domingo, 22 de janeiro de 2012

Adote um americano

Moisés Mendes*

Veja as escolhas que você poderá fazer daqui a pouco: ter um pedreiro haitiano, uma diarista peruana, um cozinheiro grego, ou um gerente de finanças americano. Os executivos financeiros, expurgados em 2008 de bancos de investimentos e outros birôs de maracutaias, estão vindo para cá. Chegam com enxames de trabalhadores de todas as áreas (dizem que até toureiros espanhóis) atraídos pelo Brasil potência.
Os zumbis desempregados de Wall Street vêm para um paraíso. Vão operar no país do mais alto juro do mundo, que paga (na proporção do que cobra), para quem aplica em alguma coisa, o juro mais baixo do mundo. No ano passado, a poupança teve ganho real de 1% no confronto com a inflação. Um por cento num ano. Outras aplicações renderam em torno de 3%. O meu, o seu, o nosso Fundo de Garantia “rendeu” pouco mais da metade da inflação.
FGTS não é aplicação financeira, é poupança assegurada pelas empresas. Mas rende ganhos para o governo. Todos ganham com o nosso FGTS, menos nós. O governo lucrou mais de R$ 13 bilhões com o Fundo no ano passado. Os empresários ficam quietinhos porque fazem empreitadas pagas com o dinheiro do Fundo.
O ex-presidente do Banco Central Pérsio Arida trata o “rendimento” do FGTS, pago ao trabalhador, como “um roubo”. E identifica um pacto de silêncio entre governo, empresários e sindicatos, enquanto o roubo acontece.
Arida diz que o FGTS é denunciador de cinismos. A esquerda no poder se aproveita do Fundo enquanto ainda fala em socialização de ganhos para os trabalhadores. E a direita dita liberal perde a chance de brigar pela distribuição dos lucros do Fundo como belo exemplo de que o capitalismo é virtuoso na partilha de oportunidades.

"São as famílias americanas,
sem casa e sem grama, que nos enviam
agora seus filhos sem-banco.
O Brasil deve acolhê-los,
porque há grama para todos."

Os executivos extraviados de NY vêm para este país de juros e rendimentos exóticos, bem adequado ao que faziam até a quebradeira. Há bancos contratando os meninos. É como se uma construtora brasileira absorvesse equipes de engenheiros de prédios que acabaram de ruir nos EUA – e sem que ninguém seja culpado. O que eles nos ensinarão? Qual é sua expertise, como se diz hoje?
O filme O Dia antes do Fim mostra como o comando de um grande banco, que seria o Lehman Brothers, o primeiro a falir em 2008, tenta entender o que se passa às vésperas da quebradeira. O chefão pede a um garotão da área de gestão de riscos que explique o que se passa, mas que fale como se estivesse se dirigindo a uma criança. O chefão é a criança. O filme tem o tom de um documentário. Homens abobalhados e garotos agressivos, perseguindo resultados a qualquer custo com cestas de tomates podres, quase quebraram o mundo.
Pois os boys do Lehman Brothers estão vindo para o país dos lucros bancários mais fantásticos da Terra. É assim que o mundo funciona. Executivos financeiros impulsivos são bem pagos para, de vez em quando, arrasar economias, desempregar, roubar sonhos e continuar tudo de novo em algum lugar acolhedor. Nada os controla.
Nos anos 80, Leminski escreveu para Caetano cantar: De repente vendi meu filho/ Para uma família americana/ Eles têm carro, eles têm grana/ Eles têm casa e a grama é bacana./ Só assim ele pode voltar/ E pegar um sol em Copacabana.
São as famílias americanas, sem casa e sem grama, que nos enviam agora seus filhos sem-banco. O Brasil deve acolhê-los, porque há grama para todos. Mas confie mais nos cozinheiros gregos.
-----------------------
*Jornalista
Fonte: ZH on line, 22/01/2012
Imagem da Internet

Nenhum comentário:

Postar um comentário