sábado, 25 de setembro de 2021

O INÚTIL E O ÚTIL

 Joaquim Miguel de Morgado Patrício*


No texto A Árvore Inútil, o pensador chinês Tchouang-Tseu, discípulo de Lao-Tseu, escreveu:


“Houi-Tseu dirigiu-se a Tchouang-Tseu e disse: “Eu tenho uma grande árvore. As pessoas chamam-lhe árvore dos deuses. O seu tronco é tão nodoso e disforme que não se pode cortar a direito. Os seus ramos são tão torcidos e tortos que se não podem trabalhar com peso e medida. Está à beira do caminho, mas nenhum marceneiro a olha. Assim são as vossas palavras, senhor, e todos se afastam de vós ao mesmo tempo.”   


Tchouang-Tseu respondeu: (…) Porque não a plantais numa terra deserta ou num campo vazio? Aí poderíeis passear na sua proximidade ou dormir à vontade sobre os seus ramos sem nada fazer. O machado e a machadinha não lhe reservam um fim prematuro e ninguém lhe pode fazer mal.


Como é bom que nos preocupemos com uma coisa que não tem utilidade!”


Quando o que vale é o imediatamente útil e vendável, em termos da rentabilidade crescente das necessidades e do consumo, o que é inútil e não instantaneamente funcional e utilizável faz lembrar o vazio. 


Por isso a contemplação, a meditação, o autoconhecimento, o sentir de sentimentos não expressos, o ar que respiramos, a fala que falamos, porque intangíveis, permanentes e invendáveis, há quem os tenha por inúteis, embora seja forçoso compreender que temos que nos preocupar com eles, sem os quais não sobrevivemos.


Nesta perspetiva, o ser útil e inútil não é uma questão de fidelidade a regras abstratas, mas apenas um esforço para termos tanta utilidade ou não utilidade quanto possível.  Que mistério e sigilo se esconde em algo ao mesmo tempo inútil, persistente, duradouro, transversal e não imediatista?


A velocidade do mercado e consumismo atual, agudizado pela velocista e tudóloga internet, converte tudo ao mercado e ao que tem por útil e vendável, com exceção do que tem por pretensamente inútil, este estruturalmente mais durável e menos descartável, consistente, imaterial, memorável e criativo. 


Curiosamente o presumivelmente inútil está mais imunizado contra a exploração comercial e consumista, sendo caso para dizer que é um privilégio ser invendável nestes tempos que correm.

*Escritor. Centro Nacional de Cultura/Portugal

Fonte: https://e-cultura.blogs.sapo.pt/cronicas-pluriculturais-1137750


24.09.2021

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