Filósofo do conservadorismo falou ao Caderno de Sábado.
Foto: Jacques Wainberg, professor da Programa de
Pós-Graduação
em Comunicação da PUCRS,
e Juremir Machado da Silva.
“O conservadorismo é natural”
Convidado do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, o
filósofo britânico Roger Scruton, 75 anos, esteve em Porto Alegre para
falar do que mais sabe: estética. De quebra, fez o que mais gosta:
criticar a esquerda. Autor de mais de 30 livros, dos quais muitos são
best-sellers, guru do neoconservadorismo triunfante, polemista de texto
fluente e língua afiada, Scruton tem vários livros publicados no Brasil,
entre os quais “Beleza”, “A alma do mundo”, no qual disserta sobre o
valor insubstituível do sagrado na vida das pessoas, e “Tolos, fraudes e
militantes”. Na última semana, chegou “Conservadorismo” (Record).
Nesta
entrevista para Jacques Wainberg, professor da Programa de
Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS, e Juremir Machado da Silva, ele
defende as suas ideias e principalmente a importância do conservadorismo
para a estabilidade social e cultural. A sua passagem pelo Brasil
despertou enorme interesse de público e mídia.
Caderno de Sábado – O que explica todo esse interesse pela sua obra?
Roger Scruton – Acho que existe no Brasil muito
interesse por algo novo, diferente. Quando se tem por muito tempo uma
ênfase continuada na esquerda, as pessoas começam a perguntar se existe
alguma alternativa. No meu caso, não se trata só de uma posição política
diferente, mas de uma visão diferente do mundo. Nela, posso garantir, o
desejo de respeito é central. A nossa civilização, compartilhada Europa
e pela América, está em crise e a postura da esquerda faz parte dessa
crise. Precisamos passar por essa crise para descobrir quem realmente
nós somos e o que podemos fazer.
CS – Que crise é essa?
Scruton – Em primeiro lugar, perda de confiança em
ser o que somos. Em seguida, algumas dúvidas sobre nossa religião e
sobre a tradição que disso emana: nossas concepções de lei, de soberania
e de ordem na vida social. Nossos oponentes têm conseguido nos fazer
sentir culpa pelo que somos. A esquerda quer minar a confiança em nossos
fundamentos. Só temos uma vida. Não faz sentido essa desconfiança.
Temos de acreditar no que sempre fomos.
CS – O senhor escreveu um livro sobre a beleza, sobre julgamento estético. Acredita realmente numa hierarquia do gosto fundamentada objetivamente?
Scruton – Sim, naturalmente. Na arte, isso é muito
óbvio. Qualquer pessoa que goste de música, sabe que existe música
superior e música inferior. Não se pode dizer que tudo é igualmente
interessante. O grande artista quer trazer consolação e encantamento às
pessoas. Quer explorar a condição humana. Uma celebridade como Madonna
não faz isso. Apenas chama atenção para si. A arte leva a uma
experiência espiritual séria. Isso não acontece com o entretenimento.
Portanto, não há como não pensar em hierarquia.
CS _ Beethoven é melhor do que Madonna. Mas a maioria prefere
ouvir Madonna. O que fazer com isso? Aceitar a derrota do gosto da
elite? Como convencer quem espontaneamente prefere uma coisa e não
outra?
Scruton – Não podemos ditar o que as pessoas vão
gostar. Mas é possível convencê-las de que o gosto delas não é do nível
superior. É possível pedir que a pessoa deixe algum espaço para conhecer
o bom gosto. Podemos pedir que deixem os seus filhos experimentarem a
arte. Sabemos que a arte superior sempre foi minoritária. A civilização
depende dessa minoria de bom gosto para sobreviver e surtir seus
efeitos. Não é a maioria que fará a civilização continuar existindo.
Temos de ter consciência disso tudo.
CS – O juízo do gosto, segundo Kant, deve ser desinteressado.
Educar o gosto já não o direciona, não o torna automaticamente
interessado?
Scruton – É uma pergunta técnica. Toda educação
implica interessar alguém. Mas a forma mais elevada de fruição estética é
a desinteressada. A arte pela arte. A educação precisa conduzir as
pessoas a essa fruição desinteressada. É fundamental conseguir
encantar-se espontaneamente.
CS – Toda educação do gosto não é uma forma de doutrinação,
um modo interessado de direcionamento? Não há nisso um paradoxo? O
desinteresse não estaria justamente na falta de enquadramento, na
espontaneidade?
Scruton – Aristóteles diz que todo homem quer
conhecer por conhecer. É natural querer saber como o mundo é
propriamente deixando de lado os nossos interesses mais imediatos. A
função do professor é essa: levar o estudante a descobrir o que não sabe
sem relação com um interesse qualquer. Educar o gosto não é
doutrinação, pois doutrinar é dizer no que se deve acreditar. Educar
significar tomar um fenômeno e examiná-lo, discutir sobre o que ele
representa, deixar a verdade emergir espontaneamente. Isso também vale
para a educação do gosto pela arte. Diz-se: veja tal artista, ouça o que
ele traz, considere a sua obra. A arte apresenta-se como uma revelação
para quem aceita se abrir a ela.
CS – No campo político, passamos da fase da doutrinação?
Scruton – Não, não passamos. Em nossas
universidades, especialmente nas ciências humanas, há uma predominância
do ponto de vista da esquerda com todas as suas últimas variantes:
feminismo radical, neutralidade de sexo, questão de gênero, essa nova
ortodoxia. Quem discorda disso, arranja problema. Isso é verdade também
no Brasil. É muito pior na Inglaterra, pois os brasileiros são um povo
alegre que aprecia a diferença.
CS – Como explicar a onda conservadora brasileira?
Scruton – Não sei, pois não conheço bem a realidade
brasileira. Mas a posição conservadora é natural. Há uma maneira natural
de as pessoas se reproduzirem e viverem, baseada numa afeição
espontânea e não ideológica. É simplesmente a vida. A ordem política
emerge disso. O meu país está numa posição difícil. Observa-se, porém,
que a maior parte da população britânica é conservadora. Os intelectuais
é que não o são. Cresce, portanto, o fosso entre intelectuais e a
maioria das pessoas comuns.
CS – Esquerda e direita, nesse aspecto, são muito diferentes?
Uma não acusa a outra de ser ideológica? Ideologia é sempre o
pensamento do outro?
Scruton – A postura conservadora não procura a
redenção na política. Quem pensa assim é a esquerda. A política é só uma
parte da vida. Não é o mais importante da existência. A esquerda acha
que política é tudo. Uma parte da esquerda não acredita em Deus, não sem
sentimento de transcendência, não pensa nos valores verdadeiros da
vida: o belo, o amor, Deus, ser agradecido pela existência. Essa é a
grande falha do esquerdismo. A visão conservadora não é ideológica. É
prática. Nada a ver com a visão marxista.
CS – Como analisa o multiculturalismo na Europa?
Scruton – O multiculturalismo pertence ao mesmo tipo
de problema de que falei antes. Fomos levados a desconfiar de nossa
cultura dominante, majoritária. Passamos a dar prioridade às culturas de
minorias. Devemos incorporar e aceitar as minorias, mas sem deixar de
reconhecer a existência de culturas majoritárias. Estamos vivendo uma
crise nessa relação entre maioria e minorias. Isso já aconteceu antes na
história, por exemplo, na Europa Oriental, com o surgimento de seitas
que enfrentaram a cultura dominante. Ocorreu no Oriente Médio, no
Império Otomano, em outros lugares. Foi preciso aprender a conviver.
Precisamos também aprender. A saída começa pelo reconhecimento da
existência de uma cultura majoritária. Em nosso caso, trata-se de uma
cultura do iluminismo, de valor universal.
CS – Existe uma crise na relação com os imigrantes islâmicos?
Scruton – Sim, em alguns países. Em outros, não.
Parte do problema é que o mundo islâmico está em crise. É uma situação
provocada pelos seus radicais. Os muçulmanos comuns também estão
horrorizados com a radicalização que os atinge. Nesse sentido, sentem
como qualquer um de nós. Essa crise de radicalização islâmica foi
importada para a Europa.
CS – Como vê o governo de Donald Trump?
Scruton – Trump tem uma personalidade peculiar. Gera
polêmica. Isso, porém, não significa que todas as suas políticas sejam
ruins. Ele conseguiu unificar o país em torno da questão da imigração.
Só os intelectuais da Costa Leste, que não vivem os problemas das
pessoas comuns no cotidiano, é que não valorizam, por viés ideológico,
seus acertos.
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Fonte: https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/entrevista-com-roger-scruton-1.350274 09/07/2019
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