Não
são apenas os devotos das seitas extremistas, à esquerda e à direita,
que limitam sua visão de mundo às mentiras, distorções e meias-verdades
cínicas que leem nas redes sociais. A histeria irresponsável parece ter
capturado também aqueles dos quais se esperam equilíbrio e sobriedade na
formação de opinião pública.
Quase
todos aparentemente estão se deixando pautar pela gritaria que tão bem
notabiliza essa forma de comunicação instantânea, que na prática
dispensa a reflexão. Nas redes, mesmo bem preparados formadores de
opinião vêm tomando como expressão da verdade tudo aquilo que para eles
faz sentido, sem se perguntarem se, afinal, aquilo que se informa é um
fato ou uma rematada mentira.
A verdade, portanto, vem perdendo
importância até para quem vive dela. Um exemplo é a imprensa, que não
raro repercute de maneira irrefletida os debates produzidos a partir de
informações distorcidas ou simplesmente falsas. É natural que, algumas
vezes, as publicações, no afã de registrar tudo o que pareça ter caráter
noticioso, acabem por dar guarida a versões dos fatos que, com o tempo,
se provam mentirosas.
O
que tem acontecido, porém, é que os fatos se tornaram quase
irreconhecíveis ante as certezas ideológicas alimentadas pela
acachapante onipresença das redes sociais na vida de quase todos os
brasileiros. Num cenário desses, todo aquele que ousar questionar as
convicções cristalizadas de parte a parte, mesmo munido de fatos
incontestáveis e de argumentos racionais – ou até por causa disso –,
será tratado como um ser exótico, uma espécie de rebelde deslocado no
mundo dos que, orgulhosamente, se julgam do “lado certo”.
Assim, a
influência das redes sociais, que é inegavelmente grande, tornou-se uma
explicação mágica para tudo – e para muita gente supostamente bem
pensante nada do que acontece fora delas parece ter valor. Baseando-se
mais em palpite do que em elementos concretos, muitos atribuem, por
exemplo, a surpreendente eleição do presidente Jair Bolsonaro ao seu
domínio dessas redes, nas quais teria construído sua candidatura muito
antes de a campanha começar. Também se creditam às redes sociais as
mobilizações contra o governo da presidente Dilma Rousseff, que acabaram
resultando em seu impeachment. Com toda essa suposta capacidade, quase
sobrenatural, de entronizar e decapitar reis, as redes sociais
tornaram-se uma espécie de fetiche dos formadores de opinião, que há
algum tempo veem nelas a grande arena onde se disputa o poder de
determinar o que é a verdade.
As redes sociais, até onde é
possível concluir, são o lugar onde narrativas se chocam não em busca do
esclarecimento, como acontece em sociedades maduras, mas para fazer
triunfar a mistificação que favoreça este ou aquele ponto de vista, e
onde o consenso só ocorre entre os que já estão de acordo entre si, por
razões ideológicas.
É claro que nada do que deriva desse ambiente
de franca hostilidade pode ser tomado como base para orientar políticas
públicas e muito menos para consolidar as opiniões a partir das quais a
sociedade se posiciona acerca dos grandes problemas nacionais. Ao
contrário, o debate nacional naturalmente descamba para o terreno da
ficção, quando não para o da mais vulgar briga de rua, na qual tem razão
aquele que termina a refrega em pé.
No livro O Jornalismo como
Gênero Literário, Alceu Amoroso Lima diz que o jornalismo, sempre que
“envenena a opinião pública, fanatiza-a ou a informa mal, está falhando à
sua finalidade”. O autor, que escreveu em 1958, decerto não imaginava a
revolução da comunicação digital que ora se atravessa, mas o princípio
ali exposto está mais atual do que nunca.
O jornalismo que se
deixa submeter à balbúrdia irracional das redes sociais não cumpre sua
função, que é a de dar aos cidadãos condições de refletir de maneira
efetiva sobre o mundo que os cerca e sobre os problemas que os afetam.
Ao contrário, os formadores de opinião que tomam como legítima e digna
de consideração a gritaria dos fanáticos, conferindo-lhe ares de
autenticidade, estimulam a consolidação do facciosismo que, no limite,
inviabiliza os consensos, sem os quais a democracia simplesmente não se
realiza.
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Editorial
Fonte: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,desinteligencia-generalizada,70002876154 17/06/2019
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