris (que determinou metas sustentáveis no âmbito da ONU)
e com a permissão da exploração de petróleo em novas áreas dos Estados
Unidos. Até o fim do mandato, Trump certamente causará mais estragos.
Nas eleições de 2018, o Brasil também deve contar com um
candidato da direita extremista, o deputado federal Jair Bolsonaro. Essa
é uma tendência global? É possível quebrar essa onda de
extremismo. Do ponto de vista político, o mundo está muito volátil. Os
cenários estão se transformando depressa na esquerda e na direita, e o
centro entrou em colapso. Isso não quer dizer que um candidato com
estilo similar ao de Trump vá necessariamente ganhar uma eleição no
Brasil, por exemplo. O certo é que a população não aceita mais o status quo.
Por isso, ainda aposto que uma esquerda equilibrada, com visão corajosa
e credibilidade, tem chance de ganhar eleições e tirar países, como os
Estados Unidos e o Brasil, da direção radical para a qual caminham hoje.
Há lições a ser aprendidas diante desse cenário? Sim, a
de que classes tradicionais, e incluo aí a imprensa, que acham que
sabem de tudo, que preveem tudo, estão errando em suas apostas. Existe o
problema persistente de subestimarmos figuras como Trump, justamente
por acharmos que falas extremistas como a dele nunca ganhariam uma
eleição. É nisso que reside a maior força desses políticos. Não podemos
subestimá-los, nem subestimar o poder de showman que eles têm — isso
porque, como o entretenimento em massa tem colonizado a humanidade,
tendemos a ficar obcecados pelas fórmulas propostas por esse tipo de
cultura.
Quais os limites do impacto do showman na política? O
showman, fenômeno típico da cultura pop e capitalista, quando aplicado à
política pode ser muito eficaz. O papel da mídia, nesse contexto, seria
resistir à tentação de ir para onde estão os cliques, a audiência
massificada. Pois foi exatamente o comportamento da busca por cliques
que deu a Trump uma vantagem brutal na eleição presidencial. Como
profissional de mídia que também sou, penso que é preciso criticar e
cobrar essas figuras.
A senhora acredita que esses personagens são ignorados pela crítica? O
problema é que a neoliberalização da maneira de pensar a política
acabou criando centenas de movimentos contrários aos extremistas — e,
muitas vezes, conflitantes — sem levantar uma bandeira única, com uma
causa específica. Há ONGs de reivindicações LGBT, outras focadas na
desigualdade econômica, outras que defendem o feminismo. Em vez de
trabalharem juntas, para fazer imperar um pensamento de aceitação, essas
organizações acabam disputando entre si os recursos e o reconhecimento
público para suas marcas. Assim, todas saem desgastadas. Vivemos um
momento no qual temos de compreender como todas essas demandas estão
conectadas. Quando entendermos que todas estão interligadas, que são uma
só, aí sim será possível realmente ganhar a atenção do outro, da
audiência.
Como promover essa conexão? Por meio da compreensão
de que vivemos todos no mesmo planeta, com as mesmas pessoas, e que
tanto a Terra quanto as pessoas estão sendo destruídas por um sistema
econômico e político. A mudança que precisa acontecer não é bem
política, e sim na maneira de pensar. É essencial implementar a ideia de
que ninguém é descartável, assim como nenhum lugar do planeta é
descartável. Isso, sim, iria diretamente contra o posicionamento de
extremistas como Trump, para quem o mundo é descartável. Aliás, é uma
posição que combina bem com sua caricatura, a de um sujeito que julgava
mulheres em concursos de beleza, tratando-as como pedaços de carne, e as
via nuas sem a permissão delas, como se fossem sua propriedade.
O que sustenta o discurso de ódio a minorias? Eu
diria que há campanhas concebidas deliberadamente para incentivar o
ódio. O racismo e o machismo só crescem porque são nutridos dessa forma.
Criou-se uma indústria, em grande medida apoiada pela mídia de direita,
baseada na noção de que é preciso dividir as pessoas, colocando-as
umas contra as outras. Por que essa estratégia? Porque a realidade é que
hoje os cidadãos querem uma mudança ampla, pois se mostram infelizes
com o status quo. Por outro lado, há uma elite global temerosa
que acha que é preciso direcionar o ódio aos mais vulneráveis antes que
ele chegue até ela. Para tanto, essa elite alimenta o ódio da população,
de maneira que as pessoas se voltem umas contra as outras, esquecendo
de criticar os privilegiados, que continuam com seus benefícios
exacerbados.
Não é uma análise excessivamente conspiratória e fatalista?
O fato é que nosso sistema econômico atual não consegue resolver
questões como a desigualdade social e a crise ambiental, resultante de
mudanças climáticas provocadas pelas ações humanas. Incluo nessa conta
não só os radicais como Trump, mas também políticos considerados
progressistas. O que estou dizendo vale tanto para a direita quanto para
a esquerda. Ninguém tem exibido políticas que realmente enfrentem esses
problemas. Isso ocorre porque estamos presos a uma lógica econômica que
impede investimentos, na esfera pública, capazes de viabilizar a
transição dos recursos fósseis para a energia limpa. A atual leva de
políticos não saberia nem por onde começar para promover uma real
transformação nesse sentido.
E por onde se deve começar? O sistema teria de
mudar tanto que deixaria de ser o capitalismo tal qual o conhecemos.
Penso num tipo de ecossocialismo. Ainda não há um bom exemplo disso, já
que a maioria dos governos socialistas que chegaram a existir foi
fundamentalmente extrativista. Só que temos alguns exemplos de
iniciativas locais que servem de inspiração. É o caso da Dinamarca, que
adotou uma política exemplar de energia renovável, taxando a indústria
dos combustíveis fósseis, a ponto de eles deixarem de ser
financeiramente viáveis, enquanto apoia os investimentos em alternativas
solares e eólicas. É desse tipo de coragem que o planeta está
precisando agora.
Isso não seria possível no capitalismo tal qual o conhecemos?
Quando se pensa em termos globais, não. Do ponto de vista social, por
exemplo, quando Trump prometeu mais empregos a americanos, na campanha
de 2016, a verdade é que ele não pensava em vagas qualificadas. Se fosse
assim, como iria competir com países como a China, que usa
trabalhadores em condições análogas à da escravidão para produzir os
bens de consumo? Do modo como está, nosso sistema protege essa lógica.
Já nas questões ambientais, não adianta só falarmos de metas globais se
não existem punições. Necessitamos de um sistema que permita penalidades
com aplicação mundial a quem não se adequar aos objetivos sustentáveis.
A corrupção é um fator relevante nesse campo? A
corrupção se tornou corporativa no atual modelo econômico. As regras
contra a corrupção foram se flexibilizando tanto que, no fim,
legalizou-se um caso como o do escândalo dos Paradise Papers, no qual
representantes da elite global foram flagrados colocando trilhões de
dólares em paraísos fiscais, e tudo dentro da lei. Atualmente está
legalizada a influência de corporações em governos. Afinal, Trump tem
como secretário de Estado o ex-CEO da petroleira Exxon. No nosso
sistema, nada disso é ilegal, justamente porque foi com medidas assim
que se formou a base na qual se desenvolveu o capitalismo.
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Publicado em VEJA de 21 de fevereiro de 2018, edição nº 2570 - Páginas Amarelas.
Fonte: https://veja.abril.com.br/revista-veja/saida-sustentavel/ - 16 fev 2018
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