quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Battisti em Porto Alegre

Juremir Machado da Silva*
Crédito: ARTE PEDRO SCALETSKY sobre foto de Vinicius Roratto
O presidente Lula acertou ao negar a extradição de Cesare Battisti para a Itália. O então ministro da Justiça Tarso Genro acertou ainda mais ao ter coragem de dar guarida ao italiano no Brasil. Estou chegando aos 50 anos. Aprendi a reconhecer qualidades nos homens quando tomam decisões em situações delicadas. No primeiro processo na Itália, Battisti não foi responsabilizado por nenhuma das quatro mortes que lhe cairiam nas costas depois, o que só aconteceu quando seu ex-companheiro de militância, Pietro Mutti, para beneficiar-se da delação premiada, transferiu para ele, já refugiado no exterior, a culpa pelas execuções. A França de François Miterrand negou duas vezes a extradição de Battisti. Depois, com Jacques Chirac no poder, infringiu a Constituição e julgou pela segunda vez uma mesma pessoa pelo mesmo fato.
Battisti foi julgado à revelia. A procuração apresentada pelo seu suposto advogado de defesa teve a sua assinatura falsificada. A Itália teve leis de exceção e obteve confissões sob tortura. A leitura do processo de Battisti mostra que as contradições são gritantes. No mínimo, pode-se dizer que não há provas de sua participação direta ou indireta em todos os crimes de que é acusado, dois deles tendo acontecido com menos de duas horas de diferença em cidades a 500 quilômetros uma da outra. A convicção de que Battisti é culpado é puramente ideológica. A Constituição brasileira proíbe a extradição de quem cometeu crimes políticos. Vários juristas de renome apoiaram a decisão de Lula. A Itália de Berlusconi resolveu exigir a extradição de Battisti. O que há em comum entre a Itália de Berlusconi e a França de Jacques Chirac? O direitismo. Dessa história, tira-se uma lição: quando um país é presidido pela direita, a justiça também se "direitiza". Nessa disputa, só há ideologia em jogo. Evidente que o mesmo acontece com a esquerda no poder.

"Não me canso de tirar o chapéu
para a coragem de Tarso Genro.
Qualquer outro teria feito média
com a mídia conservadora.
Tarso botou o seu conhecimento e
 a sua consciência acima de tudo."

Se voltasse à Itália, Battisti não teria direito a novo julgamento. Ele está em Porto Alegre, como homem livre que é, para lançar seu livro "Ao Pé do Muro". Pode ir onde bem entender, inclusive ao Palácio Piratini. Tomei conhecimento profundo da história de Battisti pelo intelectual francês Bernard-Henri Lévy, que de comunista ou simpatizante de terrorista não tem nada. Convidei, em nome do Fronteiras do Pensamento, BHL a vir a Porto Alegre. Aqui, ele manifestou desejo de visitar Battisti na prisão, em Brasília. Por intermédio de amigos, contribuí modestamente para que ele fosse recebido pelo ministro Tarso Genro. A partir daí, estudei o caso. Não me canso de tirar o chapéu para a coragem de Tarso Genro. Qualquer outro teria feito média com a mídia conservadora. Tarso botou o seu conhecimento e a sua consciência acima de tudo. A Itália conservadora de Berlusconi sapateou. Perdeu. Não levou. Ficou sem o seu Carnaval midiático.
Em Porto Alegre, depois de uma aparição tumultuada, Battisti ficou acuado. Ele tem todo o direito de andar por aí, de lançar o seu livro, de tomar sorvete na praça ou de fazer embaixadinhas na esquina. Ou chupar cana.
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* Sociólogo. Escritor. Tradutor. Colunista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo on line, 26/01/2012

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