segunda-feira, 29 de julho de 2019

Trocando sinais

Lya Luft*

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Tenho falado e escrito sobre dramas ou alegrias no convívio humano, amigos, amores, família (que significa amor e amizade também).

A dificuldade de comunicação é uma realidade, por vezes pungente, outras até cômica, ou ainda dramática. O filho ou amigo que de repente se queixa: “Aquela vez você me disse isso, e me doeu tanto, que ainda não consegui esquecer”. Mas quando foi isso? Uns 10 anos. Cinco. Mais ainda. E a gente se espanta: “Mas que loucura! Eu jamais te diria isso! Aliás, nem uso essas palavras!”.

Um dos dois tem razão, jamais saberemos qual, pois memórias são muitas vezes fantasias, não só em crianças, em adultos também. Tudo se confunde um pouco nas névoas do tempo, análise e terapia podem mostrar isso. Quanto sofrimento por engano, quanta chateação vã.

E mesmo que a gente tenha dito aquilo, ou feito aquele gesto, ou virado as costas e ido embora, hoje já não somos aquela pessoa de anos atrás: podemos estar piores, mas muitas vezes mais mansos, mais amorosos, mais generosos, porque mais sofridos.

Mais experientes, o que em geral nos torna mais tolerantes, menos críticos. (Ou não.) Enfim, o que pretendo aqui é comentar, mais uma vez porque é sempre real e frequente, essa troca de sinais confusos, esse desencontro entre a intenção de quem dá ou faz, ou diz, e o que recebe, sente, sofre – com ou sem razão. Muito conflito assim se desenrola injustamente, tolamente, porque mal-entendidos, enganos, nos atropelam a cada hora neste labirinto numa floresta que é o dia a dia.

Além de tudo, há tantas visões do mundo, tantas interpretações dos fatos mais corriqueiros, quantos seres pensantes existem: cada um com sua disposição: cética, otimista, trágica ou indiferente. Feliz ou tristonha. No fundo, a vida é um teatro, e um cenário com muitas portas, que estavam ali – ou que nós desenhamos. Mas, aqui e ali, abrem-se para encontros que nos transformam, nos tranquilizam, ou nos servem e servirão de apoio, porto, acolhida e força. Além daqueles que nos destroem, nos fazem adoecer, nos rasgam ao meio, ou por alguns momentos nos sombreiam com surpresa e decepção.

Somos em parte vítimas, em parte autores, desse teatro simples e terno, ou louco e trágico, ou maravilhoso. Nos vestimos nos camarins, rimos ou choramos atrás das cortinas. Também vendemos entradas; às vezes, vendemos a alma.

Atropelos, tolices, dramas ou mal-entendidos, embora criados por nós, dificultam essa tarefa existencial, que precisa de resistência, calma, audácia e fervor – e de alegria, quando aprendemos a contornar as armadilhas e nos construímos, do jeito que dá, do jeito de cada um, muitas vezes com alguém.

Da mesma forma que entre amigos, família, amantes, ou meros conhecidos, todos trocamos sinais – também eu e meus amigos imaginários de agora: meus leitores. Por isso, escrevo.
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* Escritora 
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=f10d3a7ea324342072a005173557ccd8 Acesso 29/07/2019
l.letras@terra.com.br
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