Na vida comum das comunidades cristãs, muitas vezes falta um olhar para os casais que moram juntos, um olhar que não tenha o matrimônio como seu objetivo primeiro e muitas vezes único.
O comentário é de Sergio Di Benedetto, colaborador de diversas realidades eclesiais italianas e doutor em Literatura Italiana pela Universidade da Suíça Italiana, em Lugano. O artigo foi publicado por Vino Nuovo, 21-06-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Nesta quarta-feira, 22, em Roma, começa o 10º Encontro Mundial das Famílias, que concluirá o ano Amoris laetitia. Nesses meses, portanto, deveria ter havido uma atenção particular ao tema da família nas atividades comunitárias, mesmo que se sobrepondo aos vários caminhos sinodais.
Valerá a pena, então, lançar luz sobre uma situação que se cruza com a familiar e que diz respeito a hoje de um modo muito forte, ou seja, a da coabitação.
Na Itália, em 2020, havia um milhão e meio de coabitações; um em cada três filhos nasceu de casais que moram juntos. São dados que os agentes de pastoral envolvidos nos vários caminhos de preparação ao matrimônio conhecem bem, pois nos vários “cursos de noivos” a maioria dos casais já mora junto, e não raramente com filhos.
Trata-se de casais que chegam à escolha do matrimônio religioso (seja por convicção, seja por convenção) depois de anos de convivência. E, em todo o caso, esta é uma porcentagem minoritária de todos os casais que coabitam, isto é, nos quais há uma união estável entre um homem e uma mulher (omito deliberadamente os casais homossexuais, porque isso implica outros temas pastorais e eclesiais).
Portanto, diante desses números, que, aliás, são a realidade cotidiana – quem não tem amigos, conhecidos, parentes que moram juntos? – surge a pergunta obrigatória: que tipo de pastoral ordinária pensamos e implementamos para os casais que coabitam? Estou falando dos casais, antes do que dos filhos (isso merece um raciocínio à parte).
A nossa pastoral parece muitas vezes oscilar entre o esquecimento e a falsa indiferença, por um lado, e o proselitismo, por outro. Ou seja, por um lado, fingimos que certas situações, embora envolvendo muitas pessoas, não existem; por outro lado, assim que nos aproximamos de um casal que mora junto (talvez para o batismo de um filho), notamos o preconceito de uma “falta relacional” e sentimos imediatamente o dever de “sugerir” as “bodas religiosas”, quase uma reflexão incondicional herdada dos tempos em que se casar significava “curar” e “regularizar” situações “irregulares”. Ou, melhor: a única proposta pastoral que não raramente sabemos fazer e na qual conseguimos pensar é a do matrimônio religioso, razão pela qual que a comunidade cristã só parecer poder oferecer o caminho do matrimônio religioso a um casal que coabita.
Mas isso é realmente eficaz, é realmente bom, é realmente evangélico, é realmente inteligente, ou seja, capaz de ler aquilo que é a realidade?
Pensar em uma pastoral para os coabitantes, que capte as sementes de amor, de fecundidade, de estabilidade, de graça presentes em tais relações, valorizando-as, acolhendo-as, abrindo-se também a um diálogo recíproco entre experiências, não significa diminuir ou negar a fé cristã no sacramento do matrimônio, mas significa captar as situações reais, olhar para a vida das pessoas, saber compreender os caminhos, ter a coragem de nos deixarmos evangelizar.
Não podemos relegar o encontro entre a comunidade cristã e os casais que moram juntos apenas ao momento em que eles decidem pelo matrimônio religioso. Se isso não ocorrer durante anos, vamos nos limitar a ignorar tais existências? Temos fé na força e na beleza do sacramento do matrimônio, mas também devemos ousar fazer outra coisa, evitando o terrível mal-entendido de instrumentalizar situações para alcançar um propósito que corre o risco de ser meramente “normativo”, se não nascer de uma resposta livre a um caminho interior e de casal.
Nem sempre, nem imediatamente, nem obrigatoriamente quem deve agir é o “reflexo regularizador” (forma jurídica da pureza sexual como primeira preocupação).
É importante, parece-me, poder dizer que, em cada situação da vida, há uma Palavra boa para as pessoas; em cada situação da vida, há uma semente do Espírito; em cada situação da vida, é possível um seguimento a Cristo, que sempre será um pouco manco, um pouco incerto, talvez com intensidades diferentes.
Mas Cristo é para todos, não para alguns. Esse é um dos núcleos da Amoris laetitia, mas sobretudo da Evangelii gaudium. É urgente pensar em uma pastoral que traga no coração também os casais que coabitam, que supere a dialética lícito/ilícito (que no cotidiano paroquial se torna um simples “quem pode comungar? Quem pode se confessar?”), que não marque diferenças entre batizados em classes de mérito.
Os recentíssimos “Itinerários catecumenais para a vida matrimonial” (embora dentro de impulsos nem sempre harmoniosos e harmonizados) dão alguma margem teórica de trabalho [1], embora sempre subordinada a uma proposta de matrimônio cristão (como é óbvio, dada a natureza do documento).
Ainda com dificuldade, tentamos sair do modelo familiar “comercial de margarina”, atualização do “modelo santinho”, para uma visão bem mais concreta, complexa, menos esquemática da vida familiar. Mas é hora de pensar além dos esquemas, é hora de nos deixarmos solicitar por aquela é a vida cotidiana de muitos.
No poço da Samaria, Jesus não disse à mulher para “regularizar” a sua situação, para se conformar com as normas da pureza, mas se pôs ao seu lado para perguntar, escutar, dialogar, dizer que ali havia chegado a salvação da sua vida.
Talvez devêssemos voltar ao poço do Sicar e entender que há água para todos. As escolhas talvez possam ser consequentes, na liberdade dos filhos de Deus. Mas não serão o fim da nossa proximidade.
Nota:
1. "No entanto, a presença já generalizada de casais coabitantes e com filhos que pedem para se casar na Igreja requer, paralelamente à pastoral vocacional evolutiva que aqui se propõe, a elaboração de caminhos locais centrados na realidade concreta desses casais, que certamente precisam de um cuidado e de uma atenção especiais em relação aos noivos que, de algum modo, já vivem uma experiência de vida cristã” (p. 98).
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