Lya Luft*
Tenho falado e escrito sobre dramas ou
alegrias no convívio humano, amigos, amores, família (que significa
amor e amizade também).
A dificuldade de comunicação é uma realidade, por vezes
pungente, outras até cômica, ou ainda dramática. O filho ou amigo que
de repente se queixa: “Aquela vez você me disse isso, e me doeu tanto,
que ainda não consegui esquecer”. Mas quando foi isso? Uns 10 anos.
Cinco. Mais ainda. E a gente se espanta: “Mas que loucura! Eu jamais te
diria isso! Aliás, nem uso essas palavras!”.
Um dos dois tem razão, jamais saberemos qual, pois
memórias são muitas vezes fantasias, não só em crianças, em adultos
também. Tudo se confunde um pouco nas névoas do tempo, análise e
terapia podem mostrar isso. Quanto sofrimento por engano, quanta
chateação vã.
E mesmo que a gente tenha dito aquilo, ou feito aquele
gesto, ou virado as costas e ido embora, hoje já não somos aquela pessoa
de anos atrás: podemos estar piores, mas muitas vezes mais mansos,
mais amorosos, mais generosos, porque mais sofridos.
Mais experientes, o que em geral nos torna
mais tolerantes, menos críticos. (Ou não.) Enfim, o que pretendo aqui é
comentar, mais uma vez porque é sempre real e frequente, essa troca
de sinais confusos, esse desencontro entre a intenção de quem dá ou faz,
ou diz, e o que recebe, sente, sofre – com ou sem razão. Muito conflito
assim se desenrola injustamente, tolamente, porque
mal-entendidos, enganos, nos atropelam a cada hora neste labirinto numa
floresta que é o dia a dia.
Além de tudo, há tantas visões do mundo,
tantas interpretações dos fatos mais corriqueiros, quantos seres
pensantes existem: cada um com sua disposição: cética, otimista, trágica
ou indiferente. Feliz ou tristonha. No fundo, a vida é um teatro, e um
cenário com muitas portas, que estavam ali – ou que nós desenhamos. Mas,
aqui e ali, abrem-se para encontros que nos transformam, nos
tranquilizam, ou nos servem e servirão de apoio, porto, acolhida e
força. Além daqueles que nos destroem, nos fazem adoecer, nos rasgam ao
meio, ou por alguns momentos nos sombreiam com surpresa e decepção.
Somos em parte vítimas, em parte autores, desse teatro
simples e terno, ou louco e trágico, ou maravilhoso. Nos vestimos nos
camarins, rimos ou choramos atrás das cortinas. Também
vendemos entradas; às vezes, vendemos a alma.
Atropelos, tolices, dramas ou mal-entendidos, embora
criados por nós, dificultam essa tarefa existencial, que precisa de
resistência, calma, audácia e fervor – e de alegria, quando aprendemos
a contornar as armadilhas e nos construímos, do jeito que dá, do jeito
de cada um, muitas vezes com alguém.
Da mesma forma que entre amigos, família, amantes, ou
meros conhecidos, todos trocamos sinais – também eu e meus amigos
imaginários de agora: meus leitores. Por isso, escrevo.
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* Escritora
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=f10d3a7ea324342072a005173557ccd8 Acesso 29/07/2019
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