Lya Luft*
Impressionante como somos vulneráveis às más notícias, aos horrores do
mundo, que se derramam em nossa casa, em nossa vida, em nossa alma, o tempo
inteiro. Quase esquecemos as coisas boas, belas e felizes, que também existem.
No meu tempo de Escola Normal, as freirinhas do colégio diziam que "o
bem murmura, o mal grita". Ou que "na outra vida veremos o verdadeiro
risco do bordado, aqui só vemos o lado avesso, cheio de fios cruzados e nós e
imperfeições".
Certamente, alguma coisa dessas cândidas lições ficou e floresceu em mim,
pois, apesar de tudo, do mundo lá fora e das rasteiras da vida, da sorte, da
morte, acho que sou uma otimista. Acredito que a vida vale a pena. Acredito que
o amor ilumina. Acredito que boas amizades são ótimas porque amizade não
conhece ciúme, competição, cobrança, nem precisa de assiduidade para durar.
Enfim, acredito no bom e no bem, mesmo que eu também saiba, veja, sinta,
observe que somos animais. Animais não muito bons: não passarinhos, borboletas,
golfinhos, cachorrinhos amorosos ou gatos indolentes, mas bichos predadores
mesmo.
Assim nem preciso escrever, como comentei na coluna passada, sobre a
animalização dos humanos. Está aí, exposta e escrachada, na violência, na
maldade, na futilidade criminosa, na insanidade geral e na irresponsabilidade
mortal. Também nas pequenas picuinhas e maldades cotidianas, com que às vezes,
tantas vezes, tratamos os outros. Na irresponsabilidade com que muitos
governantes manejam seu país e sua gente. Na indigência (Vicente gosta dessa
palavra...) mental e moral de tantos líderes, até em setores antes sagrados.
Tudo isso que nos deixa perplexos, embasbacados, impotentes, inseguros e
desamparados.
De modo que, sim, nos falta encontrar, cultivar, manter e curtir aquelas
coisas, às vezes simplíssimas, que são a luz da vida. Um olhar de afeto, um
sorriso alegre, um gesto de entendimento, um WhatsApp dando coragem, ou uma
visita que nos anime, seja o que for, nos ilumina se nos abrirmos para isso
tudo, que parece pouco, mas é tudo. Borboletas azuis no jardim do bosque na
Serra, o tucano pousado bem baixinho, os bugios com filhote nas costas saltando
nas árvores, as paineiras diante da janela aqui em Porto Alegre e, nestes dias,
a minúscula cachorrinha, nossa nova bebê, que ia se chamar Pandora, mas
rebatizei de Penélope: melhor de pronunciar, e sou fã da Penelope Garcia do
Criminal Minds. (Ou vocês achavam que só assisto a filme cult e só leio
Goethe?) Ainda tem quem se espante de me encontrar em lugares normais como
caixa de supermercado: "Nunca imaginei ver a senhora num
supermercado!". "Ué", respondo pela centésima vez, "minha
família também come...".
Fim para as ilusões, que venha a real luz da vida, rara e essencial.
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* Escritora
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=aa5b738616facb0e2b0409c547b338d7
29/04.2018
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