Joaquim Miguel de Morgado Patrício*
No texto A Árvore Inútil, o pensador chinês Tchouang-Tseu, discípulo de Lao-Tseu, escreveu:
“Houi-Tseu
dirigiu-se a Tchouang-Tseu e disse: “Eu tenho uma grande árvore. As
pessoas chamam-lhe árvore dos deuses. O seu tronco é tão nodoso e
disforme que não se pode cortar a direito. Os seus ramos são tão
torcidos e tortos que se não podem trabalhar com peso e medida. Está à
beira do caminho, mas nenhum marceneiro a olha. Assim são as vossas
palavras, senhor, e todos se afastam de vós ao mesmo tempo.”
Tchouang-Tseu
respondeu: (…) Porque não a plantais numa terra deserta ou num campo
vazio? Aí poderíeis passear na sua proximidade ou dormir à vontade sobre
os seus ramos sem nada fazer. O machado e a machadinha não lhe reservam
um fim prematuro e ninguém lhe pode fazer mal.
Como é bom que nos preocupemos com uma coisa que não tem utilidade!”
Quando
o que vale é o imediatamente útil e vendável, em termos da
rentabilidade crescente das necessidades e do consumo, o que é inútil e
não instantaneamente funcional e utilizável faz lembrar o vazio.
Por
isso a contemplação, a meditação, o autoconhecimento, o sentir de
sentimentos não expressos, o ar que respiramos, a fala que falamos,
porque intangíveis, permanentes e invendáveis, há quem os tenha por
inúteis, embora seja forçoso compreender que temos que nos preocupar com
eles, sem os quais não sobrevivemos.
Nesta
perspetiva, o ser útil e inútil não é uma questão de fidelidade a
regras abstratas, mas apenas um esforço para termos tanta utilidade ou
não utilidade quanto possível. Que mistério e sigilo se esconde em algo
ao mesmo tempo inútil, persistente, duradouro, transversal e não
imediatista?
A
velocidade do mercado e consumismo atual, agudizado pela velocista e
tudóloga internet, converte tudo ao mercado e ao que tem por útil e
vendável, com exceção do que tem por pretensamente inútil, este
estruturalmente mais durável e menos descartável, consistente,
imaterial, memorável e criativo.
Curiosamente
o presumivelmente inútil está mais imunizado contra a exploração
comercial e consumista, sendo caso para dizer que é um privilégio ser
invendável nestes tempos que correm.
*Escritor. Centro Nacional de Cultura/Portugal
Fonte: https://e-cultura.blogs.sapo.pt/cronicas-pluriculturais-1137750
24.09.2021
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