Breiller Pires*
O caso Neymar está longe do desfecho, mas, ainda que não haja um
veredicto das autoridades, atesta dois comportamentos risíveis de nosso
tempo. Primeiro, o cinismo de gente que sempre desdenhou de
reivindicações feministas e agora se diz preocupado com um possível
prejuízo à causa ao cravar de antemão que se trata de uma falsa denúncia
de estupro, desacreditando o relato da modelo Najila Trindade. Os que
sempre tacharam o jogador como farsa pelo histórico de simulações e
exibicionismo são os mesmos que hoje assinam procuração incondicional
para defendê-lo.
Porém, o distúrbio mais latente desse escândalo midiático é a
síndrome do homem adulto infantilizado. Mesmo acusado de um crime grave,
Neymar, do alto de seus 27 anos, é tratado como garoto não apenas por
familiares e amigos, mas também por uma parte da sociedade que julga
conveniente não cobrar responsabilidades de certa casta de cidadãos
privilegiados, seja por status social, econômico ou de gênero.
Logo na primeira aparição em desagravo ao filho, Neymar pai fez
questão de frisar que “ele caiu em uma armadilha”, em entrevista ao
programa de José Luiz Datena, na Band. Já o apresentador, que responde
na Justiça a uma acusação de assédio sexual contra ex-colega de
trabalho, usou as palavras “menino”, “jovenzinho” e “moleque” para se
referir ao jogador. Em uma das intervenções, novamente ignorou a
gravidade do caso para reproduzir um argumento tão arcaico quanto
enraizado:
“É difícil segurar uma molecada que tem sucesso, dinheiro,
fama e gosta de viver. Você vai falar com o moleque pra não sair com
mulheres? Não transar, não ir a festas? É difícil você segurar a
meninada dentro de casa”.
Jair Bolsonaro, o presidente que alçou seus três filhos à carreira
política e não hesita em superproteger seus “garotos” de mais de 30
anos, sustentados por altos salários e benesses dos cargos públicos que
ocupam, toda vez que eles metem os pés pelas mãos, engrossou o coro que
propaga a infantilização de Neymar. Além de visitá-lo num hospital de
Brasília após a lesão no amistoso contra o Catar, o chefe de Estado
disse que, pelo que viu até agora, “Neymar é inocente”, atribuindo
tamanha certeza à juventude e ao relacionamento pessoal que tem mantido
com sua família. “É um jovem garoto. Tenho filhos mais novos e mais
velhos que ele. Gosto do pai dele.”
Entretanto, ao mesmo tempo em que bajula homens-feitos, enquadrados
em seu conceito de bom moço, o presidente faz lobby para reduzir a
maioridade penal. Reafirma a crença difundida nos corredores do
Congresso na época de parlamentar por entender que “um indivíduo de 14
anos já sabe muito bem o que está fazendo”. Correligionários de seu
partido se aproveitaram da repercussão do caso Neymar para apresentar
projetos de lei que sugerem agravar a pena por denúncia falsa de crimes
sexuais, informalmente batizados de “Lei Neymar da Penha”. Não bastasse o
esforço dos deputados do PSL em contribuir para a desmoralização da
modelo que acusa o jogador, ainda brincam com a história de uma mulher
que ficou paraplégica após ter tomado um tiro do ex-marido, e que se
tornou símbolo do enfrentamento à violência doméstica e ao feminicídio
no Brasil após esperar doze anos para ver o crime reconhecido.
Punição para falsa denúncia de crime é tão importante quanto a
presunção de inocência, que deve ser assegurada enquanto o processo
contra Neymar não for concluído, e o respeito a denúncias feitas por
mulheres de agressões machistas. Quando o presidente da República e os
bajuladores de marmanjos ignoram esse princípio, o que se quer ao propor
o aumento de penas para calúnias envolvendo a dignidade sexual não é
resguardar um direito básico, mas sim desencorajar toda e qualquer
mulher que se sinta violentada por um homem.
Como agravante, o ambiente do futebol estimula comportamentos que, em
vez de formar atletas capazes de compreender a diversidade e valorizar a
figura feminina, faz com que eles cresçam aprendendo a tratá-la como
ameaça, sob o preconceituoso rótulo de “maria-chuteira”. Além disso,
qualquer jogador que demonstre algum talento fora da curva na infância
passa a receber tratamento diferenciado, visto como “diamante bruto”.
Ganham mimos, são extremamente protegidos por clubes, dirigentes e
empresários, mas, para se dedicar a uma carreira incerta, se veem
obrigados a abrir mão da infância e da adolescência, restringindo-se na
maioria das vezes a um convívio basicamente masculino.
Neymar surgiu nesse contexto. Em que a ideia de sacrificar a
juventude vale a pena pela fama e fortuna que chegam apenas para 1% dos
candidatos a jogador profissional. O que se tem aí é uma formação
incompleta, que, não raro, impõe aos atletas um doloroso processo de
adolescência tardia. Chegam à fase de amadurecimento e experiências que
já deveriam ter sido vividas por um jovem normal ricos, bem-sucedidos e
deslumbrados. Para usar a expressão da moda, expor essa realidade não
significa “passar pano” para Neymar. Mas é preciso urgentemente rever o
modo como jogadores têm sido formados — ou fabricados, já que o
tratamento recebido por eles remete a mercadorias de exportação.
O pior antídoto para lidar com atitudes infantis na fase adulta é o
paternalismo. Hoje, Neymar e seu genitor se tornaram figuras
indissociáveis. Sempre que o filho apronta, Neymar pai logo está de
prontidão para justificar e relativizar a conduta do “garoto”. Reforça o
tempo todo os estereótipos de mimado e imaturo que colaram no craque
desde sua primeira polêmica no Santos, quando se desentendeu com o
técnico Dorival Júnior. Como no episódio em que entrou no vestiário da
seleção para buscar o filho que havia se machucado em campo no estádio
Mané Garrincha.
Independentemente de ser culpado ou inocente na denúncia de estupro —
algo que só o tempo e a Justiça dirão —, Neymar representa uma geração
de homens que, de tão infantilizados pelos que os cercam, não conhecem
limites nem sabem lidar com obrigações e frustrações. Enquanto
insistirmos em normalizar licenças para a inconsequência, os garotos
seguirão convictos de que um puxão de orelhas e uma semana de castigo
resolvem qualquer problema.
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* Jornalista
Fonte: https://outraspalavras.net/outrasmidias/os-garotos-que-nao-querem-crescer/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=10_6_fiori_a_danacao_da_historia_e_a_disputa_pelo_futuro_morogueite_quando_o_sordido_jogo_politico_invade_os_tribunais_o_sinistro_lobby_sionista_seguranca_do_trabalhador_na_mira&utm_term=2019-06-10
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