sábado, 1 de junho de 2019

Amigos à parte

Lya Luft*

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"A amizade é um meio-amor sem o ônus do ciúme - bela vantagem".

De todas as relações que temos no mundo, na vida, ainda mais se for longa, possivelmente esta seja a mais essencial: a amizade.

Pois mesmo entre pais e filhos, e marido e mulher ou amantes, a amizade deve ser um traço de confiabilidade. Confio nele, nela, porque há entre nós, além de laços de sangue e amor, uma amizade que inclui respeito, entendimento, paciência, compreensão, alegria, bom humor. Amigo não tem ciúme, amigo não abandona, amigo não ofende conscientemente, amigo também procura não mentir ainda que doa, a não ser que a verdade fosse demais mortal.

- Que qualidade primeira a gente deve esperar de alguém com quem pretende um relacionamento? - perguntou o jovem jornalista, e respondi: aquelas que se esperaria no melhor amigo. O resto, é claro, seriam os ingredientes da paixão, que vão além da amizade. Pode ser um bom critério. Não digo de escolha - pois amor é instinto e intuição -, mas uma dessas opções mais profundas, arcaicas, que a gente faz até sem saber, para ser feliz ou para se destruir.

Eu não quereria como parceiro de vida quem não pudesse querer como amigo. E amigos fazem parte de meus alicerces emocionais: são um dos ganhos que a passagem do tempo me concedeu.

Falo daquela pessoa para quem posso telefonar não importa onde ela esteja, nem a hora do dia ou da madrugada, e dizer: "Estou mal, preciso de você". E ele ou ela estará comigo pegando um carro, um avião, correndo alguns quarteirões a pé, ou simplesmente ficando ao telefone o tempo necessário para que eu me recupere, me reencontre, me reaprume, não me mate, seja lá o que for.

Mais reservada do que expansiva num primeiro momento, mais para tímida, tive sempre muitos conhecidos e poucas - mas reais - amizades de verdade, dessas que formam, com a família, o chão sobre o qual a gente sabe que pode caminhar.

Falo de pessoas para as quais eu sou apenas eu, uma pessoa com manias e brincadeiras, eventuais tristezas, erros e acertos, os anos de chumbo e uma generosa parte de ganhos nesta vida. Não uma escritora conhecida: sou gente. Com uma dessas amizades posso fazer graça ou fazer fiasco, chorar, eventualmente dizer palavrão quando me irrito ou quando esmago o dedo na porta. (Ou sempre que me der vontade, aliás.)

A amizade é um meio-amor sem o ônus do ciúme - bela vantagem. Ser amigo é rir junto, é dar o ombro pra chorar, é poder criticar (com carinho, por favor), é poder apresentar novo amor ainda que meio esquisito, é poder até brigar e voltar um minuto depois, sem ter de dar explicação.
Quando mais uma vez o destino tirou de baixo de mim todos os tapetes e perdi o prumo, o rumo, o sentido de tudo, foram amigos, amigas - e meus filhos, jovens adultos já revelados amigos -, que seguraram as pontas - pontas ásperas aquelas.

Com amigos, sem grandes conversas nem palavras explícitas, aprendemos solidariedade, simplicidade, honestidade, e carinho. Com eles a gente pode simplesmente ser: que alívio, neste mundo complicado e desanimador, deslumbrante e terrível, fantástico e cansativo.
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* Escritora. Cronista. Tradutora.
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=e8f0589577396a5cf5e499e64e9b2700 
Imagem da Internet: Pintura lavoura da amizade 2 (2009) de Eduardo Lima
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