Por Ana Maria Diniz*
Eu fico pensando como será a escola daqui a uma década. Ela terá conseguido se modernizar para atender às demandas cada vez mais numerosas e complexas do mundo atual? Será que daqui a dez anos a escola ainda será obrigatória a fim de garantir o direito de todas crianças e jovens à educação ou será que ela se tornará opcional? Ainda não temos as respostas para essas e outras questões fundamentais frente à emergência que se tornou reinventar tudo a respeito do ensino. Mas uma coisa é certa: para muitos especialistas, a família terá um papel de destaque nessa transformação. Ao contrário de dois anos atrás, hoje pais e mães têm opiniões muito mais fundamentadas sobre o que as escolas deveriam ser e oferecer.
Historicamente, de forma geral, as famílias sempre se mantiveram afastadas e alheias ao que de fato acontecia no cotidiano escolar das crianças e dos jovens. Com a pandemia, eles foram praticamente jogados para o universo educacional de seus filhos. De uma forma inédita, eles se deram conta do tamanho da desconexão entre o que é ensinado em classe e a realidade e aprofundaram as suas percepções sobre os estilos de aprendizado das crianças, além de conhecerem bem mais de perto os seus interesses, talentos e dificuldades. Esse mergulho levou um número considerável de famílias a repensar o real propósito da escola. Também as colocou no controle da educação dos filhos e forçou-as a explorar, ou mesmo criar, novos modelos de aprendizagem.
O tão discutido ensino domiciliar, ou homeschooling, cuja regulamentação no Brasil foi aprovada pelo Congresso e está em vias de ser analisada pelo Senado, é uma dessas abordagens. De 2020 para cá, a modalidade cresce em vários países. Nos Estados Unidos, o total de famílias adeptas da prática aumentou 63% em dois anos. Na Inglaterra, o crescimento foi de 34%, na Austrália, de 22%. No Brasil, o número de pais trilhando esse mesmo caminho passou de 7,5 mil, em 2018, para atuais 22 mil, segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar. Grande parte desse aumento repentino foi, sem dúvida, devido ao fechamento das escolas ou outras preocupações dos pais com a covid. No entanto, o que se pensava ser um surto temporário, que arrefeceria junto com a pandemia, está se revelando um novo modo de vida para muitas famílias.
Com o ensino remoto, as famílias mergulharam no cotidiano escolar dos filhos de forma inédita; agora, querem mudanças
Em alguns lugares do mundo, principalmente nos Estados Unidos, boa parte do crescimento atual se deve à popularidade dos chamados pods de aprendizado, pequenos grupos de crianças reunidos sob supervisão de adultos para o ensino em casa. Organizados durante as fases iniciais da pandemia, os pods se tornaram a tendência mais relevante do ensino básico americano dos últimos tempos, com força para redefinir as escolas e a educação nos próximos anos. Cerca de 31% dos pais de alunos do ciclo básico americano que participaram de uma pesquisa da EdChoice, em dezembro, estão cogitando tirar o filho da escola para ensiná-lo em casa ou num pod.
É um descabimento, um completo absurdo, pensar ou considerar o homeschooling em um país como o Brasil, onde 48% das crianças são analfabetas e 80% dos pais são de famílias com enormes dificuldades financeiras e emocionais. Porém, apesar de o ensino domiciliar ser incipiente por aqui, a realidade de uma ínfima minoria, o apoio à modalidade vem registrando um aumento expressivo, segundo dados do Instituto DataSenado. Em uma pesquisa de 2019, 20% dos entrevistados eram a favor do direito dos pais de educar os filhos em casa. Em 2020, esse percentual subiu para 36% - um aumento de 80%. A parcela dos que eram contrários à prática caiu de 76% para 61%.
Não podemos atribuir esse movimento simplesmente às questões ideológicas. Há, na verdade, um profundo descontentamento com o modelo de escola oferecido hoje, seja no formato, no conteúdo ou no seu propósito em si. Ao contrário das últimas décadas, o homeschooling atual é impulsionado por um grupo de famílias demograficamente, geograficamente e ideologicamente diverso, que busca um ensino mais centrado no aluno e quer ter um papel mais ativo na educação dos filhos. A tecnologia tem um papel crucial na disseminação da modalidade. Quem adere ao método hoje tem uma infinidade de recursos online à sua disposição. Apesar disso, são raríssimas as famílias que têm condições de dar suporte para os filhos estudarem em casa e aprenderem de fato. Muitas não querem nem se sentem preparadas para a tarefa.
A grande maioria dos pais que está descontente com a educação não quer o fim da escola. Eles veem a experiência da pandemia e do ensino remoto como uma oportunidade para mudar muita coisa na educação, mas acreditam que a família e a escola desempenham papéis complementares e devem trabalhar juntas. As novas expectativas dessas famílias se refletem em uma série de pesquisas, todas apontando para a crescente demanda por maneiras diferentes de educar. Uma delas foi realizada pelo Center for Universal Education, do Brookings Institute. Entre maio de 2020 e janeiro de 2021, foram ouvidos 25.000 pais de 14 localidades em 10 países sobre as suas convicções, motivações e anseios em relação ao ensino. Os resultados derrubaram estereótipos.
A ideia de que a maior parte dos pais ainda vê a educação como meio para os filhos entrarem na faculdade e conseguirem bons empregos, por exemplo, se mostrou ultrapassada. Em lugares tão díspares como Estados Unidos e Gana, Austrália e Botswana, famílias com diferentes níveis de renda, inclusive os mais pobres, disseram que o papel da educação é ajudar os alunos no seu desenvolvimento socioemocional, no autoconhecimento e na descoberta de um propósito para a vida. Em apenas três locais o desempenho acadêmico foi apontado como o objetivo principal.
Toda essa movimentação das famílias deveria nos servir de bússola para nos guiar na reestruturação das escolas. Pois se temos alguma certeza em relação ao futuro é que a escola daqui a dez anos pode, sim, ser aquilo que nós, famílias e sociedade, sonharmos se estivermos dispostos a concretizar este sonho juntos.
*Ana Maria Diniz é fundadora do
Instituto Península, que atua na formação de professores; empresária e
conselheira do Todos pela Educação. Imagem da Internet
Fonte: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-futuro-da-escola.ghtml 15/06/2022
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