CLÁUDIA LAITANO*
Do papiro ao celular, tudo mudou, menos o
essencial:
nossa incontornável vocação para ouvir
e contar boas
histórias.
"Compre agora com um clique." Essas cinco
palavrinhas piscando no meu tablet não são apenas um convite ao
consumismo literário, mas a prova de que comprar um livro é mais fácil
do que trocar de canal ou passar um café. Não preciso sequer levantar do
sofá para buscar o cartão de crédito na bolsa - o que me daria alguns
instantes para refletir antes de sucumbir à simplicidade do processo.
Clicou, levou. Pode ficar mais fácil? Pode. Se preferir, nem preciso ler
o que acabei de comprar: levando a versão em áudio, posso escutar A
Ilíada enquanto faço compras no Zaffari ou espero o T1.
Em 2019, qualquer leitor pode localizar uma obra rara
em um sebo de Istambul onde jamais colocará os pés, carregar toda a obra
de Balzac no bolso do casaco, para uma eventualidade, ou entregar-se à
leitura do seu livro favorito cercado pela mais espessa escuridão - pelo
menos até a bateria acabar. E se todas essas possibilidades nos
espantam e fascinam, é porque ainda estamos no início da revolução
tecnológica que mudou para sempre nossa relação com a escrita, da mesma
forma como as invenções do alfabeto, do papel e da impressão alteraram o
rumo da História no passado.
A escrita é a criação humana que tornou possível todas
as outras e moldou nossa forma de pensar de forma tão profunda que nem
sequer conseguimos imaginar um mundo sem autores e sem leitores. Mas no
princípio era apenas o verbo - e a voz. Histórias eram passadas adiante
de forma oral (de bardos que não sabiam escrever para ouvintes que não
sabiam ler). Por volta de 1200 a.C., os fenícios inventaram um sistema
de sinais gráficos muito melhor do que todos os que existiram antes. Os
gregos copiaram e aperfeiçoaram a ideia e em 800 a.C. criaram um
alfabeto próprio para administrar as contas e narrar as façanhas da
Guerra de Troia. A Ilíada se tornou o texto por meio do qual os gregos
espalharam sua cultura e seu alfabeto. Um presente de grego, no melhor
sentido, para o resto do mundo.
O Mundo da Escrita - Como a literatura transformou a
civilização (Companhia das Letras), de Martin Puchner, faz com a
história da leitura mais ou menos o que Sapiens (L&PM) fez com a
história da nossa espécie: uma narrativa erudita e ao mesmo tempo
eletrizante, que nos conduz de Homero a Harry Potter, passando pelos
textos sagrados, pelas Mil e Uma Noites, pelos maias, pelos grandes
manifestos políticos... Puchner é professor de literatura comparada em
Harvard, mas seu livro é menos sobre grandes obras literárias do que
sobre a forma como as diferentes tecnologias impactaram a maneira como
produzimos e consumimos ideias. Do papiro ao celular, tudo mudou, menos o
essencial: nossa incontornável vocação para ouvir e contar boas
histórias.
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* Jornalista
claudia.laitano21@gmail.comFonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=1b15743feec8e99a74c8a00358c072d6 - 08/07/2019
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