segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

As baixas expectativas são o segredo da felicidade

Lucy Kellaway*

Todos os anos, no último dia de dezembro, faço minha família participar de um pequeno ritual. Cada um precisa pensar no ano que terminou e mencionar alguns pontos altos e baixos que o caracterizaram, possivelmente junto com algo que aprendeu.
O jogo é tão impopular que este ano eu desisti dele. Os adolescentes não veem sentido em olhar para trás, e também não dividem suas vidas em blocos arbitrários dos 365 dias que começam no fim do inverno. Em todo caso, seus principais pontos altos e baixos são coisas que eles preferem guardar para si. Isso significa que agora estou fazendo o ritual sozinha, aqui e agora em meu laptop.
Adoro olhar para trás, mas não estou achando fácil. Para começar, é difícil lembrar as coisas que fiz, e depois o tempo acaba pregando uma peça estranha: as coisas que você sabe que gostou enquanto as estava fazendo têm uma maneira de se transformar em nada quando vistas a distância.
De longe, a maior coisa que fiz em 2011 foi ir à China para participar de alguns festivais literários. Isso foi especialmente grande para mim, uma vez que nunca vou a lugar algum a não ser ao norte de Londres e ao norte de Cornwall. Mas mesmo assim, míseros seis dias do outro lado do mundo não chegam a mudar um ano, por mais estimulante que tenha sido na ocasião ficar ligeiramente bêbada no topo do Shanghai Hyatt, onde uma jacuzzi de madeira emitia vapores e as luzes piscavam lá embaixo, na área central de Bund.
A viagem assumiu no ano a mesma posição de um brinquedo barato sob uma árvore de Natal. Mas ela não representou a árvore em si. Portanto, qual foi a aparência de minha árvore em 2011? Ela nem mesmo se pareceu com uma árvore. Foi mais parecida com uma tigela de porridge (mingau de aveia), o artigo chique da recessão. Sempre fui uma apreciadora dedicada de porridge, mas em 2011 descobri que ele pode ser feito colocando a tigela no micro-ondas. Esta é a segunda coisa mais significativa que aprendi no ano: você coloca uma grande quantidade de aveia na tigela, segura por um instante sob a torneira da cozinha e depois coloca no micro-ondas por um pouco mais do que o tempo que se leva para ferver uma chaleira com água, retirando-a quando o conteúdo forma uma cúpula, sem que ele transborde.
Com um pouco de leite, muito açúcar e uma banana, tem-se a perfeição todas as manhãs. Me parece que as pessoas podem ser divididas entre as que preferem o porridge e as que representam os ingleses típicos, e a grosso modo essa divisão se compara às pessoas que pregam a recessão e as que pregam o aquecimento econômico. Definitivamente me enquadro na primeira categoria.
As recessões são boas da mesma maneira que o inverno é bom. Parte dele envolve se aquecer e ficar dentro de casa. Mas digo isso também porque as baixas expectativas são o segredo da felicidade. No verão, o tempo é um problema se você não estiver planejando piqueniques sem fim e passeios pelo litoral. Os períodos de aquecimento da economia enganam você, fazendo-o pensar que tudo é abundante e pode ser seu. Durante as recessões e os invernos, você espera menos, de modo que a probabilidade de você acabar satisfeito é maior. Meu ponto alto do ano foi simplesmente manter meu emprego. Manter o show na estrada exige uma mistura de sorte e dedicação e, tendo conseguido isso por mais um ano me deixa satisfeita - e agradecida.
E 2011 foi um dos melhores anos para se ficar em casa. Durante 40 horas eu encontrei a felicidade perfeita no sofá, em paz com meu mundo, com a mente totalmente envolvida no derretimento das calotas polares, crimes, guerras e o corte do avental de uma moça. Nunca a televisão foi tão boa. "Frozen Planet", "The Killing" e "Downton Abbey" foram coisas capazes de nos manter felizes o dia inteiro, por sabermos que poderíamos nos proporcionar uma hora de TV (ou talvez duas, como um prazer especial) à noite.
A fala final de David Attenborough no gelo foi quase tão triste quanto a despedida de Christopher Robin quando ele está prestes a ir para o internato. E quanto a Sarah Lund em "The Killing", carrancuda enquanto enfrenta uma chuva na Dinamarca, eu a vejo como uma alma gêmea.
A afinidade não é apenas uma questão de humor - é porque eu usava o mesmo colete na década de 1970. Tive um com motivos marrons sobre um fundo creme enquanto minha irmã de verdade ficou com o negativo fotográfico.
O ano foi bom para os livros, sendo o único problema o fato de eu não conseguir lembrar tudo o que li. Em uma festa antes do Natal, perguntei a uma mulher se ela havia lido algo bom recentemente e ela tirou da sua bolsa um elegante estojo verde contendo um tablet Kindle, onde me mostrou o que estava lendo e o que havia lido.
Embora indiscutivelmente eficiente, aquilo me pareceu um pouco sem alma. Prefiro do meu jeito, que envolve inspecionar a torre de livros ao lado da minha cama e tentar lembrar dos outros que estavam ali antes de eu selecioná-los ou descartá-los.
Na lista dessa mulher vi um livro que eu tinha lido. "A Visit from de Goon Squad" de Jennifer Egan. "Personagens mal desenvolvidos e decepcionantes. Trivial", declarou ela. Mas justo quando eu ia defender o livro, percebi que uma coisa triste havia acontecido. O prazer intenso da leitura que me havia feito sentar à mesa da cozinha por um dia inteiro apenas um mês atrás, não levou a nada. Não deixou nenhum resquício.
Não é verdade que eu não saí de casa em 2011, ou que não tenha gostado quando isso aconteceu. Meu principal passeio aconteceu sob uma chuva torrencial em Glastonbury. Dançando enquanto Jimmy Cliff cantava "The Harder They Come", com os pés cheios de lama, me senti novamente uma adolescente, com a vantagem que as verdadeiras adolescentes iriam dormir em barracas em meio à lama, enquanto eu iria dormir em um trailer Winnebago, em lençóis limpos, como convidada de um amigo que preside a companhia que fornece energia para o festival.
Mais tarde, deitada na cama enquanto a chuva martelava o teto do trailer, eu entendi uma coisa sobre o luxo. Ele não quer dizer torneiras de ouro sólido e caviar, e sim relatividade: dormir em uma cama estreita e seca enquanto 180.000 pessoas dormiam na lama, foi provavelmente o momento mais luxuoso da minha vida.
Um dos pontos baixos de 2011 foi a lista de coisas que comprei na internet. Durante o ano adquiri inadvertidamente muitas coisas bem pequenas. Uma guitarra de criança, um cortador de grama com um recipiente para grama tão pequeno que você precisa esvaziá-lo quatro vezes ao cortar a grama de um jardim pequeno, e um pacote de ervilhas congeladas que mal dava para uma pessoa.
Se você gosta de fazer uma boa compra, como eu, fica irresistivelmente atraído pelos produtos Yamaha, Flyno ou Birds Eye, que se parecem com os outros que estão sendo oferecidos mas custam metade do preço. Um dos aprendizados mais importantes de 2011 foi: certifique-se de que o produto que você está comprando também esteja pela metade do preço.
A coisa mais importante que aprendi em 2011 foi algo que eu gostaria de ter descoberto décadas atrás: como dizer não. Esta lição me foi passada pelo meu colega Tim Harford, que havia pedido a Malcolm Gladwell que fizesse algo por ele. Gladwell mandou rapidamente de volta um e-mail dizendo o seguinte: "Obrigado, Tim. Sinto muito não poder fazer - estou muito ocupado".
O "não" foi imediato, breve e firme - e ainda assim amigável. Meus filhos parecem já saber como fazer isso, ou pelo menos sabem a primeira parte. Em algum momento hoje, vou mudar de ideia e perguntar a eles se não deveríamos fazer o jogo de fim de ano. A resposta será direta: Não.
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*Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
Fonte: Valor Econômico on line, 09/01/2012
Imagem da Internet

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