DIFICULDADES - Para Bolsonaro, a cadeira presidencial é “como se fosse criptonita
para o Super-Homem” (Cristiano Mariz/VEJA)
Bolsonaro fala dos erros e dos acertos do governo, de Fabrício Queiroz, de Olavo de Carvalho, de Lula e do dia em que teve o encontro com a morte
A entrevista com Jair Bolsonaro estava marcada para as 10
horas de quarta-feira. Às 10h15, um ajudante de ordens indicou o caminho
do gabinete, que fica no 3º andar do Palácio do Planalto. O presidente
explicou o motivo do atraso: meia hora antes, ele decidira ir ao
Congresso Nacional prestigiar uma homenagem que estava sendo feita ao
comediante Carlos Alberto de Nóbrega, apresentador do programa A Praça É Nossa,
de quem se diz fã. O problema é que ele não avisou ninguém com
antecedência. Assessores, cerimonial, equipe de segurança — todos foram
apanhados de surpresa. Acompanhado do general Augusto Heleno, chefe do
Gabinete de Segurança Institucional, o presidente atravessou a pé os
cerca de 100 metros que separam o Planalto do Congresso. De volta, fez
piada com a suposta dificuldade de Heleno, de 71 anos, em completar o
trajeto. “Ele está meio empenado, mas me garantiu que o problema é
apenas da cintura para cima”, disse, rindo. Formalidade não é a
principal virtude do presidente.
Por medida de segurança, a sala envidraçada do gabinete
agora permanece com as cortinas fechadas. É uma preocupação
compreensível. Cada um tem a sua. O ex-presidente Michel Temer, por
exemplo, evitava usar a mesa de trabalho. Dizia que não se sentia bem
quando sentava na cadeira, que irradiaria uma energia negativa, assim
como não se sentiu bem em morar no Palácio da Alvorada, onde, jurava,
ouvia barulhos estranhos durante a madrugada. Coisa de assombração,
segundo ele. No caso do atual presidente, as assombrações são outras.
Durante duas horas, Bolsonaro falou sobre reformas, desemprego,
reeleição, os filhos, o amigo enrolado Fabrício Queiroz, o guru Olavo de
Carvalho, trapalhadas de ministros, Lula, o PT, sabotagens, tuitadas e o
atentado que sofreu durante a campanha, tema que, ao ser invocado,
mudou completamente o ritmo da conversa, a fisionomia e o humor do
presidente.
Bolsonaro até hoje se emociona ao falar do ataque que sofreu. “Você
vê passar um filme na sua cabeça, vem uma imagem na sua cabeça… a minha
filha Laura, de 7 anos… ”. O presidente não conseguiu concluir a frase,
com a voz embargada, e chorou. “No primeiro momento, eu não vi que era
uma faca. Parecia um soco, uma bolada. Vi o rasgo e pensei que era uma
porrada, um soco inglês…”. Nova interrupção. O presidente respirou
fundo. Um assessor lhe entregou uma caixa de lenços de papel. Para ele, o
dia 6 de setembro de 2018, quando foi esfaqueado pelo garçom Adélio
Bispo de Oliveira, ainda não acabou. Bolsonaro tem duas certezas sobre
esse caso. A primeira: um milagre salvou sua vida. A segunda: há uma
enorme conspiração por trás do crime. A seguir, os principais trechos da
entrevista exclusiva do presidente a VEJA.
O senhor já se acostumou com a função de presidente da República?
Já consegui fazer aquilo que prometi durante a campanha, coisa que eu
desconheço que qualquer outro presidente tenha feito: indicar um
gabinete técnico, respeitar o Parlamento e cumprir o dispositivo
constitucional da independência dos Poderes. Agora, a pressão aqui é
muito grande, tem interesses dos mais variados possíveis, tem aquela
palavra mágica que a imprensa fala muito, governabilidade. Me acusam
muitas vezes de não ter governabilidade. Eu pergunto: o que é
governabilidade? Nós mudamos o jeito de conduzir os destinos do Brasil.
Hoje, cinco meses depois, eu sinto que a maioria dos parlamentares
entendeu o que está acontecendo. Muitos apoiam a pauta do governo. E
esse apoio está vindo por amor à pátria, por assim dizer. A gente não
pode continuar fazendo a política como era até pouco tempo atrás.
Estávamos no caminho da Venezuela. Respondendo a sua pergunta, já passei
noites sem dormir, já chorei pra caramba também.
Por quê? Angústia, né? Tá faltando o mínimo de
patriotismo para algumas pessoas que decidem o futuro do Brasil. O
pessoal não está entendendo para onde o Brasil está indo. Não preciso
dizer quem são essas pessoas. Elas estão aí. Imaginava que ia ser
difícil, mas não tão difícil assim. Essa cadeira aqui é como se fosse
criptonita para o Super-Homem. Mas é uma missão, entendo que Deus me
deu o milagre de estar vivo. Nenhum analista político consegue explicar
como eu cheguei aqui, mas cheguei e tenho de tocar esse barco.
“Esse cara aí viajava o Brasil todo, esse cara
aí tinha
um cartão de crédito, esse cara frequentou academia de tiro em Santa
Catarina, foi filiado ao PSOL até 2014.
É tudo muito suspeito”
Qual é a missão mais difícil? As propostas que você
quer apresentar e como elas podem ser interpretadas pelo Parlamento.
Veja a questão dos caminhoneiros. De vez em quando aparece aí o fantasma
da paralisação que mexeu com a economia do Brasil. O que a gente tem de
fazer para antecipar problemas? Por que não aumentar o limite na
carteira para 40, 50 pontos? Alguns vão criticar: “Pô, o cara aí quer
relaxar na questão do trânsito”. Mas eu fiz isso. Chamei o Tarcísio (de Freitas, ministro da Infraestrutura)
e disse “não quero mais saber de novos pardais”. Isso, às vezes, é mal
interpretado. Por outro lado, você vai ganhando a simpatia da população e
ela acaba entendendo que você quer fazer a coisa certa. No macro, é a
reforma da Previdência, que é a mãe das reformas, e depois a tributária,
que está para ser discutida.
O que o senhor realmente pensa sobre a reforma da Previdência?
A cabeça de um parlamentar era uma coisa, a cabeça de um presidente,
agora com acesso aos números, é outra. Na Câmara, muitas vezes você tem
uma informação de orelhada. Por isso, eu sempre fui contra a reforma da
Previdência. O que faz a gente mudar? A realidade. O Brasil será
ingovernável daqui a um, dois, três anos. Se a reforma da Previdência
não passar, o dólar pode disparar, a inflação vai bater à nossa porta
novamente e, do caos, vão florescer a demagogia, o populismo, quem sabe o
PT, como está acontecendo na Argentina, com a volta de Cristina
Kirchner. O Brasil não aguentaria outro ciclo assim.
Aprovada a reforma da Previdência, o que o senhor vislumbra na sequência?
Vamos partir para a reforma tributária e para as privatizações. Já dei
sinal verde para privatizar os Correios. A orientação é que a gente
explique por que é necessário privatizar. No caso dos Correios, o PT
destruiu a empresa. A bandalheira era tão grande que o fundo de pensão
dos funcionários, que hoje está quebrado, fez investimentos em papéis da
Venezuela. Com que interesse? Pelo amor de Deus! Então, temos de
mostrar à opinião pública que não tem outro caminho a não ser privatizar
os Correios. Será assim com outras estatais. Há muitos cabides de
emprego dentro do governo.
Presidente, para quando o senhor espera a diminuição do atual nível de desemprego?
O general Mourão acabou de chegar da China. Lá também tem desemprego.
Mas há uma diferença. Quando os chineses quiseram fazer a usina
hidrelétrica de Três Gargantas, só avisaram: “Olha, daqui a dois anos a
água vai subir, se vira”. No Brasil você não faz isso. Aqui, Belo Monte
está sendo construída há quase dez anos. E existe um outro problema. Uma
parte dos nossos milhões de desempregados não se encaixa mais no
mercado de trabalho, por falta de qualificação. Há também os
universitários que só têm diploma. Alguns acham que gastar mais dinheiro
é sinal de que está melhorando a educação. Tem país que gasta per capita menos que nós e tem uma educação muito melhor. A situação não está nada bacana. Essa é a realidade.
Mas o Ministério da Educação em seu governo será um exemplo de eficiência?
Errei no começo quando indiquei o Ricardo Vélez como ministro. Foi uma
indicação do Olavo de Carvalho? Foi, não vou negar. Ele teve interesse, é
boa pessoa. Depois liguei para ele: “Olavo, você conhecia o Vélez de
onde?”. “Ah, de publicações.” “Pô, Olavo, você namorou pela internet?”,
disse a ele. Depois, tive de dar uma radicalizada. Em conversas aqui com
os meus ministros, chegamos à conclusão de que era preciso trocar, não
se pode ter pena, e trocamos.
Qual é o nível de influência que o filósofo Olavo de Carvalho tem no governo?
Nenhum. O Olavo foi uma pessoa importante na minha campanha. Ele vinha
disseminando os ideais da direita havia muito tempo, uma visão que abriu
a cabeça de muita gente. Então, de alguma forma, ajudou na minha
eleição. Mas raramente eu converso com o Olavo. Ele tem a sua liberdade
de expressão, e ponto. Quantas vezes eu fui chamado de ladrão, safado,
sem-vergonha, homofóbico, racista. Eu fico quieto? Agora, se ele
responde às agressões de lá… O Olavo não faz por maldade. Ele, pela
idade talvez, quer as coisas resolvidas mais rápido. Talvez seja isso
aí.
“Ele foi uma pessoa importante na minha campanha. Vinha
disseminando os ideais da direita, uma visão que
abriu a cabeça de muita
gente. Mas raramente
converso com o Olavo”
A questão do Ministério da Educação está resolvida então?
Tive de escolher. Chegaram vários currículos aqui, de pessoas bacanas.
Mas aquilo é um campo minado, pessoas concursadas, militantes. Quando
vazou aquela história de que o MEC estava orientando a cantar o Hino Nacional,
a filmar os estudantes e tudo debaixo do slogan “Brasil acima de tudo,
Deus acima de todos”, eu cheguei: “Pô, Vélez, tem uma lei do Lula que
diz para cantar o Hino Nacional, conforme eu conversei contigo.
Por que colocar o slogan ‘Brasil acima de tudo’? Quem escreveu isso
lá?”. “É, foi o meu gabinete.” “Demita o cara, pelo amor de Deus.” Foi
para sabotar o ministro.
Há outros casos de sabotagem dentro do governo?
Claro. É uma luta pelo poder. Há sabotagem às vezes de onde você nem
imagina. No Ministério da Defesa, por exemplo, colocamos militares nos
postos de comando. Antes, o ministério estava aparelhado por civis.
Havia lá uma mulher em cargo de comando que era esposa do 02 do MST.
Tinha ex-deputada do PT, gente de esquerda… Pode isso? Mas o
aparelhamento mais forte é mesmo no Ministério da Educação. Eu não sou
contra você falar nas escolas, nas universidades sobre quem foi, por
exemplo, Che Guevara. Mas tem de falar também quem foi Brilhante Ustra (coronel do Exército apontado como torturador durante o governo militar), com verdades, e não com mentiras.
Como o senhor vê o papel da esquerda no Brasil? Há
poucas semanas teve o deputado petista Paulo Pimenta defendendo o
Maduro, discursando. Esse pessoal todo da esquerda defende o Maduro.
Será que nós queremos isso para o Brasil? Ou o cara está com o cérebro
corroído por alguma coisa ou é maluco. Não tem outra explicação. O que
eles pregam não deu certo em lugar nenhum do mundo e continuam
defendendo. No governo Lula foi criada uma dezena de estatais e no
governo Dilma elas foram ampliadas. Temos de ficar livres desse peso.
O presidente Lula, pelo Twitter, tem postado críticas ao senhor e a seus filhos.
Em 1986, quando eu fiz aquele artigo na revista VEJA em que defendi
aumento de salário para os militares, fui punido acertadamente pelo
ministro do Exército com quinze dias de prisão. Minha prisão não foi
dentro de uma cela, foi dentro do quartel. Porque eu não era uma pessoa
perigosa para estar trancafiado naquele local. E mesmo dentro do quartel
você sente. Imagine o Lula dentro de uma cela. O cara sente. Costumo
dizer muitas vezes: se você está comendo coisa não muito boa e passa a
comer uma coisa boa, legal. Mas, quando você está comendo bem e volta a
comer uma coisa ruim, você sente. Ele saiu de uma situação de líder para
a de um cara preso, condenado por corrupção. Apesar disso, não tenho
nenhuma compaixão em relação a ele. Ele estava trabalhando para roubar
também a nossa liberdade.
“Ele saiu de uma situação de líder para a de um cara
preso, condenado por corrupção. Apesar disso, não tenho nenhuma
compaixão por ele. Ele estava trabalhando para roubar
também a nossa
liberdade”
Muitos consideram o seu governo uma ameaça à democracia.
Os caras usam o período militar, o fato de eu ser capitão do Exército,
como se aquele período fosse um período de terror. Acho que na balança
houve muito mais coisa positiva do que negativa. Se não fossem os dois
choques do petróleo, o Brasil estaria muito melhor. Qual ditadura faz
uma campanha “Brasil, ame-o ou deixe-o”? Você imagina a Coreia do Norte e
Cuba fazendo isso daí? Não fica ninguém lá, pô! Então fale as coisas
ruins, tudo bem, mas fale as positivas também. Isso é democracia.
Como o senhor avalia a atuação da bancada do PSL, o seu partido?
É um partido que foi criado, na verdade, em março do ano passado e
buscava pessoas, num trabalho hercúleo no Brasil. Então nós fomos
pegando qualquer um: “Quebra o galho, vem você, cara, vamos embora”. E
tem muita gente que entrou e acabou se elegendo com a estratégia que eu
adotei na internet. Só para ter uma ideia, o Major Olimpio, que estava
em quarto em São Paulo, passou a ser o primeiro e se elegeu senador. Eu
falava: “Clica aqui. Vote em um desses colegas nossos”. Teve muita gente
que falou para mim: “Nossa, eu não esperava me eleger”. Por isso o
pessoal chegou aqui completamente inexperiente, alguns achando que vou
resolver o problema no peito e na raça. Não é assim.
Existe possibilidade de o senhor mudar de partido? Quando a gente se casa, a gente jura amor eterno. Está respondido?
Como o senhor vê o retorno de propostas de mudança de sistema de governo?
Vamos por partes. O Congresso quer participar do governo como
antigamente. Alguns pelo menos. Então sabe que a gente vai cumprir o que
prometeu durante a campanha. Agora todos os ministérios estão abertos
para o Congresso. Todo mundo é bem recebido e, havendo recurso e sendo
justo, a gente repassa. O parlamentarismo foi tentado duas vezes, se não
me engano. É preciso realizar um plebiscito. O povo, no meu entender,
não seria favorável.
Seria uma maneira de esvaziar o poder do presidente?
A luta pelo poder existe até dentro de casa. A minha mulher, por
exemplo, no passado só podia ir ao shopping na hora do jogo do Palmeiras
ou do Botafogo. E daí ela fala: “Você vê futebol todo fim de semana”.
“E você vê novela seis dias por semana e não reclamo.” Não é um
problema. É natural.
O seu comportamento pouco formal é alvo de críticas. O senhor não exagera?
Você deve estar falando do dia em que apareci com a camisa do
Palmeiras. Eu estava em recuperação. Tinha de usar roupa larga. A
matéria de vocês acabou sendo favorável. A camisa era falsificada mesmo.
Não vou falar de onde, mas, depois, chegaram três malas de camisas
oficiais do Palmeiras. Tem muitas camisas — todas originais. Não fiz
aquilo para aparecer. Foi maldade de vocês.
O senhor já recebeu alguma demanda não republicana?
Sim, mas é coisa raríssima. Uma ou duas vezes apareceu gente aqui
pedindo alguma coisa que a gente sabe que tem algo por trás. A gente
compõe, conversa, não cede, até porque, se você ceder uma vez, já era.
Aí você escancara a porteira. Compare os meus ministros com os do Temer,
da Dilma e do Lula. Quem você acha que tem o melhor ministério nos
últimos anos? A gente vai ganhar de todo mundo. Uma ou outra exceção,
talvez.
Qual a importância da comunicação via Twitter? Acho
que sou a pessoa que consegue atingir mais gente no mundo, tem mais
interações, mais engajamento. Foi meu filho Carlos que começou a fazer
isso daí — e foi muito importante no sucesso de nossa campanha.
O Carlos continua autorizado a postar na sua conta? O
Carlos tem muita impetuosidade, quer resolver as coisas muito
rapidamente. De vez em quando há um atrito entre mim e ele em função da
velocidade com que ele quer resolver as questões.
Na campanha, o senhor disse que seria implacável com a corrupção. E
sou. Mas não posso punir ninguém antes de a culpa ficar minimamente
demonstrada. Veja o caso do ministro Marcelo Álvaro Antônio, investigado
por irregularidades eleitorais. Eu tenho um compromisso com o Moro. Tem
de ter algo de concreto. Só em cima de denúncias fica complicado. Ele
nem é réu ainda, não foi denunciado. Deixa apurar um pouquinho mais. Meu
filho Flávio, por exemplo, é acusado de envolvimento com laranjas no
Rio de Janeiro. Cada candidato recebeu 2 800 reais do partido. Então não
vai falar em laranjal com essa importância de recursos. “E foi dinheiro
para quê?”, perguntei a ele. “Para poder pagar contador e as despesas
que os candidatos tiveram durante a campanha”, porque entraram na chapa
para compor. Depois, resolveram não fazer campanha. É um absurdo.
O Ministério Público pediu a quebra dos sigilos do Flávio. Isso o preocupa?
Lógico. Se alguém mexe com um filho teu, não interessa se ele está
certo ou está errado, você se preocupa. Eu estava em casa quando
estourou o primeiro momento no Jornal Nacional. Um milhão de
reais para pagar um apartamento, não sei o quê. Eu estava com meu filho
Eduardo em casa, e eu conversando com ele: “Vou falar com o Flávio,
perguntar o que é isso, o cara pegando dinheiro do Queiroz e pagando
apartamento de 1 milhão de reais”. Flávio pagou um título bancário de
1 milhão de reais à Caixa Econômica. Ele quitou um financiamento com o
banco depois de ter transferido os débitos que tinha com a construtora
para a Caixa. Os documentos estão registrados em cartório. Pô, o cara
era deputado, a esposa dele é dentista, tem uma renda, e a Caixa queria
comprar a dívida dele. Consequentemente, ele assume a dívida não mais
com a construtora, mas com a Caixa, pagando um pouquinho menos. Assim
foi feito. Ponto-final.
“Se alguém mexe com um filho teu, não interessa se ele
está certo ou está errado, você se preocupa. (… ) O Carlos tem muita
impetuosidade. De vez em quando há um atrito
aqui entre mim e ele em
função da velocidade
com que ele quer resolver as questões”
Mas houve denúncias de que ele fazia os depósitos picados na conta dele para esconder a origem do dinheiro. São
os tais 96 000 reais em depósitos de 2 000. Ele vendeu um apartamento,
recebeu em dinheiro e fez os depósitos na conta dele. Um relatório do
Coaf diz que, entre junho e julho de 2017, foram identificados 48
depósitos, de 2 000 reais cada um, na conta do Flávio. O valor de 2 000 é
o máximo permitido para depósitos em envelope no terminal de
autoatendimento da Assembleia Legislativa do Rio. Falaram que os
depósitos fracionados eram para fugir do Coaf. Dois mil reais é o limite
que você pode botar no envelope. O que tem de errado nisso? Aí vem o
Queiroz. Realmente tem dinheiro de funcionário na conta dele. O Coaf
disse que há movimentações financeiras suspeitas e incompatíveis com o
patrimônio do Queiroz. Mas quem tem de responder a isso é o Queiroz.
“Estou chateado porque teve os depósitos na conta dele,
ninguém sabia disso, e ele tem de explicar.
Eu conheço o Queiroz desde
1984. Foi meu
soldado na Brigada de Infantaria”
O senhor continua considerando o ex-policial Fabrício Queiroz como amigo?
Estou chateado porque houve depósitos na conta dele, ninguém sabia
disso, e ele tem de explicar isso daí. Eu conheço o Queiroz desde 1984.
Foi meu soldado, recruta, paraquedista na Brigada de Infantaria
Paraquedista. Ele era um policial bastante ativo, tinha alguns autos de
resistência, contou que estava enfrentando problemas na corporação.
Vocês sabem que esse pessoal de esquerda costuma transformar muito
rapidamente auto de resistência em execução. Aí começou a trabalhar
conosco. E você sabe que lá no Rio você precisa de segurança. Eu mesmo
já usei o Queiroz várias vezes. Teve um episódio dele com o meu filho em
Botafogo, um assalto na frente de casa, e o Queiroz, impetuoso, saiu
para pegar o cara. Então existe essa amizade comigo, sim. Pode ter coisa
errada? Pode, não estou dizendo que tem. Mas tem o superdimensionamento
porque sou eu, porque é meu filho. Ninguém mais do que eu quer a
solução desse caso o mais rápido possível.
Na campanha, o senhor se dizia contra a reeleição. O que mudou?
O que eu falei é que se a gente fizer uma boa reforma política eu topo
ir para o sacrifício e não disputar a reeleição. Porque um dos grandes
problemas do Brasil na política é a reeleição. O cara chega ao final do
primeiro mandato dele, ou ele quer continuar no poder, que lhe deu fama e
prestígio, ou ele quer continuar porque se o outro, o adversário,
assumir vai levantar os esqueletos que ele tem no armário. Existe isso
no Brasil. Então o meu caso é o seguinte: com uma boa reforma política,
que diminuiria o número de parlamentares de 500 para 400, entre outras
coisas mais, eu toparia entrar nesse bolo aí de não disputar a eleição.
Presidente, qual foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça quando o senhor recebeu a facada?
No primeiro momento eu não vi que era uma facada. Eu senti a batida.
Parecia que foi um soco ou uma bolada. E eu levantei a camisa e vi um
rasgo de uns três dedos. Falei pro meu assessor: “Fica tranquilo, foi
uma porrada, já vai passar”. E não sangrava. É lógico que não sangrava. O
sangue estava jorrando lá por dentro. Daí alguém teve a ideia de me
levar para a Santa Casa. Eu dei uma sorte terrível.
Quando percebeu que não era uma bolada? Vi o furo e
pensei que tinha sido rasgado com um soco inglês. Doía muito. Cheguei
consciente ao hospital, e me levaram para fazer uma radiografia. Lembro
que o médico falou: “Não faz nada, corta”. Não tinha tempo. O cara
começou a pegar a pulsação… E daí só lembro que senti uma tesoura
cortando. Quando acordei, me perguntaram: “Quer ir para onde?
Sírio-Libanês? Albert Einstein?”. Quando entrei no avião, não sabia
para onde estava indo. O médico perguntou: “Está doendo? Quer tomar um
analgésico?”. Eu falei: “Quero”. Dormi durante a viagem para São Paulo.
No aeroporto acordei, me levaram para um helicóptero e fui para o Albert
Einstein. Não teria sobrevivido se não tivessem me levado pra lá. Perdi
2 litros e meio de sangue. Mas, graças a Deus, sobrevivi. Foi um
milagre.
Como é ver a morte tão perto? Você vê a vida de
novo. Você vê passar um filme na cabeça desde quando você teve
consciência de que era um ser humano na Terra. (choro) Vem uma
imagem à sua cabeça. Eu vi minha filha Laura de 7 anos. Ela vai ficar
órfã? Eu morrer, vamos assim dizer, até faz parte da vida. Mas como é
que vai ser a vida dessa menina aí perdendo o pai tão cedo?
“Errei no começo quando indiquei o Vélez como ministro.
Foi uma indicação do Olavo de Carvalho?
Foi, não vou negar. Chegamos à
conclusão
de que era preciso trocar,
e trocamos”
O que o senhor achou da decisão da Justiça de considerar inimputável o seu agressor?
Esse cara aí viajava o Brasil todo, esse cara aí tinha um cartão de
crédito, esse cara frequentou academia de tiro em Santa Catarina, foi
filiado ao PSOL até 2014. Surpreendentemente, em 6 de setembro, dia do
crime, o nome dele apareceu no cadastro de visitantes do Congresso. Isso
ia ser usado como álibi, caso ele não tivesse sido preso em flagrante. É
tudo muito suspeito.
Continua convicto de que foi um crime encomendado?
Sim. Eu tenho poder sobre a Polícia Federal e posso dizer: “Bota aí 200
caras no caso e corre atrás”. Não estou fazendo nada disso. Estou
aguardando o Moro me informar. Não quero me vitimizar nem inventar um
culpado para o episódio, mas isso não saiu da cabeça dele.
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Reportagem Por Mauricio Lima e Policarpo Junior
31 maio 2019, 14h45 - Publicado em 31 maio 2019
Fonte: https://veja.abril.com.br/politica/nao-vou-resolver-na-raca/
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