segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Adeus, Cheeta

L. F. VERISSIMO*

Johnny Weissmuller, o melhor Tarzan de todos, era campeão de natação, o que significava que todos os seus filmes como o personagem tinham que incluir pelo menos uma cena dele nadando. Os jacarés sabiam disso, e ficavam na espera. “Lá vêm os jacarés”, pensávamos todos, no cinema, quando Tarzan mergulhava. “Lá vem ele”, pensavam os jacarés, desanimados. E não falhava. Tarzan mergulhava e os jacarés mergulhavam atrás dele. Sabiam que não o pegariam, que Tarzan mataria um ou dois e afugentaria o resto, mas o atacavam assim mesmo. Tarzan mergulhava sabendo que os jacarés o atacariam, os jacarés o atacavam sabendo que era inútil, e a plateia se resignava àquele ritual fatalista. Que era uma das diferenças entre o Tarzan do cinema, pelo menos na fase Johnny Weissmuller, e o Tarzan dos livros. Nos livros, Tarzan era descrito como um bom nadador, mas raramente se jogava em rios ou em lagoas, com ou sem jacarés. Outra coisa: Cheeta, nos livros, era o nome do leopardo (Numa era o leão, Tantor o elefante). A Cheeta chipanzé é uma invenção do cinema.
A atriz que fazia a Cheeta morreu há uma semana. Teria 80 anos, o que sugere que não fosse mais a Cheeta original. Ela simbolizava como ninguém a importância de um certo tipo de coadjuvante no cinema, uma figura que merece um estudo que ainda não foi feito. O amigo do mocinho, o fiel companheiro que oferece companhia, bom humor ou apenas um contraste desastrado com o herói perfeito, e que volta e meia interfere decisivamente na ação. Não foram poucas as vezes, nos filmes, em que a história só pôde continuar porque a Cheeta desamarrou as mãos do Tarzan, ou foi buscar ajuda, por exemplo. Há uma longa tradição de amigos do mocinho no cinema e nos quadrinhos, passando pela relação algo suspeita do Robin com o Batman, da estranha parceria do Tonto com o Zorro, que só durou tanto tempo porque eles jamais discutiram a sério a relação, do Centelha com o Tocha Humana... Uma tradição que tem sua origem literária, claro, no Sancho Panza.
Não sei se foram ditas algumas palavras no enterro da Cheeta, lembrando sua importância na história cultural do Ocidente. Ou, vá lá, apenas na história de velhos tarzanófilos. Aqui, de longe, mandei meus respeitos.
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* Escritor. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 09/01/2012
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