Formado em Psicologia e Educação Física, Márcio Geller Marques, 39 anos, é um professor preocupado com o tratamento dado às crianças nas escolas – inadequado, segundo ele. Mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutorando pela Universidade de Cádiz (Espanha) – defenderá sua tese no próximo dia 23 –, Marques coordena a especialização em psicologia do esporte na Universidade Feevale e concedeu esta entrevista a ZH:
Zero Hora – O que leva uma criança a se sentir excluída devido ao futebol?
Márcio Geller Marques – O problema não são as crianças, são os professores de Educação Física. Qual o objetivo da Educação Física escolar? Fazer o aluno desenvolver a parte motora e a socialização. Nenhuma escola, tanto pública quanto privada, vai formar atletas. A perspectiva deve ser de inclusão de todos, diferentemente de um clube, nos quais há a peneira, os melhores jogam. Já aí é um ponto importante. Não existe esta de quando você tiver nove anos e dois meses terá desenvolvido a habilidade motora. Há uma individualidade biológica e até psicológica. Há crianças que se desenvolvem mais cedo ou mais tarde, crescem mais cedo ou mais tarde. Isso está diretamente relacionado com a coordenação motora.
ZH – O que a exclusão provoca?
Marques – Vai criar uma criança negativa. Uma criança que cresceu e não se desenvolveu tanto não é anormal. Cada uma tem a sua idade para amadurecimento psicológico e físico. Há aquele que cresceu e ficou meio desengonçado, ou não se desenvolveu ainda e vai jogar futebol e faz tudo errado, e os coleguinhas chamam de “mangolão”, de perna-de-pau. O que é que acontece? A criança está em formação, vai criar uma autoestima baixa, uma percepção de que é descoordenado. Aí, quando a criança for jogar bola para se divertir, virá aquilo: “bah, mas eu sou ruim, se eu errar este passe vão me chamar de ‘mangolão’ ”, já vai jogar tenso, ansioso. Mesmo tendo uma grande habilidade, um grande talento, ele não vai conseguir desenvolver isso. O esporte, que é uma atividade superlegal e prazerosa, torna-se negativa.
"Qual o grande problema das escolas privadas,
tirando o estrutural e
o financeiro? O problema
de relacionamento."
ZH – Isso pode marcar uma pessoa para o resto da vida?
Marques – Claro. Pergunte a uma pessoa quais foram os professores que marcaram na vida dela, tanto positiva quanto negativamente. Você verá que é um professor de Educação Física.
ZH – Você acha que nossas escolas estão pecando nisso?
Marques – Estão. O psicólogo escolar vai tratar da criança que brigou com algum colega, faltou respeito com o professor, o pedagogo vai ver problemas de aprendizagem. Na verdade, não há uma assessoria em psicologia do esporte. Qual o grande problema das escolas privadas, tirando o estrutural e o financeiro? O problema de relacionamento. Muito se fala do bullying, mas qual é a disciplina em que as crianças mais se relacionam? Matemática? Física? Química? Não. É a educação física. E, além de saber se relacionar, você tem de ter habilidade para o esporte. E outra coisa interessante: se o cara não sabe nada de química, física e matemática, ele até tem um apelido de burro, mas é meio malandro. Mas, se não sabe de esporte, a gente tem apelidos para falar a tarde inteira e ainda vai faltar tempo. É o “mangolão”.
ZH – O futebol é muito cultural. Há muita pressão sobre as crianças?
Marques – Até parece que é menor homem por isso, né? O normal é todos jogarem futebol. O que faz uma criança não jogar futebol? Uma experiência errônea? Talvez a criança nunca tenha sido estimulada, ou quando foi estimulada foi ridicularizada. Eu tinha amigos meus no colégio que não jogavam futebol. Depois, fui encontrá-los como universitários, e eles fazem parte de times de futebol. Na universidade, ninguém vai ridicularizar ninguém, a pessoa se sente à vontade. Interessante, não? Na infância, há pais que projetam tudo no filho. O pai pode projetar toda uma frustração na criança
---------------------------
Reportagem por LÉO GERCHMANN E LEONARDO OLIVEIRA
leonardo.oliveira@zerohora.com.br Fonte: ZH on line, 111/01/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário