segunda-feira, 27 de junho de 2022

O professor que foi punido por rezar em escola e motivou decisão histórica da Suprema Corte dos EUA

Por BBC

O treinador escolar Joseph Kennedy em frente à Suprema Corte dos EUA — Foto: Win Mcnamee/Via BBC 

O treinador escolar Joseph Kennedy em frente à Suprema Corte dos EUA — Foto: Win Mcnamee/Via BBC

Em caso sobre separação entre religião e Estado, juízes determinaram que funcionário público de escola pode expressar sua religiosidade e entram em conflito com um longo histórico de casos analisados pela Suprema Corte dos EUA sobre o limite de atividades religiosas dentro da educação pública.

A Suprema Corte americana decidiu que uma escola pública errou ao punir seu técnico de futebol americano por fazer orações após os jogos de seu time.

De acordo com a decisão, os atos de Joseph Kennedy são protegidos pelo direito constitucional à expressão religiosa.

A escola argumentou que as orações conduzidas pelo treinador e funcionário público, que se ajoelhava no meio do campo, poderiam forçar alunos de crenças diferentes ou ateus a participar de um ato religioso cristão.

O caso foi considerado um teste importante da separação entre religião e Estado nos EUA.

Apoiadores do treinador Joseph Kennedy do lado de fora da Suprema Corte — Foto: Getty Images/Via BBC

Apoiadores do treinador Joseph Kennedy do lado de fora da Suprema Corte — Foto: Getty Images/Via BBC

Por 6 votos a 3, o tribunal de maioria conservadora decidiu que a escola violou o direito de Kennedy a "uma expressão religiosa pessoal, com base em uma visão equivocada de que [a Constituição] tem o dever de suprimir expressões religiosas mesmo que permita um discurso secular".

No texto que justifica os votos que apoiam os atos do técnico de futebol americano, o juiz Neil Gorsuch afirmou que "a Constituição não exige nem tolera esse tipo de discriminação".

O histórico recente da corte (ler mais abaixo) era de evitar o envolvimento de práticas religiosas em atividades que envolvem o Estado.

Já a juíza Sonia Sotomayor, que votou contra, escreveu que a decisão "é particularmente equivocada porque aumenta os direitos religiosos de um representante escolar, que voluntariamente aceitou o emprego público e os limites de tal cargo".

Kennedy teve a ideia de rezar depois das partidas de sua equipe depois de assistir na TV a Facing the Giants (Encarando os Gigantes, em tradução livre).

O filme de 2006 mostra um treinador de uma pequena academia religiosa que levou seu time a ganhar um campeonato estadual de futebol depois de pregar valores cristãos a seus jogadores, incluindo a realização de orações, 

Na época, Kennedy cogitava assumir o cargo de técnico de futebol americano em uma escola de ensino médio em Bremerton - cidade perto de Seattle no Estado de Washington - apesar de ter pouca experiência no esporte.

A esposa trabalhava para as escolas da região, e ele recebeu a oferta com base em sua experiência como fuzileiro naval dos EUA, quando jogava partidas de vez em quando.

Ele aceitou o emprego e, nos sete anos seguintes, rezou em campo após os jogos - às vezes sozinho, às vezes com jogadores - aparentemente com pouca atenção ou controvérsia.

'Endosso da escola'

Isso mudou depois de um jogo em setembro de 2015, quando um treinador adversário notificou o diretor da escola de Bremerton sobre as orações.

A escola informou a Kennedy que os atos poderiam ser interpretados como um endosso da instituição à religião, que entra em conflito com um longo histórico de casos analisados pela Suprema Corte dos EUA sobre o limite de atividades religiosas dentro da educação pública.

Kennedy se recusou a atender às ordens da escola e acabou ganhando destaque na mídia, com uma multidão de espectadores reunidos no campo ao redor do treinador. A escola decidiu colocá-lo em licença. 

No final de seu período, em vez de tentar renovar seu contrato de um ano com a escola, ele processou o distrito escolar por infringir seu direito constitucional à liberdade de religião e percorreu o país para falar sobre seu caso.

E assim começou uma batalha de seis anos nos tribunais que envolve vários aspectos da Primeira Emenda da Constituição dos EUA - que protege a liberdade de expressão e o exercício religioso, mas também proíbe a imposição de uma religião pelo Estado.

Na Suprema Corte, o advogado de Kennedy argumentou que ele era simplesmente um cidadão comum que desejava poder expressar suas crenças religiosas pessoais após a conclusão de seus deveres oficiais como treinador.

O distrito escolar de Bremerton, disse o advogado, punia o técnico por exercer seus direitos, violando suas proteções constitucionais.

Já o representante legal da escola contrapôs que as ações de Kennedy foram muito mais do que orações privadas - eram exibições públicas em grupo realizadas na propriedade da escola, o que poderia ter um efeito coercitivo sobre estudantes e atletas com diferentes crenças religiosas.

Histórico da Suprema Corte era de apoiar limitações

Traçar limites como esse é recorrente para juízes da Suprema Corte. São consideradas questões complicadas que envolvem direitos e proteções constitucionais.

Em 2000, uma maioria de 6 a 3 da Suprema Corte decidiu que a oração liderada por estudantes antes de um jogo de futebol, transmitida pelo sistema de som da escola, era um endosso inconstitucional do governo à religião.

Uma pequena maioria de 5 a 4 em 1992 considerou que uma oração liderada por religiosos em uma formatura de escola pública era inerentemente coercitiva e, portanto, inconstitucional.

Um dos casos que mais importantes sobre essa temática é "Lemon vs Kurtzman", de 1971, que estabeleceu um teste em três partes sobre a constitucionalidade de uma lei.

Primeiro, as leis devem ter um "propósito legislativo secular". Segundo, a legislação não pode sustentar nem inibir a religião. E, por último, o governo não pode estar "excessivamente envolvido com a religião".

O tribunal cada vez mais conservador abandonou o "teste de Lemon" em favor de leis que permitem ou até mesmo apoiam a expressão religiosa - e a decisão do tribunal neste caso torna esse movimento explícito.

A juíza Sotomayor afirmou que a decisão leva a um "perigoso caminho em forçar os Estados a se envolver com a religião, colocando os nossos direitos em jogo".

Defensores conservadores da liberdade religiosa vinham pedindo exatamente esse movimento.

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