Ana Ruepp*
A singularidade da arquitetura não é abrigar uma vida cómoda, estável nem garantida.
“Construir é colaborar com a terra; é pôr numa paisagem uma marca humana que a modificará para sempre…”, Marguerite Yourcenar
A
arquitetura é um fenómeno de grande complexidade que liga o mundo à
vida humana. É vazio mas também limite. É uma totalidade que dá forma a
volumes no espaço que encerram em simultâneo vários objetos e vários
pensamentos. A arquitetura concretiza ideais de preenchimento, de
posição, de encontro, de movimento e de tempo. É a forma que encerra o
nada e matéria em transformação.
A
arquitetura realiza-se no espaço verdadeiro e tangível que é ocupado
pela atividade do nosso corpo. Vem do desenho e da mão humana. Por isso é
também invenção, meio de expressão, meio de transmissão de pensamento e
um símbolo.
“Cada
pedra era a estranha concreção de uma vontade, de uma memória, por
vezes de um desafio. Cada edifício era a o plano de um sonho.”,
Marguerite Yourcenar
A
arquitetura é um conjunto de partes cujo comprimento, a largura e a
profundidade concordam entre si de uma certa maneira e constituem um
sólido inédito, com um volume interno, uma massa exterior e uma
sensibilidade às variações da luz. A relação entre o volume interno e a
massa exterior varia no tempo e talvez seja aí que resida a
originalidade mais profunda da arquitetura. Os volumes externos ao
formarem o espaço oco, fazem surgir inesperadamente um elemento novo no
meio das formas naturais - é assim concebido uma espécie de avesso do
espaço. O ser humano age sempre no vazio, no exterior das coisas, está
sempre de fora. Se quiser entrar no interior dos objetos tem de os
quebrar.
A
singularidade da arquitetura não é abrigar uma vida cómoda, estável nem
garantida mas sim contribuir através de uma sucessão de espaços
interpenetrantes para a lenta transformação que a breve vida humana
apresenta e colocá-la incessantemente em contacto com o cosmos que a
rodeia. A arquitetura será sempre e acima de tudo uma experiência que
compreende a produção e a receção, a atenção e a participação, a
imaginação e o corpo, o pensamento e o mundo.
*Mestrada em Arquitetura pela Universidade de Lisboa, Pós-Graduada e Mestra em Fine-Arts pela University of Arts de Londres
Fonte: https://e-cultura.blogs.sapo.pt/a-forca-do-ato-criador-1137312
Nenhum comentário:
Postar um comentário