Luiz Guilherme Migliora*
A internet se transformou em uma ferramenta de pesquisa e de facilidade acessível a muitos e de fácil manuseio. O problema é quando se transporta essa realidade para dentro do gabinete de um juiz. Ao se deparar com uma causa, é comum que o juiz tenha vontade de expandir a pesquisa regularmente realizada, mas desde há muito restrita aos alfarrábios de direito, representados pelos incontáveis repertórios de jurisprudência e pela enorme produção doutrinária. Diante da necessidade de buscar a verdade, por que não pode o juiz usar a internet para saber mais sobre os litigantes, os fatos relevantes ao litígio e mesmo os remédios legais aplicáveis a casos semelhantes em outros países?
A resposta a essa questão aparentemente trivial não é tão simples quanto pode parecer. O juiz deve buscar a verdade dos fatos e, com base no que dita a lei vigente, decidir a questão da forma mais justa possível. Como em qualquer conflito, há pelo menos duas versões dos fatos ou interpretações para uma mesma "verdade". A partir desse debate, e só a partir dele, é esperada do juiz uma conclusão ou síntese que é o pressuposto do seu julgamento justo.
São as partes que definem os limites da controvérsia. Ninguém além do autor pode formular o pedido e alterá-lo dentro dos limites da lei. E apenas o réu pode apresentar a defesa e até mesmo deixar de contestar fatos trazidos pelo autor que, para efeitos do processo, passam a ser verdadeiros. O juiz deve se pautar por esses limites.
O juiz não deve buscar na internet
fatos e esclarecimentos
sobre um processo
O juiz não pode jamais se transformar em parte do processo, pois, ao fazê-lo, mesmo que em busca da verdade ou de um ideal de justiça, deixa inevitavelmente de ser, como se espera, inquestionavelmente imparcial. O juiz não pode nem deve se despir de sua toga e se aventurar na internet em busca de informações sobre as partes, a controvérsia e especialmente acerca de questões técnicas não jurídicas.
É plausível que um juiz consulte sítios de medicina ou engenharia em busca de informações a respeito de uma doença ou de um problema estrutural de engenharia objeto de litígios que ele deva decidir? Talvez a resposta a essa pergunta esteja em outra pergunta. Seria razoável que um médico ou um engenheiro consultasse a Revista de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou o Tratado de Direito Privado de Pontes de Miranda sem o auxílio de um advogado na busca de solução para um problema jurídico que o aflige?
Juízes não devem recorrer à internet em busca de fatos que possam ser relevantes para a solução de litígios trazidos ao seu crivo. E para que o juiz possa chegar o mais próximo possível da verdade, fatos e versões devem ser sempre, sem exceção, devidamente testados sendo submetidos ao crivo, à crítica das partes. Esse exercício garante às partes o direto de se manifestar e de influenciar o convencimento do juiz. É do contraditório, da análise dos debates e provas produzidas que o juiz deve buscar e encontrar a sua verdade, a síntese que deduz uma decisão de mérito.
"Os juízes tal e qual todos nós podem se socorrer
da internet no desempenho de suas funções,
desde que suas incursões fiquem limitadas
às questões de direito.
A investigação de questões fáticas
cabe às partes, e de questões técnicas a
peritos especializados nas matérias
que forem relevantes."
Ao juiz é vedado ir à internet em busca de fatos e esclarecimentos sobre um processo que deva ser por ele julgado. E, se apesar de ser-lhe vedado esse comportamento, for à internet em busca de evidências, o que juiz não pode de forma alguma fazer, é trazer da rede esses elementos de fato diretamente para a sua decisão ou se deixar influenciar pelo resultado de sua pesquisa, sem submetê-lo ao contraditório, ou seja, ao crivo das partes no processo. Somente elas têm condições de criticar as conclusões dessa irregular incursão do juiz na rede, contextualizá-las, trazer fatos novos que as desdigam ou confirmem, enfim, se manifestar amplamente sobre os fatos que podem influenciar o convencimento do juiz.
Não há aqui crítica à consulta à doutrina em formato digital, desde que, contudo, tal consulta se restrinja a questões de direito. Caso, contudo, a pesquisa do magistrado ingresse no campo das questões técnicas não afeitas à área do direito, deverão as partes, caso seja respeitado o contraditório, pedir que um perito no tema seja ouvido, já que o juiz não é perito senão em direito.
Em resumo e conclusão, os juízes tal e qual todos nós podem se socorrer da internet no desempenho de suas funções, desde que suas incursões fiquem limitadas às questões de direito. A investigação de questões fáticas cabe às partes, e de questões técnicas a peritos especializados nas matérias que forem relevantes. Independentemente de os juízes observarem os limites a que estão sujeitos nas suas atividades, eles devem sempre dar às partes o direito de se manifestarem sobre as conclusões dessas pesquisas, nos autos do processo, com prazo adequado, e requerer, se for o caso, a manifestação de um perito especializado no tema técnico.
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*Luiz Guilherme Migliora é professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro (Direito Rio) da Fundação Getulio Vargas e sócio de Veirano Advogados
Fonte: Valor Econômico on line, 11/01/2012
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