O ensaísta Joseph Epstein. Segundo ele, o sexo continua sendo o principal tema
das conversas sobre a vida dos outros (Foto: divulgação)
Escritor americano afirma que fofocar é
uma inclinação natural humana –
e isso não é necessariamente ruim
O ensaísta americano Joseph Epstein é um estudioso das características universais dos seres humanos. Já escreveu livros sobre a amizade, a inveja e a ambição. Em sua obra mais recente, Gossip (Fofoca), afirma que falar das pessoas – na ausência delas – é uma dessas inclinações naturais. “A única coisa errada com o Jardim do Éden é que não havia ninguém sobre quem Adão e Eva pudessem fofocar”, diz Epstein, em tom bem-humorado. Na sociedade contemporânea, não só há material suficiente para fofoca – somos 7 bilhões de pessoas –, como também um novo meio, a internet, que torna públicos os comentários antes restritos a um pequeno círculo. Nesta entrevista a ÉPOCA, Epstein discute essas mudanças e os lados positivos e negativos desse hábito tão humano.
ÉPOCA – Por que a fofoca é algo universalmente humano?
Joseph Epstein – Não há assunto mais interessante que as outras pessoas. Analisar seus erros, suas pretensões, suas hipocrisias. É muito difícil evitar a fofoca. Não tive de correr atrás do assunto desse livro. As pessoas me ligavam para contar fofocas interessantes!
ÉPOCA – Mas o que é fofoca?
Epstein – Ao longo do livro, uso várias definições. A primeira considera fofocas os comentários sobre pessoas de nosso círculo – não sobre celebridades. Outra definição é do colunista Earl Wilson: “É ouvir algo de que você gosta sobre alguém de quem você não gosta”. De fato, não gostamos de ouvir fofocas sobre nossos parceiros, pais, filhos...
ÉPOCA – O conceito de fofoca mudou ao longo da história?
Epstein – A fofoca começa como algo pessoal: pessoas falando sobre seus amigos ou inimigos nas pequenas cidades, nos vilarejos. Em algum momento do século XVII, quando a imprensa foi inventada e logo depois vieram os jornais, fofocar era falar dos ricos, dos nobres, das pessoas em posições de destaque. A fofoca começou a ser menos sobre pessoas e mais sobre celebridades e, com o jornal, tornou-se mais pública que privada. Agora, com a internet, há fofoca pública sobre pessoas privadas. A fofoca começou como algo privado, tornou-se público e virou algo privado com alcance público. É uma grande mudança, que traz vários riscos, porque fica mais difícil se livrar de uma fofoca que se espalha on-line.
ÉPOCA – Isso quer dizer que a influência da fofoca aumentou?
Epstein – A fofoca na política é algo cada vez maior. O vazamento de informações com a intenção de destruir quem ocupa altos cargos é uma forma poderosa de fofoca. A fofoca não é uma ocupação trivial, ela tem consequências. No início, era vista como algo praticado por donas de casa, trivial, mas isso nunca foi verdade.
ÉPOCA – Mas a imagem da fofoca ainda está muito atrelada às mulheres...
Epstein – Há estudos que mostram que isso não é verdade. Os homens têm tanto apreço pela fofoca quanto as mulheres. É um quesito em que há igualdade de sexos! Gosto mais de fofoca que minha mulher, confesso. Sei que há pessoas que diriam: “Não quero ouvir se for fofoca”. Mas ser assim é também perder várias informações importantes.
ÉPOCA – De que tipo de fofoca o senhor gosta?
Epstein – A fofoca tem uma reputação muito má porque pode ser perversa. Esse tipo de fofoca não me interessa, pessoalmente. Tenho um amigo, que morreu recentemente, que morava em Londres e me ligava no meio da manhã perguntando: “Com quem será que Fidel Castro está saindo?” Isso não tem nada de perverso. Gosto de fofocar a respeito das falhas de caráter das pessoas, suas vaidades, suas hipocrisias.
ÉPOCA – A fofoca tem lados positivos?
Epstein – O ponto positivo mais fundamental é manter as pessoas dentro de certos limites. Se elas temem ser alvo de fofoca, podem tentar evitar ter um caso extraconjugal, vão pensar na reação da comunidade. Outro aspecto bom da fofoca mostra-se no trabalho. Se alguém está tentando uma promoção dentro da empresa, pode ser útil ter informações sobre os outros candidatos, inclusive se um deles está dormindo com o chefe ou se outro teve um colapso nervoso. Mas há também um lado trapaceiro: um assunto ser fofoca não significa que ele seja verdadeiro – ou falso. É sempre preciso verificar sua veracidade, avaliar se a fofoca é plausível e perguntar-se quais as motivações de quem a contou. Há uma imensa variedade de motivos para contar uma fofoca. Para se vingar, para contar vantagem e até para jogar charme – fofocar é uma atividade íntima. Quando duas pessoas que não se conhecem se encontram, um primeiro impulso é fofocar sobre os possíveis assuntos de interesse. É uma sutil transação social.
"Minha mãe não contou a meu pai
que o pai dela havia se suicidado.
Se fosse hoje, essa informação seria revelada
no segundo encontro"
ÉPOCA – Hoje, as pessoas revelam tanto de sua vida nas redes sociais e em blogs que parece não haver mais segredos sobre os quais fofocar.
Epstein – Coisas que um dia foram fonte de vergonha hoje são assuntos de livros de memória. Meu pai abusou de mim, minha mãe era alcoólatra, meu irmão é pedófilo... Cinquenta anos atrás, quando essas coisas aconteciam, as pessoas queriam bloqueá-las de sua vida, que dirá então da vida das pessoas próximas. Agora, tudo se tornou material de memórias. Isso acontece por causa do que chamo de “triunfo da terapia”. Hoje a pior coisa, segundo a psicoterapia, é reprimir-se. Então, as pessoas revelam informações que antes criavam uma desgraça social. Não estou muito certo de que isso seja um progresso.
ÉPOCA – Revelar mais informações sobre si próprio estimula a fofoca ou ajuda a preveni-la?
Epstein – Se alguém escreve em suas memórias que sofreu abuso sexual, de certa forma evita que outras pessoas fofoquem a respeito. Os outros só podem se sentir tristes pelo que aconteceu.
ÉPOCA – Qualquer assunto se presta a fofoca?
Epstein – Mesmo hoje em dia, em que há mais notícias sobre o assunto e muito mais tolerância, o sexo continua o principal tópico das fofocas. Está nas manchetes de todos os jornais americanos. O escândalo do ex-presidente do FMI Dominique Strauss-Khan, acusado de estuprar uma camareira, o escândalo do pré-candidato republicano Herman Cain, acusado de assediar sexualmente várias mulheres... Mas há outros grandes temas: qualquer coisa relacionada ao poder e à hipocrisia, principalmente daqueles que se arrogam princípios morais muito elevados e revelam não ter nenhum.
ÉPOCA – Existem pessoas que conseguem não fofocar sobre nada?
Epstein – É uma questão de padrões morais muito elevados. Houve um tempo em que as pessoas não fofocavam tão abertamente, que mulheres de classe média não falavam sobre sexo. No máximo, diriam: “Eles estão tendo um caso!”. Hoje, como menciono em meu livro, a biografia da princesa Diana feita por Tina Brown diz que o divórcio entre ela e Charles aconteceu porque a princesa se recusava a praticar alguns “favores sexuais”. Isso soaria tão ultrajante há alguns anos! Ninguém teria sussurrado isso, quanto mais publicado em livro! É uma fofoca cuja veracidade não conseguiremos checar. Essa é uma mudança social muito grande.
ÉPOCA – Mas falar mais de um assunto que antes era tabu, como sexo, não é algo positivo?
Epstein – É sempre difícil decidir. Nos Estados Unidos, o ex-presidente Franklin Delano Roosevelt teve um caso extraconjugal durante o mandato com uma mulher chamada Lucy Mercer Rutherfurd. Todos os jornalistas que trabalhavam em Washington sabiam. Mas achavam que não deveriam publicar essa informação porque a Presidência era uma instituição e Roosevelt era um grande homem. Por que, então, derrubá-lo? Era sua vida privada e não parecia estar afetando seu trabalho. Ninguém falou do assunto até 50 anos depois de sua morte. Hoje temos o presidente Bill Clinton e o escândalo com Monica Lewinsky.
A esfera que protegia o presidente só quebrou no governo de Lindon Johnson e, depois, no de Richard Nixon. Havia um sentimento tão forte contra a Guerra do Vietnã nos Estados Unidos e uma sensação tão forte de que o presidente estava enganando os jornalistas, que estes começaram a publicar tudo o que conseguiam contra o presidente. Uma vez que isso aconteceu, o líder dos Estados Unidos não estava mais a salvo de fofocas e especulações.
ÉPOCA – Isso quer dizer que estamos caminhando para um mundo com mais fofocas?
Epstein – A fofoca pode ter seu charme, pode entreter, pode dar prazer, mas, se houver só isso, rebaixa o tom da comunicação da sociedade. Fofoca, como sexo, é um ótimo esporte para lugares fechados, mas não queira fazer mais do que pode. Quando a fofoca domina a política, o jornalismo, o entretenimento, de repente a sociedade desce um degrau na escala da dignidade, da privacidade.
ÉPOCA – Em seu livro, o senhor “fofoca” sobre sua própria vida familiar e revela um segredo que sua mãe guardou toda a vida. Por que decidiu fazê-lo?
Epstein – Pensei em contar essa história porque ela ilustra como o mundo mudou. Ao contá-la, vejo como minha mãe foi heroica em guardá-la – e como não sou igual a ela. Minha mãe não contou a meu pai, o homem que ela amava, que o pai dela, meu avô, havia se suicidado. Se fosse hoje, essa informação seria revelada no segundo encontro. E isso é muito revelador do tempo em que vivemos. Minha mãe era uma pessoa muito equilibrada, mas suponho que guardar esse segredo por toda a vida lhe causou sofrimento.
------------------------------Reportagem por LETÍCIA SORG
Fonte: Revista ÉPOCA on line, acesso: 26/01/2012
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