Juremir Machado da Silva*
Crédio: Arte Pedro Scaletsky
Se me perguntassem o nome do ator da saga Harry Potter, eu não saberia dizer. Geralmente eu esqueço os nomes de atores de qualquer filme. Nenhum me parece bom a ponto de ser lembrado. Se eu encontrasse Daniel Radcliffe na rua ou no cinema, não o reconheceria. Se me oferecessem R$ 1 milhão para acertar o nome da namorada dele, Rosie Coker, eu continuaria pobre. Continuo sabendo muito pouco sobre o dito cujo e nada sobre Rosie Coker. A minha opinião sobre Harry Potter continua solenemente a mesma: serve para formar os futuros leitores de Paulo Coelho e talvez os alegres fãs de Michel Teló. Nada tenho contra isso. Apenas constato. E prevejo. Sou um imbecil da pluralidade. Aceito o mundo como ele se dá a ver.
Em todo caso, passei a admirar um pouco esse tal Daniel Radcliffe depois que li, na Internet, numa manhã de navegação a esmo e de reflexão, uma declaração desconcertante dele: "Eu ganhei tanto dinheiro com esses filmes que me sinto ridículo. Se alguém me perguntasse: ''Você honestamente pensa que merecia essa grana?''. Não, eu não merecia, mas aceitei mesmo assim. Eu acabei por ter sorte de entrar nessa indústria que paga quantias inacreditáveis por nada. Essa é a realidade. Eu me sinto quase culpado por ter ganhado tanto como Potter. Eu acordo de manhã no meu apartamento em Nova Iorque, faço dois shows no teatro e fico pensando em outros atores que não sabem se terão dinheiro para atravessar a semana".
Faz sentido. Quero repetir uma frase do cara: "Eu acabei por ter sorte de entrar nessa indústria que paga quantias inacreditáveis por nada". Perfeito. Exato. Preciso. Inquestionável. Se eu tivesse dito isso por conta própria, seria chamado de ressentido e invejoso. O mesmo acontece no futebol. Veja-se o caso do Brandão, atacante do Grêmio, que, segundo ouvi dizer, ganha R$ 300 mil mensais. O que fez o Brandão? O que faz o Brandão? Nada. Nem joga muito. O mesmo pode ser dito de jogadores do Internacional. Qual a diferença entre o Brandão e o Daniel Radcliffe? O Brandão não se envergonha. Ao menos, que eu saiba. E o Felipão? O gringo, segundo dizem, ganha mais de R$ 1 milhão por mês no Palmeiras. Quando ele boceja, ganha R$ 10 mil. Não faço discurso moralista. Destaco a particularidade da vida como ela insiste em ser. Ganha muito quem faz o que é valorizado por muitos.
Muita gente resolveria a culpa do Radcliffe com facilidade: "Larga essa cachaça, meu!", "relaxa e goza, cara", "deixa de ser otário", "está com muito, manda uma parte para mim" ou com o tradicional "pensa nos políticos que estão sempre nos roubando". O probleminha do Daniel, no entanto, é que ele parece ter uma coisa chamada formação. Acha que se deve ganhar proporcionalmente a um trabalho real, consistente e útil. Gostaria de suar um pouco mais a camisa para merecer os seus milhões. Não passa de um dinossauro, de uma excrescência, um anacrônico, um idiota. Onde se viu querer estabelecer uma correspondência entre utilidade social e ganhos? Se seguir desse jeito, Daniel Radcliffe vai se dar mal.
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* Sociólogo. Escritor. Tradutor. Colunista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo on line, 12/01/2012
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