"Saúde
e paz, saúde e paz." O arcebispo de Belo Horizonte vai repetindo
lentamente os votos aos seminaristas e padres que param para cumprimentá-lo.
Alguns o abraçam. Outros, os mais jovens, beijam sua mão. Dom Walmor Oliveira
de Azevedo acaba de chegar ao novo seminário Convivium Emaús, erguido há pouco
mais de um ano em um bairro de casas modestas na capital de Minas Gerais. Foi
ele mesmo quem desenhou o prédio, os jardins e até a posição do campanário com
três sinos de bronze e a cruz estilizada ao alto. Uma arquiteta contratada deu
depois contornos profissionais ao projeto.
Não era aqui onde o arcebispo e recém-eleito presidente da instituição que congrega os bispos da Igreja Católica no país, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), queria ser entrevistado para este "À Mesa com o Valor". Sua primeira opção havia sido almoçar no Santuário Nossa Senhora da Piedade, na Serra da Piedade, na cidade de Caeté, região metropolitana. O santuário fica a 1.746m de altura. É um lugar de peregrinação de fiéis, significativo para dom Walmor. Recentemente, ele criticou integrantes de um dos órgãos ambientais de Minas por terem concedido licenças para que uma mineradora, a AVG, pudesse explorar minério de ferro na serra.
Não era aqui onde o arcebispo e recém-eleito presidente da instituição que congrega os bispos da Igreja Católica no país, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), queria ser entrevistado para este "À Mesa com o Valor". Sua primeira opção havia sido almoçar no Santuário Nossa Senhora da Piedade, na Serra da Piedade, na cidade de Caeté, região metropolitana. O santuário fica a 1.746m de altura. É um lugar de peregrinação de fiéis, significativo para dom Walmor. Recentemente, ele criticou integrantes de um dos órgãos ambientais de Minas por terem concedido licenças para que uma mineradora, a AVG, pudesse explorar minério de ferro na serra.
"Não
é possível que as sucessivas e recentes tragédias ocorridas em Minas Gerais
sejam ignoradas a ponto de se correr o risco de repeti-las", diz o
arcebispo no vídeo de 4,34 minutos postado nas redes sociais. Na gravação, ele
classifica a decisão de "lamentável, pouco lúcida". E acrescenta:
"A única coisa evidente é o interesse pelo dinheiro, a ganância pelo
dinheiro, a idolatria do lucro". João Pedro Stédile, do MST, foi um dos
que retuitaram o vídeo. Margarida Salomão, deputada federal pelo PT de Minas,
também.
Por
praticidade, o religioso acabou remarcando a entrevista para o seminário de
Belo Horizonte, poucas semanas após sua eleição para a CNBB. Assim que seu nome
foi anunciado, jornalistas questionaram se ele é de esquerda ou de direita. Mas
o arcebispo de Belo Horizonte rejeita enquadramentos ideológicos. Seus amigos
preferem classificá-lo como um homem de centro.
O novo
presidente da CNBB veste calça e paletó pretos, camisa branca com gola de padre
e um grande crucifixo prateado no peito, chamada de cruz de peito. Os sapatos
também são pretos e lustrosos. Depois dos primeiros cumprimentos, chega ao
refeitório do seminário e entra na fila para se servir no bufê de aço inox. Uma
plaquinha na entrada indica o nome do lugar: Espaço de Convivência Bodas de
Caná.
Ele faz
um prato com salada de folhas e tomate cereja, farofa, batata doce assada e
lombo de porco. Acompanhados pela assessora da arquidiocese , Ana Maria Rezende
Miranda, sentamos a uma mesa perto de uma grande janela com vista para o
jardim. São 12h40 de uma sexta-feira de maio. Quase todas as outras mesas estão
ocupadas. É um salão não muito grande com mesas com tampo de fórmica branca e
cadeiras anatômicas de plástico cinza. Um crucifixo e uma imagem de Nossa
Senhora da Piedade decoram uma das paredes - que são pintadas até meia altura
de marrom e o resto de branco.
"Minha posição é pelo caminho do respeito. Armas são instrumentos
usados dentro da legalidade
e da racionalidade pela segurança pública",
diz dom Walmor
Antes da primeira garfada, dom Walmor faz o sinal da cruz. Conta que retornou
há pouco de Tegucigalpa, Honduras, onde participou da 37ª assembleia do
Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam). O arcebispo comenta que há uma
preocupação em comum dos bispos latino-americanos com quem havia se encontrado.
"A importância de fortalecer o caminho que neste momento o papa Francisco
indica para a igreja", diz ele, com sua voz grave. "Uma igreja mais
próxima, que possa de fato ajudar o mundo a se abrir mais para o amor de
Deus."
Escolhido papa em março de 2013, o jesuíta argentino Jorge Mario Bergoglio costuma ser visto como um pontífice de mudanças e de abertura. Tem provocado críticas entre clérigos católicos conservadores e ultraconservadores por suas posições e declarações. A mais recente demonstração de descontentamento dessa ala veio a público há algumas semanas, em um texto assinado por um grupo de 19 padres e acadêmicos que pedem aos bispos que acusem o papa de heresia.
Escolhido papa em março de 2013, o jesuíta argentino Jorge Mario Bergoglio costuma ser visto como um pontífice de mudanças e de abertura. Tem provocado críticas entre clérigos católicos conservadores e ultraconservadores por suas posições e declarações. A mais recente demonstração de descontentamento dessa ala veio a público há algumas semanas, em um texto assinado por um grupo de 19 padres e acadêmicos que pedem aos bispos que acusem o papa de heresia.
Algumas
das razões mencionadas na carta são a postura de Francisco, que os
ultraconservadores consideram leniente com os homossexuais e muito aberta aos
divorciados. Outra crítica diz respeito aos gestos de diálogo e de acomodação
do papa em direção aos protestantes e aos muçulmanos. No ano passado, em outra
mostra dos acirramentos no interior da igreja, o ex-embaixador do Vaticano em
Washington, o arcebispo Carlo Maria Vigano, defendeu que Francisco renunciasse.
Dom
Walmor parece não querer dar asa a essa polêmica. Observa que, de modo geral, a
igreja não tem dificuldades de abraçar temas que são da sociedade, "do
mundo em que nós estamos vivendo". "A igreja entra no coração da
sociedade sabendo da pluralidade dos desafios, mas sempre muito convicta dos
valores e da moralidade inegociáveis."
Uma
mulher vem da cozinha sorridente e coloca uma jarra sobre a mesa:
"Suquinho de limão", anuncia. Ele retoma seu raciocínio e diz que a
corrupção é um desses valores inegociáveis. "Um dos pontos que atingem de
modo muito forte a nossa sociedade à luz da doutrina social da igreja é a
importância de sermos uma sociedade mais justa e solidária, portanto, na
contramão de todo tipo de corrupção", diz. Para ele, esse é um desafio que
atinge e prejudica o conjunto da sociedade. "A corrupção, como nós temos
acompanhado. Esse é um ponto para a igreja inegociável. Nós temos que ser
honestos, justos e solidários."
Formulada
nos anos 60, a doutrina social da igreja não tem cor ideológica, segundo dom
Walmor, embora no Brasil e na América Latina ela tenha sido entendida no
passado como irmã do ideário de esquerda. "A doutrina social da igreja é
uma riqueza que ultrapassa qualquer tipo de ideologia de esquerda, de direita
ou de centro."
Enquanto
ele fala, com a comida ainda mal tocada no prato, três padres mais velhos se
aproximam. Um deles, bem-humorado, tenta interrompê-lo, mas dom Walmor não
permite e diz em cima para se fazer ouvir: "Estamos falando aqui de
doutrina social da igreja, estamos falando de doutrina social da igreja, que é
algo fundamental para a nossa sociedade encontrar mais equilíbrio."
O padre,
então, muda o tom e diz, seriamente, antes de se retirar, com qual papa e em
qual encíclica a doutrina social tomou forma, em 1961: "João XXIII, Mater
et Magistra". Além de seminário, o Convivium também serve de casa para
padres idosos que já não atuam mais regularmente em nenhuma paróquia e que não
têm onde morar. Aqui dividem espaço com os estudantes.
Nascido
na cidade baiana de Côcos, em 1954, dom Walmor conta que sentiu vontade de ser
padre pela primeira vez aos 8 anos de idade. "Aos 11 anos, ingressei no
seminário, chamado naquele tempo de seminário menor. Era um caminho não muito
natural. Na minha cidade não tinha padre residente. Também não era um caminho
natural porque não tínhamos outros jovens que estivessem no seminário."
Não houve nenhum momento especial de revelação, de chamamento, diz. "Tudo
muito normal, tudo muito natural. Mas algo que me tocava era o desejo de ser
padre nessa perspectiva de querer repartir a palavra de Deus."
O
arcebispo fala e come lentamente. Um pedaço de lombo misturado com farofa.
Depois um pouco de salada e batata. A mesa é básica: não há toalhas ou
guardanapos. Os talheres ficam pousados no prato enquanto ele conversa. Neste
momento da entrevista, há um zum-zum-zum de conversas e tilintar dos talheres
nas mesas ao redor.
Da Bahia, o então jovem Walmor seguiu para estudar nas universidades de São João Del-Rey e de Juiz de Fora, ambas em Minas. Em 1977, foi ordenado sacerdote. Mais tarde, em Roma, obteve um mestrado e depois um doutorado em teologia bíblica. Foi professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); da PUC de Belo Horizonte e da PUC do Rio. Em 1998, tornou-se bispo auxiliar de Salvador e, em 2004, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte.
Da Bahia, o então jovem Walmor seguiu para estudar nas universidades de São João Del-Rey e de Juiz de Fora, ambas em Minas. Em 1977, foi ordenado sacerdote. Mais tarde, em Roma, obteve um mestrado e depois um doutorado em teologia bíblica. Foi professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); da PUC de Belo Horizonte e da PUC do Rio. Em 1998, tornou-se bispo auxiliar de Salvador e, em 2004, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte.
Foi em
2009 que o papa Bento XVI nomeou dom Walmor membro da Congregação da Doutrina
da Fé, o antigo Santo Ofício dos tempos da Inquisição. Enquanto corta mais um
naco de carne de porco, ele descreve como percebe o ambiente entre os
integrantes da congregação (a reserva doutrinária do catolicismo) em relação ao
papa Francisco e suas posições mais abertas.
"Não
sinto absolutamente na Congregação da Doutrina da Fé, no seu funcionamento,
nenhuma polarização e nenhum posicionamento na contramão do papa Francisco. É o
que eu sinto no clima da congregação neste momento", diz ele, com o
indicador direito semiflexionado perto da boca, pontuando suas frases com um
leve meneio da mão, gestos que se repetem várias vezes no almoço.
Em 2016,
o papa Francisco escreveu, em sua exortação apostólica "A Alegria do
Amor" - que serviu de combustível para críticas conservadoras -, que
"cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser
respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito" e que as famílias com
integrantes "com tendência homossexual possam dispor dos auxílios
necessários para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua
vida". O matrimônio, no entanto, continua sendo apenas para casais
heterossexuais, segundo o papa.
"Obviamente que o papa Francisco nos desafia muito", diz dom Walmor, por trazer temas que não são novos, "mas que estão aí" e recolocados à mesa. São orientações e respostas, uma "formação que precisa ser feita para pessoas que têm essa necessidade, como é a consideração conjunta do povo de Deus", observa.
Para o arcebispo, é injusto pensar que Francisco põe esses temas para mudar a doutrina, "para mudar o seu verdadeiro sentido e a orientação que a igreja sempre teve". Segundo ele, o papa traz para o existencial a questão de dar para todas as pessoas a possibilidade de serem ouvidas, "de poderem se encontrar com a palavra de Deus, serem acolhidas na igreja". Mas nunca, diz, há possibilidade de negociar "aquilo que é inegociável na doutrina e no ensinamento da igreja".
"Obviamente que o papa Francisco nos desafia muito", diz dom Walmor, por trazer temas que não são novos, "mas que estão aí" e recolocados à mesa. São orientações e respostas, uma "formação que precisa ser feita para pessoas que têm essa necessidade, como é a consideração conjunta do povo de Deus", observa.
Para o arcebispo, é injusto pensar que Francisco põe esses temas para mudar a doutrina, "para mudar o seu verdadeiro sentido e a orientação que a igreja sempre teve". Segundo ele, o papa traz para o existencial a questão de dar para todas as pessoas a possibilidade de serem ouvidas, "de poderem se encontrar com a palavra de Deus, serem acolhidas na igreja". Mas nunca, diz, há possibilidade de negociar "aquilo que é inegociável na doutrina e no ensinamento da igreja".
Dom
Walmor já esteve com o papa algumas vezes na Congregação da Doutrina da Fé e
uma vez, há cerca de quatro anos, numa audiência particular. Recentemente
Francisco doou sua cruz de peito para as famílias vítimas da tragédia provocada
pela mineradora Vale em Brumadinho. A peça será colocada em um memorial na
cidade que foi desenhado por dom Walmor. A cidade é uma das que estão na área
de atuação da arquidiocese de Belo Horizonte e o arcebispo liderou uma campanha
de ajuda à região.
Diante do
prato e do gravador, dom Walmor fala mais do que se alimenta. Um desconforto na
cervical limita um pouco o movimento do pescoço e compromete um pouco a
habilidade de mastigar. Diz ter a ver com a posição da mandíbula, por isso está
se tratando com ortodontia biocibernética.
Na igreja, no Brasil, é permitido a diáconos, padres e bispos expressarem eventuais diferenças e críticas a pontos defendidos pelo papa? "Isso não acontece porque não temos pontos discordantes com papa Francisco. Então é algo fora de cogitação porque vivemos na comunhão, no caminho de um mundo com muitas mudanças e com muitos embates, mas sempre na na fidelidade àquilo que é de fato a doutrina da igreja", diz dom Walmor para logo ser interrompido mais uma vez por um rapaz que vem cumprimentá-lo. Se existem críticas vindas de Roma e de clérigos conservadores de outros países, o arcebispo encerra a questão dizendo: "Na igreja no Brasil isso não existe".
Dom Walmor
é um homem treinado em comunicação. Suas respostas são longas e estudadas. Além
de experiência no altar e em sala de aula, escreve artigos para jornal e tem
programas de rádio e TV. Lidar com a cultura urbana, que, na visão do
arcebispo, muitas vezes opta por caminhos contrários ao que prega o
cristianismo, é para ele a principal dificuldade na captação de mais fiéis para
o catolicismo. "Esse é um enorme desafio de linguagem, imagem, programa,
proposta e, sobretudo, como é próprio na vida da fé cristã, o testemunho",
diz.
O que
fazer? Explorar redes sociais? Estimular mais padres a se tornarem figuras pop
da música? "O Evangelho anunciado pode contar com todas as técnicas das redes,
com todas as ferramentas possíveis, mas se faltar em mim e naquele que é discípulo
e discípula o testemunho de uma vida autêntica, tudo pode ruir e não chegar ao
seu propósito."
O prato
está longe de ser concluído, mas os alimentos já esfriaram. Com a voz sempre
calma, dom Walmor tenta concluir a refeição enquanto responde. Como vê a relação
de Jair Bolsonaro com a religião? Apesar de definir-se como católico no
registro eleitoral e incluir Deus em seu principal slogan de campanha, o
presidente também foi batizado por Silas Malafaia no rio Jordão. Além disso,
cercou-se de um staff pentecostal no governo e questionou se já não era hora de
o Supremo Tribunal Federal ter um ministro evangélico.
"A
referência que se faz a valores cristãos é importante porque, à medida que se
distancia dos valores cristãos e das referências a esses valores, certamente
estamos nos distanciando de uma referência fundamental para dar equilíbrio à
vida", diz. "É muito importante estar no coração, sobretudo, e na
boca as referências aos valores cristãos", afirma.
Seu raciocínio
é cortado com a aproximação do reitor e do ex-reitor do seminário, que vieram
cumprimentá-lo. Conversam por alguns instantes. Os pratos já estão vazios e uma
moça que trabalha no refeitório limpa a mesa.
O tema
religioso é forte no governo. Muitos políticos fazem referências frequentes a
Deus e a Jesus e vocalizam frases e posições contrárias às liberdades pessoais
e a minorias que alimentam muitos discursos de ódio no país. Como vê essa
questão? "Não tenho dúvida, no horizonte da nossa incoerência pessoal e da
nossa incompetência para estarmos à altura dos valores cristãos, de que isso
acontece. Isso acontece no governo, na igreja, em todo lugar", diz.
"Obviamente que o cristão não pode, em um Estado laico, reduzir ou fazer o
Estado funcionar como se fosse uma igreja. O Estado não é uma igreja."
Dom
Walmor defende a pluralidade e a civilidade quando indagado sobre sua visão a
respeito dos elogios feitos pelo presidente a Carlos Alberto Brilhante Ustra
(1932-2015), militar acusado de ter sido torturador. "O debate político é
plural, é complexo, tem enraizamentos históricos muito desafiadores." O
importante, diz, é manter a civilidade do debate político e a humildade de corrigir
um exagero, de voltar atrás quando dizemos inverdades.
A verve
quase militante que dom Walmor usou na defesa da Serra da Piedade não o
acompanha aqui. O tom moderado é um dos pontos que influenciaram a inclusão de
seu nome como opção para o comando da CNBB. Numa sociedade tão dividida, a
ideia era evitar que essa polarização entrasse de alguma forma na entidade.
Duas pessoas próximas a ele disseram à reportagem que sua atuação na campanha de
solidariedade a Brumadinho e as duras queixas à mineração na Serra da Piedade
também o ajudaram a ganhar pontos entre o bispado.
Para dom Walmor, há temas "inegociáveis" para todos os
cristãos, como a legalização do aborto;
para a pedofilia, a ordem é tolerância
zero
Bispos que
atuaram como seus cabos eleitorais na eleição difundiram a imagem de que dom
Walmor é também um bom comunicador, bastante alinhado ao papa e um realizador.
Além de projetos e obras da igreja, ele está construindo uma catedral em Belo
Horizonte. Dom Walmor acabou derrotando o cardeal e arcebispo de São Paulo, dom
Odilo Scherer - que já foi secretário-geral da entidade, mas que não se
reelegeu -, e o arcebispo de Porto Alegre, dom Jaime Spengler. Este acabou
eleito primeiro vice-presidente.
Dom
Walmor recusa a sobremesa, mas não de comentar o decreto presidencial que
facilitou o porte de armas de fogo no país: é contra. "A minha posição é
pelo caminho do amor, do entendimento, do respeito. Armas são instrumentos
usados dentro da legalidade e da racionalidade pela segurança pública."
Defensores
de armas dizem que civis estarão sempre mais protegidos da criminalidade se
andarem armados e treinados. Dom Walmor nunca esteve em uma situação séria de
ameaça criminosa. Foi roubado uma vez. Estava entrando de carro no estacionamento
da Universidade Católica de Salvador quando um rapaz se aproximou e gritou para
que ele passasse o relógio.
Assim
como ocorreu em muitas famílias, entre colegas de trabalho e clube, a eleição
de Bolsonaro também alimentou tensões entre padres e bispos. "Eu não percebo
que tenha havido divisão. Existem diferenças, tensões em razão de diferenças,
mas que ao mesmo tempo é algo que nós podemos tratar com a força da comunhão
que vem da fé."
Não há
diferenças, entretanto, quando se discutem temas inegociáveis para Roma. Entre
eles, o aborto. "Eu diria a todos os cristãos e me refiro também aos
cristãos católicos que estiverem no Parlamento, e [se o Parlamento] trabalhar
na direção de legalizar o aborto, eles devem se posicionar contra porque isso é
inegociável."
Pedofilia
na igreja também é outra questão espinhosa. A ordem é tolerância zero. Dom
Walmor diz que uma comissão na CNBB trabalha em um guia sobre como punir casos
de padres pedófilos - seguindo as normas do papa. "Esse guia terá um conteúdo
jurídico-canônico, explicitando modos e passos sobre como cada bispo em cada
diocese deve proceder quando se tratar de denúncia dos processos abertos em
relação à acusação de caso de pedofilia", diz. Ele acha importante dizer
que nas hostes da igreja a percentagem de casos de pedofilia é menor do que em
outros círculos. "É um guia no horizonte de ser um guia para a tutela de
menores."
Depois de
eleito, dom Walmor passou a apresentar nos encontros com os bispos suas
prioridades na CNBB. O primeiro ponto é concluir o "guia de proteção aos
menores". Entre outras metas estão fortalecer o trabalho missionário em
regiões distantes, promover mais a integração de arquidioceses e dioceses por
meio de tecnologias digitais e ampliar a presença da CNBB nas redes sociais.
Dom Walmor também quer estimular a participação de bispos, sacerdotes e
diáconos em diferentes meios de comunicação, abrir a CNBB a discussões com
representantes de diferentes pontos de vista sobre assuntos importantes e estimular
a implementação de processos de controladoria em paróquias, dioceses e na CNBB.
O almoço
está no fim. Mas, antes de nos levantarmos, o reitor do seminário reaparece,
agora trazendo nos braços um filhote de cachorro marrom da raça lhasa apso. Foi
um presente de dom Walmor, que também tem um da mesma raça em sua casa. O
mascote do seminário já tem uma casinha azul de plástico e brinca com os
sapatos lustrosos do arcebispo quando ele sai do refeitório.
Quando
não está cumprindo suas funções na igreja, dom Walmor gosta de ouvir música
clássica e jogar vôlei. Sessões de pilates também fazem parte de sua rotina. No
pulso direito, ele usa uma pulseira preta ionizada. O acessório é descrito como
um auxiliar na manutenção da saúde. O arcebispo é grande apreciador de poesia.
Em seus discursos, costuma incluir versos de Fernando Pessoa (1888-1935) e
Cecília Meireles (1901-1964). Ele abre a capinha de couro preta do celular e
procura um poema. O refeitório já está quase vazio. Antes de se despedir com
seu "saúde e paz", dom Walmor encontra o que buscava: "Olha que bonita
esta". E declama "Cântico XIII”, de Cecília Meireles:
"Renova-te
Renasce
em ti mesmo.
Multiplica
os teus olhos para verem mais
Multiplica-se
os teus braços para semeares tudo
Destrói
os olhos que tiverem visto
Cria
outros para as visões novas
Destrói
os braços que tiverem semeado,
para se
esquecerem de colher.
Sê sempre
o mesmo
Sempre
outro.
Mas
sempre alto.
Sempre
longe
E dentro
de tudo".
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Fonte: https://www.valor.com.br/cultura/6295561/o-estado-nao-e-uma-igreja-diz-dom-walmor-presidente-da-cnbb
07/06/2019
Reportagem Por
Marcos de Moura e Souza | De Belo Horizonte
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