Crónica de Anselmo Borges*
É evidente que o Papa Francisco foi e é uma bênção para a Igreja e para o mundo
e a História não vai esquecê-lo.
A
notícia percorreu mundo e nenhum dos grandes meios de comunicação
social internacionais terá ignorado a notícia sobre a possibilidade de o
Papa Francisco resignar em breve, abrindo caminho à sua sucessão à
frente da Igreja Católica. Isso concretamente a partir do momento em que
foi visto numa cadeira de rodas e em que se viu obrigado a adiar a sua
viagem nos princípios de Julho à República Democrática do Congo e ao
Sudão do Sul.
Para os rumores sobre a renúncia contribuíram sobretudo três factores.
Em
primeiro lugar, sabe-se que Francisco está doente, sofre concretamente
de dores no joelho da perna direita, que o impedem de estar em pé e o
obrigam a andar em cadeira de rodas e de bengala. Ora, ele próprio já
dissera a propósito de uma operação ao intestino: "Sempre que o Papa
está doente corre brisa ou furacão de conclave"; de qualquer forma,
acrescentou, "não lhe tinha passado então pela cabeça renunciar." De
qualquer modo, já em 2014 afirmou que "Bento XVI não é caso único", o
que faz pensar que não exclui a resignação no caso de se sentir
impossibilitado de exercer o cargo.
Outro
fundamento para os rumores assenta em que durante as conversas de
preparação para o conclave no qual Francisco foi eleito ficou claro que
uma das tarefas essenciais para o novo Papa era uma reforma funda da
Cúria Romana. Ora, essa reforma, preparada durante nove anos de
pontificado, é o tema da Constituição Apostólica "Praedicate Evangelium
(Pregai O Evangelho)", que entrou em vigor no passado dia 5 deste mês de
Junho. Levada à prática, poderá constituir uma autêntica revolução na
Igreja, já que deixa de ser uma Igreja auto-centrada, auto-referencial,
para ser uma Igreja em saída, aberta ao mundo, uma Igreja que deixa de
ser piramidal para ser uma Igreja sinodal, em que verdadeiramente todos
participam, segundo o princípio: "o que é de todos deve ser decidido por
todos".
Por outro lado,
Francisco convocou um consistório para a nomeação de 21 novos cardeais,
16 dos quais possíveis eleitores. Isto significa que, no caso de um
conclave, a maior parte dos cardeais eleitores já são da
responsabilidade de Francisco. Significativamente, este consistório para
o qual estão convocados todos os cardeais realizar-se-á nos dias 27 e
28 de Agosto, também com a intenção de estudo e aplicação da nova
Constituição. Para acentuar os rumores, Francisco anunciou que no dia 28
de Agosto participará na celebração do "Perdão" em Áquila, no centro da
Itália. Que tem de especial este anúncio? Essa celebração foi
instituída por Celestino V, e é em Áquila que se encontra o seu túmulo.
Ora, Celestino V é o Papa que, passados pouco mais de quatro meses de
pontificado, renunciou ao cargo em 1294, retirando-se para uma vida
contemplativa. Mais: por coincidência ou não, Bento XVI, pouco tempo
antes de anunciar a sua resignação, também foi visitar o túmulo de
Celestino V.
Entretanto,
Francisco, apesar de ter adiado a viagem a África e ter cancelado, nesta
passada Quinta-Feira, a Missa e a Procissão do Corpo de Deus, continua a
trabalhar. As viagens anunciadas continuam na agenda, nomeadamente ao
Canadá no final de Julho, onde quer pedir perdão a grupos indígenas
maltratados pela Igreja Católica, e ao Cazaquistão em Setembro, também
para poder, pensando na tragédia da Ucrânia, encontrar-se com Cirilo,
Patriarca Ortodoxo de Moscovo...
Por
outro lado, dadas as resistências na Cúria - dizia recentemente Óscar
R. Maradiaga, o cardeal que presidiu ao grupo de cardeais que prepararam
a Constituição "Pregai o Evangelho": "É preocupante: perante a reforma
que a Constituição quer há uma greve de braços caídos na Cúria" -
Francisco, que já uma vez disse que é "mais difícil reformar a Cúria do
que limpar a esfinge do Egipto com uma escova de dentes", quererá
discutir com o colégio cardinalício a necessidade da implementação da
reforma. E certamente terá ainda a intenção de presidir ao Sínodo sobre a
sinodalidade em Outubro de 2023.
Depois,
há convergência de opiniões, referindo que dificilmente Francisco
renunciará enquanto Bento XVI viver. E pode-se pensar no Presidente
Roosevelt que numa cadeira de rodas governou durante a Segunda Guerra
Mundial. De qualquer modo, Francisco não está a pensar renunciar em
breve. Os testemunhos de figuras muito próximas vão nesse sentido.
Assim, Maradiaga veio esclarecer que "os rumores de renúncia são
telenovela barata", não passando de "notícias falsas".
Também
Guillermo Marcó, ex-porta-voz de Francisco enquanto cardeal, declarou
depois de um encontro recente: Francisco continua "com muito bom ânimo,
super atento e conduzindo com energia e coragem a Igreja; para lá do
problema no joelho, que está em pleno processo de superação, o Papa
encontra-se perfeitamente bem e não está de modo nenhum a pensar em
renunciar".
Seja como for, mais
tarde ou mais cedo, a renúncia virá. E é agora a ocasião propícia para
pensar na situação em que fica um ex-Papa, não só quanto ao seu estatuto
mas até do ponto de vista da residência, pois, por mais liberdade que o
ex-bispo de Roma queira, não é fácil, pensando na responsabilidade em
termos da sua segurança, encontrar um Estado disposto a acolhê-lo.
É
evidente que o Papa Francisco foi e é uma bênção para a Igreja e para o
mundo e a História não vai esquecê-lo. A pergunta é: quem se segue a
partir de um conclave próximo? Pessoalmente, gostaria que fosse o
cardeal Luis Tagle, que vem da Ásia e segue as pegadas de Francisco.
*Anselmo Borges no Diário de Notícias Padre e professor de Filosofia. Escreve de acordo com a antiga ortografia. Imagem da Internet
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