Divido com os leitores do Sul21 esta entrevista que eu concedi à Carolina Veloso, estudante de literatura da UFSC que prepara artigo sobre o blog A Voz Pública da Poesia, um espaço para a poesia política em tempos de desamor ao debate de ideias.
Carolina Veloso – Como surgiu a ideia de criar um blog de poesia independente?
Ronald Augusto – Não é um blog de poesia
independente. É um blog cuja pretensão é apostar na poesia política. Um
espaço para o exercício de uma dimensão do fazer poético que não teme a
imersão radical e crítica no presente nem a parcialidade de situar-se em
termos históricos e políticos. Nos últimos cinco anos a vida
político-social brasileira deu uma guinada desconcertante para a direita
mais absurda possível, isto é, aquela que, ao mesmo tempo, consegue ser
burra e violenta. Quando isso começou a tomar forma (digamos que do
impeachment de Dilma pra cá) comecei a perceber que muitos poetas se
mostravam soberanamente indiferentes aos sinais do que iniciava a
surgir, era como se usassem luvas de pelica; seguiam fazendo seus poemas
tão inofensivos quanto poeticamente corretos. Então, numa tarde de
domingo, em conversa com amigos, falei sobre a minha indisposição com
esses poetas isentões, fleumáticos diante do estado de coisas em que
estávamos e estamos mergulhados; aventei a possibilidade de fazer algo,
tamanha era a minha indignação. No mesmo dia, já no fim da tarde, criei a
página no FB. Na manhã seguinte nasceu o blog.
CV – Como funciona a organização do blog e a seleção dos colaboradores/poesias?
RA – Comecei convidando poetas que também
experimentavam a mesma inquietação, a mesma disposição em promover uma
narrativa poética coletiva que fosse capaz de denunciar o clima
autoritário e reaça que estava a surgir. Depois um poeta foi indicando
outro e mais outro e a coisa começou a andar meio que por conta própria.
No início havia poucas poetas, então convidei a Adriane Garcia pra
fazer um chamamento às mulheres, isso também ampliou a diversidade. O
critério que eu procuro seguir para a escolha dos poemas envolve
conciliar o gesto poético inventivo e a contundência mais crua possível
em relação ao enfrentamento político. A salvaguarda superciliosa da
“qualidade literária” não me interessa; o blog se inclina mais para o hard do que para o soft
da poesia. Para quem não conhece a linha do blog adianto que os poemas
devem ser de luta contra a onda reacionária (racismo, machismo,
homofobia, transfobia, fanatismo religioso etc) e contra o governo
Bolsonaro que, afinal de contas, sintetiza tudo isso. Quando topo com um
poema porreta nas redes sociais (os poetas publicam muito aí) eu chego e
pergunto se posso levar para o blog. Muitas vezes nem conheço bem o
poeta ou a poeta, o que vale é o poema realizar aquela combinação da
qual falei linhas acima. Às vezes os poetas me enviam algo que vai ao
encontro da nossa linha editorial. Já recusei bons poemas não-políticos
de amigos. Não abro mão do critério combativo que pensei para o blog.
CV – Os poetas são convidados ou não há ligação entre o editor e os poetas?
RA – Como dá pra ver pela resposta acima é uma
combinação das duas alternativas. O que mais me agrada é quando publico
poetas que não são meus amigos, ou seja, que ainda não conheço muito
bem.
CV – As redes sociais aparecem atualmente como um meio
alternativo para os artistas independentes. Nesse sentido, você
considera as redes sociais enquanto um importante veículo e ferramenta
para a literatura contemporânea? Principalmente, no que diz respeito as
editores independentes que vão contra a corrente mercadológica das
editoras “oficiais”?
RA – Acho que sim, as redes sociais, blogs, todos
esses dispositivos virtuais, são fundamentais para as atividades e
reflexões tanto de poetas e escritores em busca de afirmação, como de
escritores já entronizados. O mesmo vale para as grandes e pequenas
editoras em suas relações comerciais e também no contato com os
leitores. As grandezas nas formas de investimento são, obviamente, bem
diferentes, mas todas editoras, “oficiais” ou não, precisam beber dessa
água.
CV – Quem é o leitor do blog? Tem alguma ideia sobre a
receptividade e alcance do blog? Já foi realizada alguma pesquisa sobre
esses dados? Ou você recebe retorno dos leitores?
RA – É o leitor que gosta de poesia. O leitor que
aprecia a diversidade de vozes. O leitor-cidadão que não transige com
nenhuma forma de autoritarismo. Não faço um acompanhamento profissional
do alcance do blog. Dou uma olhada nas estatísticas e constato que as
visualizações são regulares e com bom número de leitores. Como são
muitos os poetas publicados, o blog está ficando conhecido em várias
regiões do Brasil e também no exterior. A professora Regina Dalcastagnè
(UnB) tem se revelado uma grande entusiasta e divulgadora do blog.
CV – Você considera o blog como uma ferramenta de resistência literária?
RA – É apenas mais uma ferramenta, um veículo, um suporte expressivo adequado às condições do nosso tempo.
CV – O que te motiva a dar continuidade a esse trabalho?
RA – Desafortunadamente, o governo Bolsonaro.
Enquanto a direita obtusa, de caso pensado com o fascismo, estiver dando
as cartas com o suporte do ultraliberalismo, A Voz Pública da Poesia continuará sendo ouvida.
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(*) Ronald Augusto é poeta e ensaísta. Formado
em Filosofia pela UFRGS. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro
(1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões
Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de Costas (2012),
Oliveira Silveira: poesia reunida (2012), Decupagens Assim (2012),
Empresto do Visitante (2013) e À Ipásia que o espera (2016). Dá
expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com e é colunista do portal de notícias Sul21: http://www.sul21.com.br/editoria/colunas/ronald-augusto/
Fonte: https://www.sul21.com.br/colunas/ronald-augusto/2019/06/ouvir-a-voz-publica-da-poesia/
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