sábado, 25 de setembro de 2021

Reféns do global ou vítimas da bolha assassina

 Eliane Tavares*

As notícias pululam fragmentadas e a imprensa olha de um jeito vesgo. Dezenas de artistas da Rede Globo estão sendo demitidos ou se demitindo. Alguns analistas de televisão falam em crise na emissora, outros falam de falta de coração, afinal, está se desfazendo de gente que deu sua vida ali na telinha. Nessa semana Lázaro Ramos deu adeus a 18 anos de Globo e Ingrid Guimaraes sai da emissora depois de 30 anos. Saem fazendo discursos emocionados enquanto abraçam as novas gigantes mundiais da comunicação. Pois o que se configura por trás de tudo isso é justamente a acomodação das forças comunicacionais mundiais. As novas tecnologias anunciam outras formas de se comunicar e as empresas locais terão dois caminhos: ou começam a se adequar ou morrem. 

No Brasil a televisão aberta ainda tem um grande espaço na vida das pessoas. Os números dizem que a Rede Globo segue liderando o mercado, apesar de ter perdido audiência. A média de audiência é de 15 pontos enquanto a segunda rede, a Record, tem 5 pontos, a diferença é grande. Não bastasse isso, a Globo é a empresa de comunicação de massa brasileira que está mais à frente no âmbito da tendência mundial, tanto que já tem um canal de streaming (transmissão direta por internet), a Globoplay, e tem produzido exclusivamente para esse nicho. 

 "As novas tecnologias anunciam outras formas de se comunicar e as empresas locais terão dois caminhos: ou começam a se adequar ou morrem".

Há quem diga que estamos vivendo o fim da era da TV aberta. A tendência agora é a transmissão por demanda. E, como temos visto, essa é uma área completamente dominada por empresas internacionais gigantes como a Amazon, a Netflix, a Disney, etc... A Globo quer surfar nessa onda e está testando se vai nessa sozinha ou se precisará se aliar a algumas dessas gigantes. 

 "Há quem diga que estamos vivendo o fim da era da TV aberta. A tendência agora é a transmissão por demanda".

Essa nova configuração das contratações também faz parte dos novos tempos. Foi-se a era da fidelidade dos atores a determinados canais. Agora eles também trabalharão por demanda. Podem fazer produções para a Netflix, para a Amazon ou para a Globoplay, sem um lugar realmente fixo, um emprego seguro. Terão de amargar a eterna busca de espaço num mundo sem regras. Até agora ser ator ou atriz é uma profissão regulamentada, a pessoa precisa fazer curso, ter registro. Mas, pode ser que isso também se esboroe. Quem acompanha o mundo televisivo está por dentro da tentativa da Globo em levar a celebridade instantânea do BBB, Juliette (32 milhões de seguidores no Instagram), para a novela Pantanal. Por enquanto, o sindicato dos atores está segurando, visto que ela não é atriz, mas até quando? Emprego, registro profissional, estabilidade, são palavras que vão perdendo o sentido no mundo do trabalho. Inclusive no serviço público, vide a PEC 32 que quer a volta do “quem indica”. 

Os tempos são sombrios para os trabalhadores e também para as empresas nacionais porque as gigantes estrangeiras estão abocanhando tudo. Muito em breve estaremos completamente reféns dessas empresas, vítimas das informações falsas, do pensamento único e da estética única. O Facebook está planejando até permitir a realização de transações bancárias dentro da plataforma, ou seja, a pessoa entra ali e não precisa mais sair para quase nada. 

O mundo distópico do grande irmão está cada dia mais presente.  O capitalismo aprofunda seu processo de dominação. 

Enquanto isso, a TV aberta – esta que chega a 97% dos lares – segue sendo a única opção de quem não têm condições de comprar os pacotes das diversas empresas de transmissão direta por demanda. Por isso, seguramente que ela não vai se acabar. Pode encolher, mas seguirá existindo. A Record, com seu nicho evangélico e suas novelas bíblicas, tentando levar o rebanho para os tempos fundamentalistas do velho testamento, e a Globo emburrecendo as gentes cada dia mais, com a profusão de programas idiotizados, como os de danças dos famosos, famosos mascarados, programas de calouros cheios de sadismo e de gente autocentrada, joguinhos entre artistas e dramas de humilhação dos pobres. Um show de horrores que segue o modelo dos shows europeus e estadunidenses com apresentadores engraçadinhos e sem cabeça. 

Um desafio imenso para quem quer um mundo onde o pensamento crítico seja soberano. Cada dia que passa vamos assistindo ao crescimento da “bolha assassina” das grandes empresas de transmissão por demanda, tal qual a gosma vermelha do filme de terror protagonizado e dirigido por  Steve McQueen, em 1958. No filme, a gosma não é destruída, é congelada e levada para o Ártico. E a fala final do “mocinho” prenuncia o nosso tempo. “Até que o ártico também siga congelado”. Pois parece que o Ártico descongelou e bolha está aí outra vez. 

*Jornalista

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