sábado, 14 de janeiro de 2012

Um aperitivo para um ano de histórias

CONVERSA AFIADA
 No encontro, ontem à tarde, na redação de ZH, Tabajara e Celito “se entrevistaram”
sobre as histórias da II Guerra Mundial
e episódios policiais no Estado
Tabajara Ruas e Celito De Grandi conversam sobre as histórias que contarão, em ZH, ao longo de 2012São muitas as coincidências que ligam o escritor Tabajara Ruas e o jornalista Celito De Grandi. Além da idade – ambos completam 70 anos em 2012 –, os dois têm em comum a origem em cidades cortadas por um rio e suas ferrovias, e são conhecedores profundos da História, seja de forma ocular ou por exaustiva pesquisa.
Foi buscando essas peculiaridades que os dois se encontraram, ontem, na redação de Zero Hora, para entrevistar um ao outro. Se, por muitas vezes, suas histórias se cruzaram, os dois agora se encontram nas páginas de ZH.
Tabajara estreia hoje, no Caderno Cultura, a série Você Sabe de Onde Eu Venho – um folhetim histórico sobre o Brasil na Segunda Guerra Mundial. E, neste domingo, Celito publica seu segundo Boletim de Ocorrência – série sobre episódios policiais marcantes do Estado. Até o final do ano eles estarão presentes nos finais de semana dos gaúchos, mostrando fatos que marcaram a História.

TABAJARA ENTREVISTA


“Aqueles momentos nos porões do Piratini foram dramáticos”

Celito De Grandi
Tabajara entrevista Celito De Grandi

Fascinado por belas histórias, especialmente as que nortearam os rumos políticos, Tabajara Ruas não escondeu a curiosidade sobre os bastidores do movimento da Legalidade, uma das primeiras coberturas do jornalista Celito De Grandi. “Não foi balela, não” foi a resposta para qualificar os tempos difíceis vividos em 1961. Considerado um dos principais memorialistas gaúchos, Celito atuou nos maiores veículos de comunicação do Estado. Publicou quatro livros – um deles, Caso Kliemann, a história de uma tragédia, de 2010, já na terceira edição.

Tabajara Ruas – Em teu meio século de jornalismo, sei que uma de tuas grandes especialidades foi a entrevista. Diga uma entrevista que tenha te marcado?
Celito de Grandi – Eu ingressei no jornalismo em 1961, nas vésperas do episódio da Legalidade. Então eu me vi um “foca”, ainda, no meio de grandes jornalistas da redação nos porões do Palácio Piratini. Depois me dediquei à área cultural, fazendo entrevistas com os nomes mais significativos da época, como Erico Verissimo, Mario Quintana, Menotti Del Picchia, todos os grandes autores que vinham a Porto Alegre.

Tabajara – Tem alguma entrevista em especial, que te marcou, com o Erico Verissimo?
Celito – Com o Erico, eu tive a felicidade de fazer mais de uma, pois a cada lançamento de livro eu o entrevistava. Uma, cedida ao Correio da Manhã, quando eu trabalhava lá, foi selecionada para um livro com as melhores entrevistas do Erico. A vivência nessa área realmente me transformou.

Tabajara – Sobre a Legalidade, como foi essa temporada dentro do Palácio?
Celito – Nós nos revezávamos nos porões do Palácio Piratini acompanhando todos aqueles momentos que foram efetivamente dramáticos. Não foi nenhuma balela, não. Se não fosse o trabalho do governador Leonel Brizola na defesa da posse do vice-presidente da República João Goulart, certamente ele não assumiria. Os militares já estavam prontos para evitar que isso acontecesse.

Tabajara – A reportagem policial é capaz de elucidar crimes?
Celito – Eu nunca fui um repórter policial, mas eu chefiei a reportagem, orientei muitas coberturas nessa área e numa época em que, diferente de hoje, os jornalistas muitas vezes se travestiam de investigadores. Nós tivemos aqui no Rio Grande do Sul grandes repórteres da área policial e que, naquela época, acompanhavam e até ajudavam o trabalho da polícia, fazendo suas próprias investigações.

Tabajara – Sobre casos clássicos aqui no Estado, como o caso Kliemann, tu acha que foi efetivamente resolvido?
Celito – A polícia nunca chegou a uma conclusão definitiva sobre o assassinato da dona Margit Kliemann. Graças ao depoimento das filhas do casal, no meu livro eu trago alguns elementos novos, que permitem ao leitor tirar suas próprias conclusões. Além desse, temos muitos episódios interessantes e alguns deles vamos resgatar nessa série.

Tabajara – Podes contar uma para nós, que tu aches interessante?
Celito – Vou adiantar esse segundo episódio, que é uma história que me agrada muito, aconteceu em São Gabriel, sobre uma prostituta uruguaia que veio para o Brasil e instalou um cabaré famoso, com belíssimas mulheres, e que gerou uma certa antipatia dentro da cidade. E o final eu vou deixar para o pessoal acompanhar.

Tabajara – Tu és um homem da divisa com Santa Catarina, de Marcelino Ramos, que também é banhada pelo Rio Uruguai. Como a minha cidade, Uruguaiana. Tu também tens esse sentimento de vivenciar uma cultura diferente, por viver perto de uma “fronteira”?
Celito – A fronteira sempre me fascina. Tem uma definição que diz “as fronteiras são as cicatrizes da história”, e a minha infância e juventude foram muito marcadas pelo rio e pela viação férrea. Em Marcelino Ramos, passava o trem noturno das dez, e chegavam as pessoas que iam ao Rio de Janeiro e a São Paulo. Para mim era fascinante, eu ficava imaginando as aventuras fantásticas que eles iriam viver lá.

CELITO ENTREVISTA


“As pessoas sabem muito pouco sobre a II Guerra”
Tabajara Ruas
Celito entrevista Tabajara Ruas

Logo no início da entrevista, Celito De Grandi encurralou Tabajara Ruas: como saber, em um folhetim, o que é ficção e o que é realidade? Pergunta de repórter, resposta de escritor: não há como, disse Tabajara. E essa é a graça da literatura. Escritor, diretor de cinema e roteirista, Tabajara estudou Arquitetura e Cinema. Já publicou seis romances, com destaque para Netto Perde Sua Alma, que ganhou o Troféu Açorianos de melhor romance em 1996, além de diversos ensaios. Dirigiu, com Beto Souza, o longa-metragem homônimo, vencedor de 14 prêmios em festivais nacionais e internacionais de cinema, e atuou como roteirista em diversas produções. Atualmente, finaliza Senhores da Guerra, filme baseado em romance de José Antônio Severo.

Celito de Grandi – Teu trabalho é sobre um episódio importante do país, não é?
Tabajara Ruas – Sim, pretendo contar a história da participação do Brasil na guerra, mas como uma peça de ficção, misturando personagens fictícios com os reais.

Celito – Como o leitor vai distinguir o que é ficção e o que é realidade?
Tabajara – O truque é que não pareça que uma parte é ficção e outra é realidade. Os personagens têm de estar misturados, sem diferenças entre eles. É um recurso literário, que pode dar certo ou não.

Celito – O folhetim já está todo estruturado? Os capítulos, já adiantaste?
Tabajara – Tem de ser bem pensado pois, ao contrário de um romance tradicional, que tu escreve ao teu bel prazer e sem limitações, o folhetim é delimitado por contingências de espaço, de tempo. São 50 sábados, 50 capítulos até o final do ano. Revi todos os episódios que o Brasil participou, na guerra, e montei uma estrutura narrativa, onde cada episódio vai entrar em determinado momento.

Celito – Qual foi o papel do Getúlio na II Guerra? Muitos dizem que foi contraditório...
Tabajara – Foi, porque ele era contraditório. Quando começou a guerra na Europa, o Brasil vivia a Era Vargas, uma ditadura com cerceamento de liberdade e coisas que se identificavam com Hitler e Mussolini. Na verdade, a grande marca do Getúlio era a sua genialidade política, o jeito de utilizar das circunstâncias para estabelecer o seu parâmetro de poder.

Celito – Criar dois partidos políticos e comandar ambos eu acho uma das coisas mais geniais da história brasileira.
Tabajara – Com certeza. Assim como ele agia aqui, o Getúlio soube conversar com a Alemanha, com a Itália e com os Estados Unidos. Ficou enrolando todos durante dois anos, esperando ver para qual lado iria pender a balança. Ele não queria entrar do lado que perderia a guerra.

Celito – Acertou.
Tabajara – Sim, e tirou muita vantagem antes de o Brasil ir para a guerra. Começou a criar a indústria brasileira, criou uma marinha e uma aeronáutica – em um ano, vieram 1.400 aviões para o Brasil e foram comprados centenas de navios para a guarda costeira. O que me levou a escrever o folhetim é que, hoje, as pessoas sabem muito pouco sobre a guerra. Por exemplo, por que o Brasil entrou? Porque ele foi atacado, em seu território, por uma força estrangeira do outro lado do planeta. Foram afundados 33 navios na costa brasileira sem declaração de guerra.

Celito – Com certeza a série será imperdível...
Tabajara – Eu estive duas vezes lá na região da Itália onde os brasileiros estiveram. Os moradores mais antigos me contaram que as comunidades estavam passando fome e os ingleses queimavam toda a sobra de alimento, os americanos atiravam para eles como se fossem cachorros. Os brasileiros abriam as rações e dividiam a comida. Me contavam isso com lágrimas nos olhos. Eu saí de lá convencido que valia a pena contar essa história.

Celito – Onde tu te sentes mais à vontade? No resgate histórico, na ficção...?
Tabajara – Na ficção.

Celito – E entre o cinema e a literatura?
Tabajara – Na literatura, o autor é mais solitário, trabalha com a palavra. No cinema, a gente trabalha com a palavra, com o movimento, com a imagem, com a cor, a textura, com música, com sons, então é uma arte bem completa. A literatura é a arte mais plena, pois o autor é o senhor do seu trabalho. O cinema é uma aventura coletiva.
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Fonte: ZH on line, 14/01/2012

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