Juremir Machado da Silva*
Crédito: ARTE PEDRO DREHER SOBRE FOTOS CP MEMÓRIA
Até que ponto o gosto do outro deve ser respeitado? O primado da tolerância deve silenciar a crítica? Toda crítica frontal a um tipo de gosto é preconceito? A expulsão de um participante do BBB12, reality show da Rede Globo, por suspeita de estupro obriga a falar disso. Quem gosta do programa, escorado na ideia simples de que é brincadeira, lazer e um jogo inofensivo, detesta que se fale mal do baixo nível do que é exibido. O Brasil parece ser um dos poucos ou o único país com 12 edições do Big Brother em rede nacional aberta e em horário nobre. É inegável uma evolução no programa: a cada ano, fica pior. Como se sabe, a baixaria não tem piso nem teto. Mas estamos vivendo a era do consumidor mimado, triunfante, incriticável, infantilizado, agressivo, sempre com razão, que se regala espiando o gozo obsceno dos outros para satisfazer os seus mais baixos e selvagens instintos.
Não se trata de dar lições de moral ou de fazer pose de intelectual. A questão é outra: como chegamos a esse ponto? Houve um tempo em que o elitismo sufocava os gostos populares. A hipocrisia se impunha como uma máscara social. Hoje, os gostos ditos populares, fabricados pela chamada indústria cultural, asfixiam qualquer crítica como expressão de preconceito, o que esconde um preconceito maior, a ideia de que as tais camadas populares só se divertem com chinelagem. O que é mesmo chinelagem? Uma casa com um número de camas inferior ao de moradores para obrigá-los a dormir juntos em público. Um jogo em que o sexo deve ser o horizonte incontornável para delírio de milhões de voyeurs. Uma brincadeira que termina em suposto estupro, em Polícia nos domínios da televisão e em constrangimento nacional.
"O suposto estupro do BBB12 é a cara de certo Brasil,
o Brasil que quer cometer infrações de trânsito
sem ter de pagar multas,
o Brasil onde parlamentares são os primeiros
a não respeitar normas,
o Brasil onde estádios de futebol
são prioridades em relação a hospitais,
o Brasil onde os muito ricos pagam menos impostos,
o Brasil que só quer gozar, ainda que seja
um gozo passageiro, escabroso,
cínico e feio."
Chinelagem também é colocar fama e dinheiro absolutamente acima de tudo. Chinelagem é produzir um imaginário centrado na ideia de que o mais importante é se tornar celebridade e que esse objetivo justifica os maiores micos e o abandono de qualquer limite. O suposto estupro do BBB12 é a cara de certo Brasil, o Brasil que quer cometer infrações de trânsito sem ter de pagar multas, o Brasil onde parlamentares são os primeiros a não respeitar normas, o Brasil onde estádios de futebol são prioridades em relação a hospitais, o Brasil onde os muito ricos pagam menos impostos, o Brasil que só quer gozar, ainda que seja um gozo passageiro, escabroso, cínico e feio.
Está mais do que na hora de se atacar em várias frentes: acabar com preconceitos, respeitar diferenças, levar na boa brincadeiras de estação e, ao mesmo tempo, defender uma utopia: a possibilidade de diversão para todos que exija um pouquinho mais do cérebro de cada um, o que, há alguns anos, era chamado de criatividade e inteligência. O pior mesmo, enquanto a utopia não se realiza, é a hipótese radical que rola nas redes sociais: o suposto estupro do BBB12 seria apenas uma estratégia de marketing. Aí, claro, só resta gritar: que baita chinelagem! Esse pode ter sido o nosso 11 de Setembro. Ainda que, claro, tudo acabe na pizza do mal-entendido.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Tradutor. Colunista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo on line, 18/01/2012
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