MARTHA MEDEIROS*
Quando soube da polêmica causada pela redação da prova de vestibular da UFRGS deste ano, corri para ler seu enunciado. Estava com uma leve suspeita de que o barulho era desproporcional ao fato. Que nada, os vestibulandos têm todo o direito de chiar. Foi provocação.
A vida hoje não é melhor ou pior do que em outros tempos, é diferente. Décadas atrás, aprendiam-se latim e francês nas escolas, e a leitura de clássicos não amedrontava. Na ausência de TV e internet, a introspecção favorecia uma vida intelectual mais rica. A comunicação – fator de evolução de todas as sociedades – se dava em bases mais sólidas.
Porém, muita coisa mudou. A tecnologia decretou novos hábitos e costumes. Mexeu com o vocabulário e com os sistemas de interatividade. A educação perdeu espaço para a economia. A população quadriplicou. O mundo virou uma aldeia global. A informação passou a chegar a qualquer canto, mas nem assim a alienação foi exterminada, ao contrário, se propagou. O mundo hoje é mais individualista, mais brega e mais burro. Generalizando, é.
"O ensino precisa melhorar muito no Brasil.
Exigir mais dos alunos. Se adaptar às novas ferramentas.
Formar cidadãos mais preparados.
Valorizar a História, o português,
investir nos alicerces que sustentam nossa evolução.
Ninguém discute: estamos retrocedendo.
Mas que não se queira avançar na marra,
através da humilhação."
Os idealizadores da prova de redação da UFRGS sabem disso, e essa consciência faz deles pessoas mais cultas e inteligentes do que a maioria. Bravo. Cultura é um valor inquestionável, e pobre do país que desprestigia o conhecimento. Porém, não houve bom senso na elaboração da prova, e bom senso também é uma forma de inteligência.
Pouquíssimos jovens – aliás, raros adultos também – sabem quem é Adamastor, se uma figura mitológica ou se o dono do botequim da esquina. E não é imprescindível que saibam se querem se tornar bons médicos, bons engenheiros, bons jornalistas. Aos 17 e 18 anos, faixa etária de quem pleiteia uma vaga na faculdade, o importante é saber escrever corretamente, desenvolver um raciocínio lógico, não se perder em abstrações, ter firmeza de caráter, conhecer o significado da palavra ética, ter um projeto de vida que vá muito além da ganância e... ops, me excedi. Vamos ficar apenas com “saber escrever corretamente” e “desenvolver um raciocínio lógico” – as outras exigências eles terão que demonstrar para a vida, não para uma banca acadêmica de avaliadores.
Indo direto ao ponto: o enunciado da redação foi pedante. Poderiam ter solicitado o desenvolvimento do mesmo tema – o papel do idioma na formação da identidade de um país – sem fazer “buuuu” para essa garotada que é chegada a cenas de terror, sim, mas no cinema. Qual o motivo de nausear estudantes que, pela situação competitiva em que se encontram, já estão suficientemente nervosos? Com que propósito, senão arrogância?
O ensino precisa melhorar muito no Brasil. Exigir mais dos alunos. Se adaptar às novas ferramentas. Formar cidadãos mais preparados. Valorizar a História, o português, investir nos alicerces que sustentam nossa evolução. Ninguém discute: estamos retrocedendo. Mas que não se queira avançar na marra, através da humilhação.
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* Escritora. Cronista da ZH
Fonte; ZH on line, 18/01/2012
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