Luis Fernando Veríssimo*
O mundo da ciência econômica, como todos os mundos, está subdividido entre humanistas e seus contrários, que divergem nos seus pressupostos antes de divergirem nas suas interpretações e receitas
As
culturas científica e humanística eram separadas, entre outras razões,
pela linguagem. Tinham vocabulários diferentes. Seus códigos não
combinavam. Previa-se até que se distanciariam tanto que um dia nenhuma
comunicação seria possível entre as duas. O advento da língua comum dos
computadores parecia ter diminuído essa discrepância, mas curiosamente a
divisão perdurou, agora entre facções da mesma cultura, que usam o
mesmo vocabulário e não se entendem. Economistas de um lado e de outro
(rudemente, esquerda e direita) lidam com os mesmos números, analisam os
mesmos gráficos, recebem as mesmas informações e falam todos o mesmo
idioma universal, só variando o estilo – e veem e preveem coisas
diferentes.
A
não ser que se procure a causa da cisão no terreno movediço do caráter
de cada um, ela não tem explicação. Ou tem: o mundo da ciência
econômica, como todos os mundos, está subdividido entre humanistas e
seus contrários, que divergem nos seus pressupostos antes de divergirem
nas suas interpretações e receitas. O que os separa é o valor que dão à
vida humana, o princípio de todas as equações econômicas para uns e um
dado irrelevante para outros. Não se trata de ter melhor ou pior
coração. Como já disse alguém, ninguém tem o monopólio dos bons
sentimentos. Mas a sua escolha de lado na divergência entre economistas,
no fim, é uma definição de escolha política. É-se solidário pela mais
egoísta das razões, por uma preocupação elementar com a salubridade do
meio em que se respira, porque uma civilização que sacrifica o ser
humano pelo lucro não é exatamente o ambiente em que se quer viver.
Quando
a Europa submergiu na intolerância religiosa e no obscurantismo da
Idade das Trevas, dominada por um espécie de pensamento único que
condenava como heresia qualquer forma de desafio aos dogmas da Igreja, e
nem os reis sabiam ler, foi nos claustros da própria Igreja que a
escrita e a cultura clássica foram preservadas e, quase sem querer,
resistiram ao dogma. Hoje, outra vez, uma minoria herética se vê sitiada
por dogmas inquestionáveis. Mas a Idade das Trevas acabou na
Renascença.
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* Escritor
Fonte: https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,heresia,70002937290?utm_source=estadao:ibope&utm_medium=newsletter&utm_campaign=saiba-agora::e&utm_content=link:::&utm_term=::::
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